Foto: Ruy Sposati/Cimi

Em novo memorial para o STF, FIAN Brasil mostra ameaças ao direito à alimentação dos povos indígenas

Retomada dos Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Foto: Ruy Sposati/Cimi

Já ouvida como amicus curiae (“amiga da corte”) numa das ações sobre o marco temporal, a FIAN Brasil pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para contribuir nessa condição também na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.582. A entidade lembra que, em função da relação holística e orgânica dos povos indígenas com os territórios ancestrais, o reconhecimento e a proteção das terras tradicionais são centrais para a garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana).

A ADI 7.582 foi protocolada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) com apoio de dois partidos, Psol e Rede Sustentabilidade. Outras duas ADIs, 7.583 e 7.586, reiteram o caráter inconstitucional da tese. O ministro relator do caso, Gilmar Mendes, apensou todas as ações à Ação Direta de Constitucionalidade (ADC) 87. Completa esse conjunto a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 86, que se situa no extremo da posição ruralista. 

“Fazemos o pedido para reforçar a ação da Apib como a mais relevante e legítima, dado que se trata da principal representação dos indígenas, a parte mais afetada pela disputa”, explica o assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil Adelar Cupsinski. “É questão de sobrevivência dos povos originários. Além disso, como o próprio Supremo já declarou em 2023, a tese em julgamento é inconstitucional.”

Parte do modo de vida

No memorial entregue ao STF dia 7, a FIAN Brasil lembra que o direito à alimentação é reconhecido no artigo 6º da Constituição e consagrado em tratados internacionais como o Pidesc. Acrescenta que, para os povos originários, produzir alimentos vai além da segurança alimentar: está no centro da identidade cultural, do modo de vida. Elaborado com a FIAN Internacional, o documento apresenta achados de pesquisa entre os Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. 

O marco temporal só voltou à ordem do dia porque também em 2023, pouco depois da manifestação da Suprema Corte, os parlamentares aprovaram a tese, ao promulgar a Lei 14.701, derrubando veto presidencial contrário.

“Tudo fica ainda mais preocupante com a minuta de anteprojeto de lei elaborada por Mendes como ministro relator”, alerta Cupsinski. “A proposta foi divulgada como resultado da comissão especial que ele criou como instância conciliatória, mas seu teor incorpora outros pontos e ameaça grande parte dos direitos conquistados milímetro por milímetro ao longo de quatro séculos, desde as cartas régias de 1611 e de 1680, quando os europeus passaram a se preocupar com a situação jurídica dos nativos no período colonial.” A Apib retirou-se de pronto e denunciou a impossibilidade de conciliação, mas a instância foi mantida.

Em fevereiro, três relatoras especiais da ONU publicaram declaração pedindo que as autoridades brasileiras rejeitem essas medidas regressivas.

Rompimento de acordo

Para o assessor da FIAN, a aprovação de tais retrocessos romperia um acordo entre o Estado brasileiro e as sociedades originárias sacramentado na Constituição Federal de 1988. “Ela tratou as questões indígenas em diferentes dispositivos articulados, criando um arcabouço jurídico consistente”, diz.  

O marco temporal define a data da promulgação da Carta Magna como linha de corte para o reconhecimento das terras indígenas, como desfecho de uma disputa acolhida pelo STF no caso Raposa Serra do Sol. Mas o Plenário do tribunal reviu sua decisão após  16 anos, depois de a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) dar ganho de causa aos Xukuru, de Pesqueira (PE), contra o Estado brasileiro. Agora em março, decisão na mesma linha declarou o Brasil responsável por violação de direitos dos quilombolas de Alcântara (MA) e determinou a demarcação de seu território.

Como apoiadora da luta indígena, a FIAN participará do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025 ao lado de delegação guarani e kaiowá. Em sua 21ª edição, a mobilização convoca a população brasileira a ocupar Brasília – simultaneamente a ações locais – de 7 a 11 de abril. Com o tema “Apib somos todos nós: em defesa da Constituição e da vida”, o evento celebra os 20 anos da organização.

Prato do Dia | Alteração do artigo 6º da Constituição Federal (PEC 17/2023): um grave risco ao direito humano à alimentação

Partindo das bases conceituais e jurídicas do direito humano à alimentação adequada, o texto analisa propostas de emenda à Constituição que tramitam no Congresso Nacional, em particular a PEC 17, e como põem em risco essa conquista. É de autoria das diretoras da FIAN Brasil Míriam Balestro e Norma Alberto e do diretor Irio Conti.

Leia o artigo e a recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) no mesmo sentido.

FIAN Brasil anuncia vaga para assessor(a) de Advocacy

TERMO DE REFERÊNCIA

A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas anuncia a abertura de processo seletivo para a contratação temporária de assessor(a) de Advocacy.

O regime de contratação é como pessoa jurídica, com início dos trabalhos previsto para julho de 2024. A duração do contrato é de 12 meses, prorrogável por igual período.

Sobre a FIAN Brasil

Somos uma organização de direito privado, sem fins lucrativos, apartidária, sem vínculo religioso, com sede e foro em Brasília (DF), com atuação de abrangência nacional. 

Nossa missão é contribuir para um mundo livre da fome e da desnutrição, no qual cada pessoa possa desfrutar plenamente dos seus direitos humanos, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), com dignidade e autodeterminação.

A FIAN Brasil atua para fortalecer o Dhana por meio de ações de exigibilidade, formação, informação e incidência política. As ações de incidência política e advocacy são construídas em conjunto com diferentes redes da sociedade civil, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, o Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e a Plataforma Dhesca. Além disso, a FIAN Brasil coordena a secretaria executiva do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e está representada no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), no  Grupo Consultivo do Comitê Gestor do Pnae e na Mesa de Diálogo Permanente Catrapovos Brasil. 

Objetivo da contratação 

A/o assessor(a) de Advocacy deverá apoiar a execução de ações de incidência política da FIAN Brasil, em especial no Congresso Nacional, contribuindo em temas prioritários.

Atividades previstas

  • Monitorar pautas prioritárias para a FIAN Brasil no Congresso Nacional;
  • Sistematizar e analisar dados e informações para elaboração de pareceres, notas técnicas, planilhas e sínteses voltadas ao trabalho legislativo;
  • Estabelecer diálogo com parlamentares e assessorias parlamentares para a promoção de agendas relativas ao Dhana;
  • Apoiar a execução de ações específicas de incidência política da FIAN Brasil no Congresso Nacional;
  • Participar de reuniões periódicas com a Coordenação de Advocacy, equipes de projetos da FIAN Brasil e redes das quais a FIAN faz parte.

Requisitos obrigatórios

  • Ensino superior completo em Ciência Política, Ciências Sociais, Direito, Economia, Políticas Públicas ou áreas afins;
  • Conhecimento e experiência de atuação em processos legislativos;
  • Capacidade de redação de documentos voltados para a incidência política (planilhas, relatórios, pareceres);
  • Compromisso com direitos humanos e valores éticos relacionados ao trabalho da FIAN Brasil;
  • Compromisso em relação ao cumprimento de prazos; 
  • Habilidades de comunicação, diálogo e trabalho em equipe;
  • Residir em Brasília (DF);
  • Disponibilidade para trabalho híbrido com agendas presenciais semanais no Congresso Nacional.

Requisitos desejáveis

  • Experiência com políticas de segurança alimentar e nutricional;
  • Experiência aplicada de incidência no Congresso Nacional;
  • Experiência de trabalho em/com organizações da sociedade civil, movimentos sociais ou redes.

Processo para candidatura

Currículo, carta de motivação e declaração de conflitos de interesse (baixe aqui para preencher) deverão ser encaminhados para [email protected] com cópia para [email protected] até as 18:00 do dia 31/05/2024. Entrevistas serão agendadas com as pessoas selecionadas. 

Diversidade e inclusão

A FIAN Brasil defende e apoia a ampliação da diversidade na sociedade e, por essa razão, estimula e prioriza a candidatura de mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e/ou com deficiência, que cumpram os requisitos estabelecidos. Se você se enquadra nesses grupos, indique em sua carta de motivação.

Seminário pensa caminhos para PL que exige respeito de empresas a direitos humanos

A FIAN Brasil participou, nos dias 14 a 16, do seminário “Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente”. As discussões buscaram contribuir para o aprimoramento e a aprovação do Projeto de Lei (PL) 572/22, que institui a Lei Marco Nacional de Direitos Humanos e Empresas no Brasil.

Foto: Oxfam Brasil

O evento, com participação do ministro Silvio Almeida e da jurista Deborah Duprat, reuniu representantes de diversas organizações civis e pesquisadores/as. Foi organizado por entidades e movimentos que integram a campanha “Essa Terra Tem Lei – Direito Para os Povos e Obrigações para as Empresas” – Oxfam Brasil, Amigos da Terra Brasil, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fundação Friedrich Ebert (FES), Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

“Para nós, participar é reafirmar a primazia do direito humano, incluindo o da alimentação, sobre a atividade empresarial.”, comenta o assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos “A organização das cadeias de valor globais sem atenção devida aos direitos humanos conforma sistemas alimentares desiguais, nos quais o Dhana [direito humano à alimentação e à nutrição adequadas] e outros direitos são negados.”

“O PL 572 propõe regras vinculantes – não apenas voluntárias – para as empresas, em diálogo com discussões globais como aquela de que participamos em torno do tratado sobre o assunto em Genebra”, acrescenta Vasconcelos.

Questão de Estado

Na mesa de abertura, Silvio Almeida afirmou que seu ministério vai criar um grupo de trabalho com as pastas da área econômica para incluir o tema na Política Nacional de Direitos Humanos. “Nossa luta é para que a questão dos direitos humanos e empresas seja uma política do Estado brasileiro, para que possa ser disseminada por toda a atividade econômica e empresarial brasileira”, disse. Também

O evento divulgou uma cartilha sobre a proposta, que aborda também a arquitetura da impunidade corporativa no Brasil. Foram realizadas, ainda, mesas sobre a atual legislação brasileira e sobre marcos normativos vinculantes no mundo.

Foto: Oxfam Brasil

Participação em GT de transição combina propostas emergenciais e estruturantes

A secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, e a assessora de Políticas Públicas, Mariana Santarelli, participaram da plenária do Grupo de Técnico (GT) de Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo de transição. Em suas falas, destacaram propostas emergenciais e estruturantes.

Burity trouxe elementos do contexto, como a escalada da fome, o aumento do consumo de produtos ultraprocessados – associado ao crescimento de doenças não transmissíveis –, a inflação dos alimentos e o colapso ambiental. “O caráter intersetorial da política de SAN [segurança alimentar e nutricional] deve nortear as estrutura de governança de modo que busque dar conta de todas as pontas dos sistemas alimentares, com todos os seus sujeitos”, comenta. “Destaquei ainda a importância de a Caisan [Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional] ter uma efetiva capacidade de convocação dos diversos ministérios e  dialogar com o Legislativo e o Judiciário.”

Outro assunto abordado pela secretária-geral são as proposições legislativas no Congresso Nacional que representam esperança ou ameaça para o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). “É  importante que os órgãos de controle não criminalizem os programas de agricultura familiar e segurança hídrica, como o das cisternas.”

Santarelli, por sua vez, defendeu a reativação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no primeiro dia de governo, com a composição de quando teve seu funcionamento interrompido pelo presidente Jair Bolsonaro. “A ideia seria atualizar essa representação adiante, de forma a garantir uma abordagem enfaticamente antirracista e incorporar atores do campo que surgiram nos últimos anos”, explica a assessora, que participou como integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

A FIAN apoia a proposta de criação da Secretaria Especial de Segurança Alimentar e Nutricional e Enfrentamento da Fome, ligada à Presidência da República e abrigando a Caisan e o Consea. “Também seria interessante, na recomposição do que será o futuro Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social e Combate à Fome, criar uma secretaria voltada ao acesso à alimentação, com foco em programas como os de cisternas e equipamentos de alimentação e nutrição”, pontua Santarelli. Ela propôs o fortalecimento de uma rede de cozinhas solidárias, que criam os caminhos entre o que é produzido pela agricultura familiar e as pessoas que passam fome na cidade, e lembrou a proposta que vem sendo defendida pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) de reajuste do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Entre os e as integrantes do GT estão o ex-presidente do Consea Renato Maluf, a culinarista Bela Gil, a senadora Simone Tebet e as ex-ministras Tereza Campello e Márcia Lopes. O grupo tem nova plenária marcada para quinta-feira (15).