Líderes guarani e kaiowá pedem apoio na defesa de seus territórios e do direito à alimentação

A partir desta segunda-feira (18) até 30 de setembro, dois representantes/líderes dos povos indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul (MS) estarão em viagem pela Europa para chamar a atenção para as violações estruturais de direitos humanos enfrentadas por seus povos e pedir aos formuladores de políticas europeus e aos órgãos de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que adotem medidas de apoio à sua luta. Eles estão acompanhados pela FIAN Brasil, FIAN Internacional e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Atualmente, no Brasil, 62% das terras indígenas e reivindicações territoriais existentes estão pendentes de regularização administrativa (demarcação). A insegurança fundiária está no centro de várias violações de direitos humanos e de um conflito brutal de terras que registrou 795 assassinatos de indígenas e 535 casos de suicídio nos últimos quatro anos (consulte CIMI, 2023). Os povos Guarani e Kaiowá do MS estão entre as principais vítimas dessa dura realidade. 

As atuais violações de direitos humanos, os conflitos socioterritoriais e as inseguranças vivenciadas pelos Guarani e Kaiowá são motivados por invasões de seus territórios tradicionais por empresas agroindustriais, latifundiários, condomínios de luxo, prisões ilegais e a expansão de megaprojetos de infraestrutura para o transporte de commodities. Os conflitos se materializam em ataques de milícias armadas formadas pelos próprios fazendeiros e seus sindicatos rurais, ações paramilitares e operações militares sem autorização judicial, promovidas pelas forças de segurança pública estaduais ou pela Força Nacional.

As violações dos direitos dos Guarani e Kaiowá à alimentação e nutrição adequadas têm origem na desapropriação histórica de suas terras ancestrais, das quais foram – e continuam sendo – expulsos; na exploração predatória de seus recursos naturais, incluindo a contaminação por agrotóxicos de seus rios, terra e ar; e na negação de praticamente todos os seus direitos humanos. Desde a dificuldade de acesso à documentação e aos serviços públicos, passando pela violência psicológica e física resultante do racismo generalizado, até a dependência de cestas básicas entregues irregularmente, todas essas violações culminam em índices alarmantes de insegurança alimentar e fome. A situação já terrível piorou consideravelmente durante os anos do regime de Bolsonaro e seu desmantelamento sistemático de políticas, programas e estruturas sociais, além da promoção de políticas e princípios anti-indígenas. 

Estudo da FIAN Brasil e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a ser lançado em breve, realizado em cinco comunidades guarani e kaiowá, constatou que 77% das famílias vivem com algum nível de insegurança alimentar, enquanto 33,6% das famílias não têm alimentos suficientes para a alimentação.

Durante a missão de defesa de seus direitos, os líderes guarani e kaiowá se reunirão com membros do Parlamento Europeu, com o Serviço de Ação Externa da Comissão Europeia, bem como com representantes de órgãos de direitos humanos e missões diplomáticas em Genebra. Eles também participarão da 54ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos e da análise do Brasil pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. A FIAN Brasil, juntamente com outras organizações da sociedade civil, apresentou um relatório sobre a situação dos direitos econômicos, sociais e culturais no país. 

Haverá também um evento público em conjunto com várias outras organizações e redes brasileiras de direitos humanos para chamar a atenção para a situação dos povos indígenas e o contexto mais amplo dos direitos econômicos, sociais e culturais pós-Bolsonaro. 

Inaye Gomes Lopes, moradora da comunidade Ñanderu Marangatu – um dos locais participante da pesquisa e da petição apresentada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) – e vereadora no município de Antônio João, no Mato Grosso do Sul, relata que a viagem à Europa tem como objetivo “exigir a demarcação de nossas terras, o reconhecimento das terras tradicionais, a homologação das terras, para dar voz aos jovens, às mulheres, aos nossos idosos. Clamar para que o mundo saiba como vivemos, como estamos vivendo no estado do Mato Grosso do Sul, como estamos sendo assassinados, como estamos sendo violados, massacrados, pelos próprios poderes do Estado brasileiro”.

Lopes espera que os funcionários da ONU/União Europeia notifiquem e exijam das autoridades brasileiras a implementação de seus direitos territoriais segundo estabelece a Constituição Federal. E que denunciem “como nossos direitos estão sendo violados, continuam sendo violados e estão sendo massacrados”.

Entre as reivindicações centrais estão a proteção efetiva dos povos indígenas contra os ataques violentos que sofrem nas retomadas de suas terras ancestrais, a conclusão dos processos de demarcação de seus territórios, além da rejeição da tese do “marco temporal” e do Projeto de Lei 2.903/23 (para obter mais informações, consulte o comunicado de imprensa da FIAN Brasil sobre a declaração de Francisco Cali a esse respeito).

Além disso, os legisladores e os formuladores de políticas europeus serão instados a garantir que os acordos comerciais existentes e atualmente negociados, bem como os investimentos e as ações das empresas sediadas ou com vínculos com a União Europeia e seus estados-membros, não alimentem o conflito fundiário nem contribuam para violações dos direitos do povo Guarani e Kaiowá. A proibição das exportações de agrotóxicos nocivos, proibidos na UE, para o Brasil e outros países é outra demanda fundamental.  

A FIAN Brasil e a FIAN Internacional acompanham os Guarani e Kaiowá desde 2005. Juntamente com a Aty Guasu, o Cimi e a Justicia Global, eles têm uma petição pendente de admissão na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. 

FIAN Internacional com FIAN Brasil

Fotos: Ruy Sposati/Cimi

Parlamento Europeu aprova resolução em que condena os ataques às instituições democráticas do Brasil

O Parlamento Europeu expressou a sua solidariedade com o presidente democraticamente eleito Lula da Silva, o seu governo e as instituições brasileiras. Uma Resolução sobre a invasão das instituições democráticas, aprovada na última quinta-feira (19) pelos parlamentares, “condena com veemência as ações criminosas cometidas por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro, incitando-os a aceitar o resultado da eleição de 30 de outubro de 2022”.

No documento, os eurodeputados apoiam os esforços para assegurar uma investigação “rápida, imparcial, séria e eficaz, a fim de identificar, processar judicialmente e responsabilizar todos os envolvidos, incluindo os instigadores, os organizadores e os financiadores, bem como as instituições estatais que nada fizeram para impedir os ataques”.

Também realçam a decisão do Supremo Tribunal Federal de aprovar o pedido dos procuradores federais para investigar o ex-presidente Bolsonaro, na medida em que este “pode ter contribuído, de forma muito relevante, para a ocorrência de atos criminosos e terroristas”.

O Parlamento Europeu alerta que os acontecimentos em Brasília em 8 de janeiro de 2023, a invasão do Capitólio nos EUA em janeiro de 2021 e a detenção de 25 pessoas por tentarem restabelecer o Reich alemão em dezembro de 2022, estão ligados ao fascismo, extremismo e racismo. E destacam a importância de regular as plataformas de comunicação social para prevenir a propagação da desinformação e do discurso de ódio.

Os eurodeputados Maria Manuel Leitão Marques (S&D), Marisa Matias (GUE), João Albuquerque (S&D), Francisco Guerreiro (Verdes) e Sandra Pereira (GUE) foram os porta-vozes da Resolução, que recebeu 319 votos a favor, 46 contra e 74 abstenções.

Para saber mais, assista vídeo, leia matéria completa e/ou acesse o texto da Resolução.

Com informações do Parlamento Europeu

Parlamento Europeu reitera a importância de “garantir os direitos dos povos indígenas à terra, territórios e seus meios de subsistência tradicionais”

No dia 7 deste mês, o Parlamento Europeu aprovou resolução em que condena veementemente o estarrecedor assassinato dos povos indígenas no Brasil e de defensores indígenas e ambientalistas, a exemplo do que ocorreu com o ativista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Sobre o caso, os eurodeputados destacaram a necessidade de investigação imediata, exaustiva, imparcial e independente por parte das autoridades brasileiras.

A resolução, debatida em caráter de urgência (assista a votação), traz ampla fundamentação legislativa, jurídica e histórica, além de acordos internacionais, para exigir medidas urgentes e adequadas do Estado brasileiro para prevenir novas violações aos direitos humanos dos povos indígenas que vivem no país. 

Segundo o documento, o Parlamento reitera a importância de “garantir os direitos dos povos indígenas à terra, territórios e seus meios de subsistência tradicionais, bem como para protegê-los de todas as formas de violência e discriminação”, além de “tomar medidas para acabar com a perseguição, a criminalização e a estigmatização dos povos originários e comunidades tradicionais”.

Na resolução, os representantes parlamentares estabelecem um elo entre o aumento da violência, o aumento das taxas de desmatamento e as políticas de Bolsonaro e as condenam de forma clara e inequívoca. Citam o grave desmonte de órgãos governamentais como a Funai e o Ibama, promovido pelo governo atual, e registram profunda preocupação com “os potenciais efeitos do projeto de lei PL 191/2020, conhecido como ‘projeto de lei da devastação’, e do projeto de lei PL 490/2007 sobre a demarcação de terras indígenas (…) que possam levar ao aumento do desmatamento e à destruição dos meios de subsistência dos povos indígenas”.

Guarani e Kaiowá

Em 29 de junho, a FIAN Internacional e a FIAN Brasil, com apoio de entidades-membro da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição, registraram por meio de carta ao Estado Brasileiro e governo de Mato Grosso do Sul o pedido de imediata apuração da operação de despejo ilegal e violenta promovida cinco dias antes (24/7) pela Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra os povos Guarani e Kaiowá, do tekoha Guapo’y, em Amambai. Na ocasião, os povos tradicionais haviam retomado parte de seu território e a ação policial culminou no assassinato de Vitor Guarani Kaiowá, além de deixar outras 10 pessoas feridas.

Cabe ressaltar que, no episódio, a força pública agiu sem autorização judicial e à revelia do ordenamento jurídico brasileiro, contexto que espelha o fracasso do Estado brasileiro por não cumprir o dever de regular, proteger e demarcar as terras indígenas, cujo arcabouço legal registrado na Constituição de 88 consagra o direito original dos povos indígenas às suas terras ancestrais, sem qualquer tipo de limitação de tempo para o reconhecimento desse direito.

Poucos dias depois, em 4 de julho, uma segunda carta relatou às autoridades um novo episódio de violência contra os povos originários, na mesma região do MS, em que outro indígena foi morto, Márcio Pereira. O documento reitera o pedido de medidas legais para o fim imediato das constantes violações aos direitos dos tekoha Guapo’y, Kurupi/Santiago Kue, Dourados-Amambai Pegua II e povos indígenas Guarani e Kaiowá em geral.

As cartas também foram encaminhadas em cópia para entidades relevantes dos sistemas de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Interamericano de Direitos Humanos e da União Europeia. Em resposta à FIAN Internacional, a assessoria de eurodeputada Anna Cavazzini reafirmou o interesse e compromisso do Parlamento Europeu em acompanhar de perto a questão. 

Saiba mais

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Publicação: O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá

FIAN Brasil

Foto: Genevieve Engel/European Union 2022

FIAN Brasil: trabalho de incidência é fundamental para exigir realização dos direitos humanos

Incidência. Este é um termo muito comum na atuação e universo das organizações não-governamentais que atuam, principalmente, pela defesa dos direitos humanos. No caso da FIAN Brasil, a incidência, junto com articulação, formação e produção de conhecimento, é um dos seus eixos de atuação. Mas afinal, o que é essa tal de incidência?

Incidência é o ato de criar pressão frente aos poderes públicos nacionais e internacionais, a partir de demandas das organizações da sociedade civil organizada, com o propósito de garantir o acesso e qualificação das políticas públicas.

Com 16 anos de atuação no Brasil, a FIAN tem desenvolvido ações para exigir a realização dos direitos humanos, em especial do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (DHANA), direito que engloba diversos elementos como: Segurança Alimentar e Nutricional, Adequabilidade, Soberania Alimentar, Gênero e Nutrição. Neste sentido, diversos temas relacionados ao DHANA e aos direitos humanos, bem como segmentos em situação de vulnerabilidade, em geral, são priorizados na atuação da organização, a exemplo de: terra e território, combate aos agrotóxicos, impactos de mega projetos sobre direitos humanos, consumo de alimentos, publicidade infantil e povos e comunidades tradicionais e direitos das mulheres.

“Tendo como base o trabalho de acompanhamento de casos concretos de violações de direitos a FIAN Brasil busca, a partir de sua experiência específica, incidir de maneira geral sobre políticas públicas, leis e jurisprudência (decisões judiciais reiteradas sobre um tema) ou decisões judiciais, buscando atuar em favor não apenas dos sujeitos de direitos dos casos concretos acompanhados, mas de outros indivíduos e grupos que são afetados e impactados pelas mesmas ações”, informa a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

O trabalho no âmbito da incidência realizado pela FIAN Brasil tem como base a experiência desenvolvida em conjunto com o Secretariado Internacional da FIAN e contribuições de outras seções, coordenações e membros da FIAN Internacional. “O trabalho da FIAN tem como objetivo apoiar a luta da sociedade civil em seus esforços para tornar efetivas as obrigações de respeitar, proteger, promover e prover o DHANA, como instrumento contra a fome, a má nutrição e a alimentação inadequada, no contexto da promoção da equidade e da dignidade humana”, destaca Valéria Burity.

Atualmente, a FIAN Brasil realiza dois acompanhamentos de casos: povo indígena Guarani Kaiowá (MS) e território quilombola de Brejo dos Crioulos (MG). O acompanhamento de casos, é uma das principais ações da FIAN Brasil, a partir deste acompanhamento é possível tornar visíveis as violações do DHANA e demais direitos nestas comunidades e apoiar a lutas dos grupos afetados com as violações e violências.

Caso Guarani e Kaiowá

Um dos casos mais emblemáticos de violações de direitos no Brasil, é o dos povos indígenas Guarani e Kaiowá que, desde 2005, são acompanhados pela FIAN Brasil. “A FIAN não é uma organização indigenista, no entanto atuamos, fortemente, por meio de incidência juntos aos órgãos nacionais e internacionais visando fortalecer a luta dos grupos que têm seus direitos violados”, aponta Valéria Burity.

Os Guarani e Kaiowá são o segundo maior povo indígena do Brasil atualmente, com cerca de 50 mil habitantes que se concentram principalmente no estado do Mato Grosso do Sul. Expulsos de suas terras pelo avanço da colonização promovida pelo Estado Brasileiro principalmente após a Guerra do Paraguai, os Guarani e Kaiowá vivem, em sua maioria, em reservas criadas pelo SPI (Serviço de Proteção ao Índio) no início do século XX.

Além dos que estão em centros urbanos, a maioria dos indígenas vive em três situações: minoria em terra demarcada; grande maioria nas reservas, onde estão os piores indicadores de violência, desnutrição e suicídio; e outra parcela está em acampamentos de beira de estrada ou em áreas de retomadas, isto é, ocupando partes de fazendas que se sobrepõem aos seus territórios tradicionais, em situação de conflito. Geralmente, os Guarani e Kaiowá encontram-se cercados por monoculturas de cana e grãos que demandam uso intensivo de agrotóxicos. Há muitas denúncias sobre contaminação de água. Também há denúncias de que as comunidades são, intencionalmente, alvos de pulverização de agrotóxicos.

Os conflitos entre os representantes dos setores do agronegócio e as comunidades indígenas são graves, persistindo os despejos e o assassinato de lideranças como reação à luta pelo Tekohá (lugar onde se é). Desde o assassinato de Marçal de Souza, em 1983, foram mortos dezenas de líderes, sendo que alguns nunca tiveram seus corpos encontrados, como é o caso de Nísio Gomes, do Tekohá Guaiviry. Além do assassinato de lideranças, centenas de mortes decorrem dos conflitos pela terra. Em 2014, o Mato Grosso do Sul concentrava 54,8 % dos assassinatos contra povos indígenas no país. Apesar da abertura, em alguns casos, de processos judiciais, não há ninguém preso em razão das mortes das lideranças indígenas no Mato Grosso do Sul.

“O contexto de violações de direitos do povo Guarani e Kaiowá está associado à ausência de demarcação de seus territórios tradicionais, mas também à omissão do Estado em relação à segurança pública, saúde, alimentação, educação, questões ambientais, justiça e promoção de outras políticas públicas que permitam tal povo viver de acordo com sua identidade cultural”, pondera Burity.

A FIAN Brasil em parceria com o CIMI – Conselho Indigenista Missionário lançou, em agosto de 2016, a pesquisa “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá – um enfoque holístico”, que apresenta um diagnóstico sobre as mais diversas violações de direitos humanos relacionadas à atual situação dos Guarani e Kaiowá. A pesquisa comprovou que, nas comunidades pesquisadas, o índice de insegurança alimentar e nutricional deste povo indígena era de 100%.

Incidência Internacional

 

Delegação brasileira em agenda de incidência internacional, na imagem representantes da FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI, APIB e Aty Guassu.

No acompanhamento do caso dos Guarani e Kaiowá, a incidência política tem sido um dos principais eixos para denunciar as graves violações de direitos humanos cometidas contra estes povos.

A exemplo da importância do papel da incidência internacional, a FIAN Brasil, FIAN Internacional, CIMI e liderança Aty Guassu Guarani e Kaiowá participaram, em setembro de 2016, de uma Gira pela Europa com o objetivo de denunciar o Estado brasileiro sobre as violações de direitos humanos contra os Guarani e Kaiowá.

Na rota das organizações estiveram países como Alemanha, Bélgica, Suíça, Suécia, Inglaterra. Na agenda, foram apresentadas as principais denúncias de violações contra os povos indígenas brasileiros, como o diagnóstico realizado pela FIAN Brasil que aponta a grave situação nutricional dos Guarani e Kaiowá.

Além de reuniões com parlamentares alemães e do Europarlamento e organizações internacionais, também foram realizados debates com a sociedade sobre a situação dos povos indígenas brasileiros. Ainda na visita, a delegação participou, no dia 20 de setembro, da 33ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU (UNHRC) em Genebra, onde a Relatora Especial da ONU para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou o relatório da missão ao Brasil com conclusões e recomendações visando à superação do quadro de violações dos direitos humanos dos povos indígenas. No dia seguinte à apresentação do relatório, organizações e representantes indígenas do Brasil se reuniram em Genebra para analisar a apresentação do documento, que contou também com a participação da Relatora Especial da ONU.

Alguns meses depois desta ação de incidência internacional, já apareceram os primeiros resultados do trabalho

– Resolução do Parlamento Europeu

Em 24 de novembro de 2016, o Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena” e “deplora” a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas. A resolução norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.

– Visita do Parlamento Europeu no Brasil

Após a visibilidade internacional da situação dos Guarani e Kaiowá, em dezembro de 2016, uma missão do Parlamento Europeu esteve no Brasil para uma diligência ao Mato Grosso do Sul, com o objetivo de verificar denúncias de mortes, ameaças e ataques contra as comunidades indígenas.

– Revisão Periódica Universal (RPU)

Audiência Pública sobre a RPU na Câmara dos Deputados.

Um outro tema abordado na incidência internacional, durante a Gira pela Europa, está relacionado com a RPU. Em maio de 2017, o Brasil será submetido pela terceira vez à Revisão Periódica Universal (RPU) do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Este é um mecanismo pelo qual os Estados-membros da ONU são avaliados por seus pares quanto à situação de proteção aos direitos humanos no país.

– Petição internacional

A Assembleia Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá protocolou online, no dia 6 de dezembro, uma petição à CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA). A denúncia contra o Estado brasileiro protocolada na CIDH é apresentada pelo Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Fian Internacional, Fian Brasil e Justiça Global, em representação das comunidades indígenas Guarani e Kaiowá de Apyka’i, Guaiviry, Ypo’i, Ñhanderu Marangatu e Kurusu Ambá, por violações aos direitos previstos na Convenção Americana de Direitos Humanos, no Protocolo de San Salvador e na Convenção de Belém do Pará. “Além das mortes, denunciamos a falta completa de demarcação das nossas terras tradicionais. Isso motiva toda uma série de graves violações que geram o genocídio do nosso povo”, explicou Eliseu Guarani e Kaiowá, à época.

“Esta petição é fruto de um longo e profundo processo conjunto de análises de violações de direitos humanos, e demanda do Estado Brasileiro, em síntese, a efetivação dos direitos humanos dos Guarani e Kaiowá”, destaca Valéria Burity.

Embora o Brasil esteja vivendo cenários de retrocessos, a expectativa é que as denúncias e a pressão de organismos internacionais reforcem a luta dos Guarani e Kaiowá e pressionem o Governo Brasileiro a adotar medidas efetivas que garantam os direitos humanos não só dos Guarani e Kaiowá, mas de todos os povos indígenas.

“A ação de incidência e os resultados que já vemos, como uma manifestação do Parlamento Europeu, por exemplo, são importantes, mas sem dúvida, é a luta direta do Povo Guarani e Kaiowá que tem barrado maiores violações de direitos, temos compreensão, portanto, que é fundamental incidir contra a criminalização dessa luta”, informa Valéria Burity.

FIAN

A FIAN Brasil é uma seção da FIAN Internacional, organização de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas. No Brasil, a FIAN acompanha e monitora casos de violações deste direito, incidindo sobre o poder público e realizando ações de formação e informação.

Por Flávia Quirino/Ascom Fian Brasil

Foto Capa: Lunaé Parracho

CDHM e Parlamento Europeu fazem missão conjunta ao MS para apurar violações de DH dos Guarani-Kaiowá

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados realiza, na próxima semana, uma diligência ao Mato Grosso do Sul para apurar violações de Direitos Humanos do povo indígena Guarani-Kaiowá. Além dos deputados federais que estarão na diligência, uma missão do Parlamento Europeu viajará com a delegação para conversar com lideranças e visitar aldeias do povo Guarani-Kaiowá com o objetivo de verificar denúncias de mortes, ameaças e ataques contra as comunidades indígenas.

Em 24 de novembro, o extermínio de indígenas no Brasil foi tema de debate no Parlamento Europeu, que aprovou uma resolução sobre o assunto. Os eurodeputados condenaram os atos de violência contra os Guarani-Kaiowá e apelaram às autoridades brasileiras para que tomem medidas imediatas de resguardo dos direitos humanos dos indígenas.

Os eurodeputados pediram também que seja elaborado um plano de trabalho que priorize a demarcação de territórios reivindicados pelos Guarani-Kaiowá.

Participam da missão conjunta eurodeputados de seis países: Francisco Assis (Portugal), chefe da delegação europeia, Marisa Matias (Portugal), Julie Ward (Reino Unido), Estefania Torres Martínez (Espanha), Lilith Verstrynge (França), Giuseppe Lo Monaco (Itália), Francesco Giorgi (Itália), Umberto Gambini (Itália), Fernando Burgés (Espanha) e Lukas Van Diermen (Holanda). Os eurodeputados Ignazio Corrao (Itália), Pier Antonio Panzeri (Itália) e Ramon Tremosa i Balcells (Espanha) estarão representados por assessores.

Representando a Câmara dos Deputados, participam o presidente da CDHM, deputado Padre João (PT-MG), Edmílson Rodrigues (PSOL-PA), Janete Capiberibe (PSB-AP) e Zeca do PT (PT-MT).

Confira a agenda dos eurodeputados no Brasil:

Segunda-Feira (05/12)

10h – Reunião dos eurodeputados com representantes das Embaixadas europeias. Local: Delegação da União Europeia no Brasil

12h – Almoço. Local: Delegação da União Europeia no Brasil

14h – Audiência Pública dos eurodeputados com entidades defensoras dos povos indígenas (CIMI e APIB), lideranças indígenas e parlamentares. Local: Plenário 2 do Anexo II da Câmara dos Deputados

19h – Deslocamento para Dourados (MS) – Base Aérea de Brasília

21h – Chegada em Dourados (MS)

Terça-feira (06/12)

08h – Visita à aldeia Kunumi Verá (Massacre de Caarapó)

10h30 – Visita à Guayviry

13h – Assembleia na aldeia Aty Guasu

18h – Saída para Dourados

Quarta-feira (07/12)

10h – Reunião com movimentos sociais e MPF-MS. Local: Auditório do MPF em Campo Grande (MS)

14h – Audiência com Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul

16h – Audiência com governador do Mato Grosso do Sul

19h – Viagem de Campo Grande para Brasília

21h – Chegada em Brasília

Quinta-feira e Sexta-feira (08 e 09/12)

Audiências com Presidência do Senado Federal, Presidência da Câmara dos Deputados, Funai, Conselho Nacional de Direitos Humanos, Presidente do Supremo Tribunal Federal. Horário e local a definir.

Fonte: Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

Parlamento Europeu apela às autoridades brasileiras pela proteção e demarcação das terras Guarani e Kaiowá

O Parlamento Europeu aprovou uma Resolução Urgente onde “condena” e “deplora” a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras, os eurodeputados pedem medidas imediatas para a proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas.

“Convictos”, os eurodeputados dizem: “As empresas deveriam prestar contas por qualquer dano ambiental e por quaisquer violações dos direitos humanos e a União Europeia e os Estados-Membros deveriam consagrar esta condição como princípio fundamental, tornando-o uma disposição vinculativa em todas as políticas comerciais”.

A resolução foi publicada no início da noite desta quinta-feira, 24, e norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger – o que não ocorre.

Para os eurodeputados, é urgente um “plano de trabalho visando dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani-Kaiowá e criar as condições técnicas operacionais para o efeito, tendo em conta que muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais”.

Diante da iniciativa do governo brasileiro de congelar gastos primários pelos próximos 20 anos com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55, “recomenda que as autoridades brasileiras assegurem um orçamento suficiente para as atividades da Funai”. A resolução apresenta preocupações com medidas dos poderes Executivo e Legislativo.

Naquilo que entende como “direitos opostos aos dos índios”, o Parlamento Europeu afirma que a PEC 215, se for aprovada, irá ameaçar os direitos à terra, permitindo um bloqueio do reconhecimento dos novos territórios indígenas. O marco temporal também foi condenado como interpretação limitada da Constituição brasileira.

O Parlamento Europeu recordou às autoridades brasileiras, em trecho da resolução, a obrigação do país de ” respeitar o direito internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido, em especial, pela Constituição Federal Brasileira e a Lei 6.001/73 sobre «o Estatuto do Índio»”.

Ressaltou: “O Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio(FUNAI) assinaram em 2007 o Compromisso de Ajustamento de Conduta, a fim de identificar e demarcar 36 territórios da comunidade Guarani-Kaiowá até 2009”. O que não ocorreu, conforme atestou a Organização das Nações Unidas (ONU).

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Velório de Clodiodi Guarani e Kaiowá. Crédito: Ana Mendes/Cimi

Relatoria da ONU: demarcação de terras

A Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas Victoria Tauli-Corpuz esteve no Brasil em março. Visitou os Guarani e Kaiowá (MS), os Tupinambá (BA) e esteve junto às comunidades impactadas pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA). Produziu um relatório e o apresentou na última Assembleia da ONU, em outubro.

O Parlamento Europeu tomou por base o pronunciamento de Victoria: ”Considerando que, de acordo com a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, nos últimos oito anos tem-se registado uma preocupante ausência de progressos na implementação das recomendações da ONU”.

Comunidade do tekoha Apykai. Crédito: Ruy Sposati/Cimi
Comunidade do tekoha Apykai. Crédito: Ruy Sposati/Cimi

Estado integrante da ONU, o Brasil tem o dever de seguir suas resoluções e executar recomendações. Tanto Victoria como seu antecessor, James Anaya, que esteve no Brasil em 2008, apresentaram preocupações quanto a demarcação dos territórios tradicionais, assim como a crescente deterioração da proteção dos direitos dos povos indígenas.

Longe de suas terras, os povos amargaram toda sorte de privações e violências. No Brasil, não é novidade que os Guarani e Kaiowá são um trágico símbolo de desgraças variadas levando o povo a ser considerado por organismos internacionais como um dos casos mais graves envolvendo populações indígenas no mundo.

Dados oficiais do governo brasileiro respaldam a tese e a resolução do Parlamento Europeu: “De acordo com os dados da Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI) e do Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), nos últimos 14 anos foram assassinados pelo menos 400 indígenas e 14 líderes indígenas”.

Simeão Vilharva e Clodiodi de Souza, assassinados durante ataques de fazendeiros, são citados nominalmente. A resolução apela “às autoridades brasileiras para que tomem medidas imediatas para proteger a segurança dos povos indígenas e garantir a realização de inquéritos independentes sobre os assassinatos e os ataques”.

 

Segurança alimentar e suicídios

Longe das terras tradicionais, abandonados pelo Estado brasileiro na proteção e garantia de direitos, os Guarani e Kaiowá, conforme estudo recente da FIAN Brasil e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vivem em grave situação de insegurança alimentar e nutricional.

O estudo, citado pelo Parlamento Europeu, registra que o índice de desnutrição crônica para crianças menores de 5 anos é de 42% em três comunidades Guarani e Kaiowá pesquisadas. Uma das fontes do estudo foi o Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas realizado em 2009, também citado pelo Parlamento Europeu na resolução de ontem: “[…] a taxa de subnutrição crônica entre as crianças indígenas [no Brasil] é de 26 %, em comparação com a média de 5,9 % registada entre as crianças não indígenas”.

A subnutrição deixa os Guarani e Kaiowá mais expostos a todo tipo de doença, desde crônicas a simples diarreias não tratadas que levam crianças ao óbito. Mortes, abandono, falta de perspectiva de vida: o resultado é um aumento chocante de suicídios que acometem sobretudo a população mais jovem, algo não registrado em relatos históricos.

Para o Parlamento Europeu, a “falta de prestação de cuidados de saúde, educação e serviços sociais e a ausência de demarcação das terras indígenas têm tido repercussões no suicídio de jovens e na mortalidade infantil”. Novamente a resolução faz uso de dados oficiais e do Relatório de Violências Contra os Povos Indígenas, do Cimi.

“Nos últimos 15 anos, pelo menos 750 pessoas, na sua maioria jovens, cometeram suicídio e que mais de 600 crianças com menos de 5 anos de idade morreram, na maior parte dos casos por doenças tratáveis e facilmente evitáveis”, pontua o documento dos eurodeputados.

A resolução mais uma vez recorda ao governo brasileiro: “A responsabilidade que lhes incumbe de manter e aplicar integralmente à população Guarani-Kaiowá as disposições da Constituição brasileira relativas à proteção dos direitos individuais e aos direitos das minorias e dos grupos étnicos indefesos”.

Conquista dos Guarani e Kaiowá

Há três anos a Aty Guasu – Grande Assembleia Guarani e Kaiowá – realiza incidências na ONU, Parlamento Europeu e Organização dos Estados Americanos (OEA). “No Brasil cansou da gente falar e nada ser feito. Morreu e morre parente nosso de todo jeito. Então ficamos felizes que esse trabalho tenha dado certo”, explica Elizeu Guarani e Kaiowá (na foto, em incidência na ONU).

A liderança indígena tem a cabeça a prêmio no Cone Sul do Mato Grosso do Sul. “Toda vez que eu voltava de fora do Brasil, vindo da ONU nessas denúncias, tinha uma nova ameaça. É complicado viver assim, né. Mas a Aty Guasu resolveu e das nossas terras a gente não desiste. Agora é seguir na luta”, frisa o Guarani e Kaiowá.

Para o indígena, no Brasil os Guarani e Kaiowá conseguiram “mostrar o que acontece no Mato Grosso do Sul, mas no estado o racismo, preconceito é grande. Tem comércio em Dourados que não deixa nem a gente entrar”, diz. “É um estado que um boi e um saco de soja valem mais que um indígena”, conclui.

Elizeu acredita que quando os europeus se derem conta que a carne, o açúcar e a soja do Mato Grosso do Sul são frutos do “sangue indígena” indígena sobre territórios tradicionais tomados pelos latifúndios, os fazendeiros e empresas que mantêm os Guarani e Kaiowá na situação em que se encontram vão sentir no bolso – e só assim para algo mudar.

“O povo Guarani e Kaiowá espera agora que o governo brasileiro leia a resolução e tome providências. Sobretudo sobre a demarcação de terras. Tendo nossos tekoha – lugar onde se é – podemos plantar comida e floresta. Viver em harmonia com nossos antepassados. Vamos deixa de morrer e passar a viver”, afirma o Guarani e Kaiowá.

A Aty Guasu, composta por caciques, professores e lideranças Guarani e Kaiowá, construiu aliados durante esses três anos no Brasil e no mundo. Portanto, a resolução do Parlamento Europeu é apenas o começo de uma série de ações, até mesmo dos próprios eurodeputados, para sensibilizar o Estado brasileiro a garantir os direitos indígenas.

“A Resolução é mais um instrumento para reforçar a legítima luta do Povo Guarani e Kaiowá, e tal documento ganha especial importância em um momento de ruptura democrática e criminalização das lutas sociais no Brasil”, afirma Valéria Burity, Secretária-Geral da FIAN Brasil.

“Com a resolução, o Parlamento Europeu se torna mais um organismo internacional a condenar a crise humanitária junto aos Guarani. Além de se comprometer com soluções que efetivamente resolvam uma das situações mais dramáticas em se tratando de povos indígenas. É sem dúvida uma vitória importante dos Kaiowá que ao longo de 3 anos bateram de porta em porta de europarlamentares, testemunhando o genocídio silencioso a que esse povo está submetido. Em tudo os Guarani Kaiowá pediam a condenação do Estado Brasileiro, por acreditar ser este o maior responsável de suas dores e violência”, destaca Flávio Vicente Machado, do Cimi.

Por Renato Santana/ Da página do CIMI