O Brasil e o Relatório da Insegurança Alimentar Mundial

Na semana passada, no mesmo dia em que foi divulgada a última edição do Relatório da FAO sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (Sofi 2024) o G20 anunciou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, iniciativa da presidência brasileira para combater a insegurança alimentar.

O estudo, que traz o “Mapa da Fome”, mostra que a insegurança alimentar severa no país caiu 85% no ano passado. A condição, que atingia 17,2 milhões de brasileiros em 2022, caiu para 2,5 milhões. Esse nível de insegurança alimentar ocorre quando alguém está totalmente sem acesso a alimentos e passa um dia inteiro ou mais sem comer.

O relatório também mostra que a insegurança alimentar severa no país caiu de 8,5% no triênio 2020-2022, para 6,6% em 2021-2023. Isso significa que cerca de 4 milhões de brasileiros deixaram de se enquadrar nessa condição no período.

No âmbito nacional, resoluções recentes foram a retomada do Consea, a criação da Secretaria Extraordinária de Combate à Fome e à Pobreza, a recuperação da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o reajuste dos valores per capita da alimentação escolar (Pnae), a recomposição parcial do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o lançamento do programa Cozinha Solidária e do decreto (nº 11.822) de Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional nas Cidades em diálogo com a Política Nacional de Abastecimento Alimentar, além do Plano Brasil sem Fome. Alinhado a isso, a redução das taxas de inflação e desemprego contribuiu para essa mudança de cenário. 

Vídeo: Leonardo Fernandes

Conforme afirma o assessor de Advocacy Pedro Vasconcelos, a FIAN Brasil trabalha numa perspectiva de direitos humanos, no fomento de ações que visam garantir a exigibilidade do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). A defesa desse direito e as obrigações do Estado a ele associadas são instrumentos para que as pessoas possam exigir seu cumprimento e ter essa resposta.

Para a mudança de cenário, ainda se faz necessário a adoção de medidas como o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) na prática, o aumento e aprimoramento de equipamentos públicos de segurança alimentar e nutricional (SAN) e a melhoria no acesso a alimentos adequados e  saudáveis. O conjunto de políticas que já vêm sendo adotadas, como as acima mencionadas, também precisa ser consolidado e otimizado tanto em alcance quanto em orçamento. 

As políticas que foram lançadas ou retomadas precisam avançar muito, a alimentação adequada precisa entrar nos esforços climáticos do governo, não só no que tange à mitigação, mas também  em adaptação diante das mudanças climáticas, prevendo fontes de financiamento e incentivo à produção sustentável e resiliente de alimentos, por exemplo. Sair do Mapa da Fome é um horizonte tão concreto quanto simbólico rumo à realização de direitos e da dignidade humana. Entretanto, precisamos ir além. Os caminhos precisam convergir no sentido da garantia do direito à alimentação, previsto no artigo 6º da Constituição, com a garantia a todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, com base em práticas alimentares saudáveis e sustentáveis e defesa dos territórios.

Lançado plano nacional para enfrentar as múltiplas dimensões da fome

Entre as metas do Plano Brasil sem Fome estão a contínua redução das taxas totais de pobreza e da insegurança alimentar e nutricional, especialmente a insegurança alimentar grave

Fotos: MDS

“A fome não é homogênea, não se expressa uniformemente. A fome é complexa. Podemos dizer das fomes, a fome da cidade, do campo, das águas, das florestas, a fome das crianças, das mulheres, a fome das mulheres negras, dos povos indígenas, a fome daqueles que estão nas ruas, daqueles que plantam comida, a fome daqueles que entregam comida nas casas, a fome de quem prepara a comida”.

A reflexão abre nota da presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elisabetta Recine, sobre o Plano Brasil Sem Fome, lançado pelo governo brasileiro no último dia 31, na cidade de Teresina (PI).

Em 2014 o Brasil havia saído do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas, porém retornou em 2022. O mapa apresenta o número de pessoas em situação de fome e de insegurança alimentar pelo mundo e o objetivo do país é sair novamente da ferramenta por meio do plano nacional que é transversal, envolve os diversos setores e instâncias públicas e reabre a participação no governo da sociedade organizada.

“Precisamos e temos em nossas mãos todos os instrumentos para a implementação coordenada e uma governança participativa e intersetorial das soluções necessárias para superação definitiva da fome e de todas as formas de má nutrição”, pontuou Recine.

Segundo o governo, as principais estratégias do Brasil sem Fome irão incidir sobre o aumento da renda disponível das famílias para comprar alimentos; mapear e identificar pessoas em insegurança alimentar para inclusão em políticas de proteção social e acesso à alimentação; e mobilizar governos, poderes públicos e sociedade civil para integrar esforços e iniciativas de combate à fome.

Sobre o assunto, a ex-secretária geral da FIAN Brasil e atual secretária extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Valéria Burity, destaca em entrevista que “a fome e a segurança alimentar são multisetoriais. Se você quiser combater a fome, você tem que garantir o acesso à renda, à informação, à terra, garantir a produção e oferta de alimentos adequados e saudáveis e que esses alimentos tenham um preço justo”.

O Brasil Sem Fome apresenta 80 ações e programas, distribuídos em 3 eixos: Acesso à renda, redução da pobreza e promoção da cidadania; Alimentação adequada e saudável, da produção ao consumo; e Mobilização para o combate à Fome. São mais de 100 metas propostas pelos 24 ministérios que integram a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), dentre as quais, a contínua redução das taxas totais de pobreza e da insegurança alimentar e nutricional, especialmente a insegurança alimentar grave.

FIAN Brasil

Aliança lança carta com contribuições às candidaturas para que Brasil saia do mapa da fome com alimentação adequada e saudável

Em um contexto de aumento da fome, da inflação de alimentos e de agravamento de doenças crônicas associadas à má-alimentação, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável acaba de lançar uma carta com propostas para que candidaturas às eleições 2022 garantam o direito humano à alimentação adequada para todos e todas. O documento pode ser acessado – e enviado para as candidaturas à presidência – pelo site: http://www.alimentacaosaudavel.org.br/candidata-e-candidato-o-que-tem-no-seu-prato

“O objetivo é contribuir para a reconstrução de um Brasil sem fome e com comida de verdade para todas, todos e todes, humana, equitativa, sustentável e democrática, onde a segurança alimentar e nutricional seja tratada como prioridade absoluta nas políticas públicas”, afirma a carta.

As propostas estão organizadas em quatro eixos: promoção, proteção e apoio à amamentação e à alimentação complementar saudável nos primeiros anos de vida; implementação de medidas regulatórias, incluindo fiscais, que desestimulem o consumo de alimentos não saudáveis para possibilitar escolhas e práticas alimentares saudáveis pela população; incentivos e apoio à produção e comercialização locais e à democratização do acesso a alimentos adequados e saudáveis, priorizando a agricultura familiar e a produção de base agroecológica como instrumentos para combate à fome no Brasil, e garantia do acesso à água como direito humano e bem comum com proteção do meio ambiente.

Como recomendação geral está o fortalecimento de políticas já implementadas como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e as demais políticas e planos de ação do setor saúde, educação, agricultura, entre outras, que se relacionam com a agenda de alimentação e nutrição. “É, sobretudo, urgente que seja retomada a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), nas bases originais da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. É necessário que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Nacional (CONSEA) seja reinstalado, assim como a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) e que seja realizada a 6ª Conferência Nacional de SAN de maneira a definir as prioridades para o 3º Plano Nacional de SAN”, afirma o documento.

Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável