Francisco Menezes e Valéria Burity
Publicado originalmente no site de Le Monde Diplomatique Brasil, em 22 de maio
Frustram nossa esperança equilibrista, mas estão longe de ser surpresa, os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 873/2020, que foi aprovado pelo Congresso Nacional e incorporava entre os beneficiários do chamado auxílio emergencial diversas categorias ausentes na lei original (13.982). Entre elas, foram vetados os agricultores familiares não inscritos no Cadastro Único, mesmo que se enquadrem nos requisitos, bem como assentados de reforma agrária, extrativistas e pescadores artesanais.
Diante da pandemia do novo
coronavírus, a grande maioria dos países atingidos adotou o isolamento
social, junto com a testagem mais ampla possível, para o enfrentamento
do problema num contexto de inexistência de vacinas e remédios capazes
de deterem a expansão explosiva do contágio e das mortes. Essa
estratégia exige a coordenação do poder central de cada país, sempre
buscando a melhor articulação com os outros níveis de poder. Alguns
chefes de Estado relutaram em aceitar que se tratava do único caminho.
Premidos pela tragédia que lhes batia à porta, reviram sua posição,
alguns tardiamente.
Sobraram pouquíssimas exceções. Entre
elas, o capitão reformado – um negacionista do clima, da ciência em
geral e da liturgia republicana e democrática, que também negava a
existência da fome até ver nela uma arma potencial a mais.
Em razão de lutas históricas, contamos com o Sistema Único de Saúde. Um sistema estruturado, apesar das seguidas perdas orçamentárias que sofreu nos últimos anos. Para sorte também do Brasil, o Congresso Nacional, pressionado por uma sociedade mobilizada, aprovou providências para tentar evitar que o país seja dizimado pela Covid-19 e pela irresponsabilidade do governo federal. Entre estas, o estabelecimento de uma renda básica para aqueles mais vulnerabilizados pelos efeitos das medidas indispensáveis de prevenção.
É importante trazer a verdade dos
fatos. Ao contrário do que apregoam, o Planalto e seu fiador
ultraneoliberal Paulo Guedes não foram os autores e nem facilitaram a
adoção da renda básica, que eles preferiram chamar de auxílio
emergencial, tentando cortar pela raiz qualquer reivindicação futura de
prolongamento de vigência desse instrumento. Com muita demora,
encaminharam ao Legislativo um anteprojeto que estipulava uma ajuda de
míseros R$ 200 e, uma vez que esse foi aprovado em valor e condições
melhores, vêm retardando e dificultando de todas as formas sua
implementação.
O presidente sem partido – mas sabemos bem qual é o seu “partido” –, obcecado pela ideia de pôr fim ao isolamento social, pratica toda sorte de chantagens contra estados e municípios que procuram viabilizar essa medida, bem como busca criar dificuldades para que a população possa cumpri-la, tendo como alvo preferencial os mais pobres. Enquanto usa a sombra terrível (e real) da insegurança alimentar na sua guerra declarada contra os governadores e governadoras mais cautelosos, na prática age como o verdadeiro Capitão Fome.
Leia o artigo inteiro no site do Le Monde Diplomatique Brasil.
Francisco Menezes, economista, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e foi presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)
Valéria Burity, advogada, é secretária-geral da FIAN Brasil
Foto: O presidente Jair Bolsonaro observa manifestação de apoiadores da rampa do Palácio do Planalto (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)