Especialistas defendem retomada do PAA em vez de troca pelo Alimenta Brasil

O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: riscos e retrocessos nas compras públicas de alimentos da agricultura familiar é o título de nota técnica (NT) publicada pela FIAN Brasil nesta quarta-feira (23). A análise foi elaborada, a pedido da entidade, pelos professores Sílvio Isoppo Porto e Julian Perez-Cassarino e pela engenheira de alimentos Priscila Diniz.

Para os autores e a autora, retomar e fortalecer o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) seria mais efetivo que implementar o programa que o substituiu, do ponto de vista do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Acesse a NT 1/2022 da FIAN.

Proposto na Medida Provisória (MP) 1.061/2021, o Programa Alimenta Brasil foi instituído pela Lei 14.284/2021, com a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. A lei cria também, no lugar do Programa Bolsa Família, o Programa Auxílio Brasil.

A nota técnica retoma o histórico das políticas de segurança alimentar e nutricional (SAN) no Brasil, destacando aquelas que abriram o mercado institucional para as aquisições da agricultura familiar. São lembradas medidas como a dispensa de licitação dentro de determinados limites de aquisição por família, e a articulação com o fornecimento a instituições de assistência social, “criando um círculo virtuoso econômico, social e ambiental nos âmbitos local e regional”.

Inovações

Porto, Perez-Cassarino e Diniz jogam luz sobre o PAA, criado em 2003, como primeiro programa nesse sentido. Entre as inovações são listadas: “i) recorte de público (agricultura familiar e assentados da reforma agrária, passando a incorporar também povos indígenas e povos e comunidades tradicionais); ii) compra sem processo de concorrência pública; ação direta de aquisição por parte do Estado; iii) preços pagos na aquisição, respeitando e levando em consideração as especificidades regionais e; iv) gestão compartilhada entre cinco ministérios”.

O trio ressalta que o PAA foi fundamental para a revitalização da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no contexto do Fome Zero, adquiriu mais de 500 tipos de alimentos diferentes e chegou a beneficiar em um ano mais de 18 mil entidades que atuavam no atendimento a pessoas em situação de insegurança alimentar.

Com o acompanhamento orçamentário, a NT 1/2022 mostra o crescimento do Programa de Aquisição de Alimentos entre 2003 e 2012, a redução – porém ainda em bons volumes – de 2013 a 2016 e o esvaziamento drástico a partir de 2016. A exceção, no passado recente, foi 2020, quando a mobilização popular de mais de 800 organizações levou os e as parlamentares a destinarem R$ 500 milhões extras a essa política. Em 2021, no entanto, o Orçamento do governo Bolsonaro previu cerca de R$ 100 milhões para a rubrica, 10% do montante aplicado em 2012.

Falta de transparência

De acordo com a análise, a execução do Alimenta Brasil pouco difere do que historicamente vem sendo feito no PAA, mas traz lacunas relevantes: a extinção da modalidade sementes e o apagamento das instâncias e espaços institucionais de diálogo com a sociedade civil, com brechas para uma enfraquecimento ainda maior na execução do programa ou seu aparelhamento para fins políticos.

“Claramente, essa iniciativa do governo não passa de ação política para tentar fortalecer sua imagem junto à opinião pública, como se estivesse promovendo uma inovação institucional em prol da inclusão produtiva e da produção e distribuição de alimentos às famílias em situação de insegurança alimentar”, concluem os autores. “Se a intenção do governo de fato fosse essa, em vez de desconstruir o PAA, bastaria ampliar os recursos financeiros destinados ao programa e garantir regularidade no aporte de dotação orçamentária, assegurando pelo menos R$ 1 bilhão ao PAA anualmente.”

Nota Técnica 1/2022 – O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: Riscos e Retrocessos nas Compras Públicas de Alimentos da Agricultura Familiar


Nota técnica (NT) sobre o programa criado pelo governo Bolsonaro para substituir o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

A análise foi elaborada, a pedido da FIAN Brasil, pelos professores Sílvio Isoppo Porto e Julian Perez-Cassarino e pela engenheira de alimentos Priscila Diniz.

Acesse a NT O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: riscos e retrocessos nas compras públicas de alimentos da agricultura familiar.

Artigo | A urgência do combate à fome

Elisabetta Recine, Maria Emília Pacheco, Mariana Santarelli, Vanessa Schottz e Valéria Burity

Originalmente publicado na Folha de S.Paulo, em 11 de maio

A pandemia provocada pelo novo coronavírus afeta de forma drástica nossa vida, porém mais ainda a dos que historicamente têm seus direitos violados. A Covid-19 espalha-se num território comandado por um presidente que pouco tempo atrás negou a existência da fome. Que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em seu primeiro dia à frente da nação e vem desmantelando as políticas que tiraram o Brasil do mapa da fome. A insistência na falsa dicotomia entre vida e economia faz com que as respostas sejam lentas, confusas e muito aquém das necessidades dos que vivem na iminência da fome e que têm na produção familiar de alimentos o seu sustento.

O distanciamento social afeta o sistema alimentar, da produção ao consumo, e em particular seus elos mais frágeis. Numa das pontas está grande parte da população, em sua maioria negra, que se esforça para permanecer em casa sem saber se terá comida na mesa. Na outra, camponesas e camponeses, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, com uma significativa participação de organizações das mulheres, que produzem alimentos frescos e saudáveis e que estão com sua comercialização ameaçada pela interrupção de feiras livres e compras governamentais. Parte da solução pode estar na amarração dessas pontas, o que passa pela ampliação e adaptação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e pelo aumento de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Leia o artigo inteiro na Folha. Ali também é possível acessar reportagens que contextualizam e desdobram o assunto.

Elisabetta Recine
Nutricionista, é ex-presidenta do Consea

Maria Emília Pacheco
Antropóloga, é ex-presidenta do Consea

Mariana Santarelli
Socióloga, é relatora da Plataforma Dhesca

Vanessa Schottz
Nutricionista, é integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar (FBSSAN)

Valéria Burity
Advogada, é secretária-geral da FIAN Brasil

Foto: A desempregada Rosangela da Silva, 36, com seu filho Artur, 3, no Jardim Papai Noel, bairro no extremo sul de São Paulo (SP). (Lalo de Almeida/Folhapress)

Corte no Programa de Aquisição de Alimentos ameaça famílias do Semiárido

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma das principais políticas públicas de fortalecimento da agricultura familiar no Brasil, sofreu uma redução de 40% no orçamento. Os valores diminuíram de R$ 478 milhões para R$ 294 milhões. É mais um programa a sofrer cortes no governo de Michel Temer (PMDB). Consequência: de acordo com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) o número de pessoas atendidas diminuiu de 91,7 mil para 41,3 mil, uma redução de 55% no número de famílias alcançadas.

A redução, segundo a organização, inviabiliza a venda de produtos de várias cooperativas no Semiárido e em todo o Brasil. É o caso da Cooperativa da Agricultura Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), no Sertão baiano, que fornecia produtos para o PAA desde 2004. O De Olho nos Ruralistas ouviu um dos membros da coordenação executiva da ASA, Naidison Baptista, representante da Bahia, que explica com didatismo os efeitos da política de cortes.

Ele explica que muitos produtores não terão para onde escoar os alimentos. E que um corte tão forte no orçamento afetará negativamente os beneficiários dessa política: os camponeses e as famílias em ameaça de insegurança alimentar. “Fecham-se mercados para a agricultura familiar, impedindo o escoamento de seus produtos de modo sistemático e a preço justo”, descreve. “Isso pode significar perda ou diminuição da produção e impacta no orçamento da família, consequentemente em sua alimentação”.

COMBATE À FOME AMEAÇADO

O PAA foi criado em 2003 e tem como objetivo criar uma rede de promoção à segurança alimentar. O programa adquire produtos de pequenos agricultores para oferecê-los às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. Baptista explica que a redução do PAA e de outras políticas ameaça o combate à fome no país.

– Começam a aparecer os pedintes. Nas estradas começamos a ver pessoas que tapam os buracos na esperança de que os carros que por ali trafegam deixem cair alguns centavos; as sinaleiras das cidades cheias de pedintes ou de pessoas que vendem mercadorias insignificantes na expectativa de angariar alguns reais ao final do dia.

O Censo Agropecuário de 2006 constatou que cerca de 70% da alimentação que está na mesa dos brasileiros é oriunda da agricultura familiar – e não do agronegócio. Para o coordenador da ASA, uma rede que reúne mil organizações ligadas ao tema, a criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário fortaleceu esse modelo. Mas a pasta foi extinta pelo governo Temer.

FACÃO AFIADO

Baptista enumera outros cortes que ameaçam a segurança alimentar e a produção camponesa no Brasil: redimensionamento e restrições ao Bolsa Família; desmonte da institucionalidade da agricultura familiar, com a substituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário por uma Secretaria Especial na Casa Civil. E mais: fragilização das leis trabalhistas e consequente diminuição de direitos; fragilização dos processos de acesso à terra, especialmente pelos povos tradicionais.

No caso do Semiárido, o representante da ASA cita outras políticas públicas que dão segurança às populações da região. Ele cita como exemplo o Programa Cisternas, financiado pelo Ministério do Desenvolvimento Social desde 2003. O programa garante acesso à água para o consumo humano e para a produção de alimentos por meio de tecnologias sociais simples e de baixo custo, como a captação de água da chuva.

“É uma ação que tende a espalhar-se para outras regiões”, afirma Baptista. Ele lembra que o programa idealizado pela ASA – e que se tornou uma política pública de segurança alimentar – capta água para escolas. “No início do ano esse programa sofreu um contingenciamento de cerca de 50%, até o momento não revertido para todas as suas linhas. E teve outro corte de cerca de 40% nesta semana”.

Por Izabela Sanchez

Fotos: Alceu Castilho
Do site De Olho nos Ruralistas