Curso Básico de Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Dhana) – Módulo I

Primeiro módulo do Curso Básico de Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Dhana) , que a FIAN Brasil – Organização Pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas lançou em 3 de junho de 2020.

Online e gratuito, apresentado como publicação em formato PDF, o curso trata o assunto a partir da perspectiva dos direitos humanos (DH). Acesse o módulo em PDF ou saiba mais.

Os módulos seguintes vão aprofundar a temática do Dhana pelos recortes do abastecimento, da exigibilidade e da economia.

Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Artigo | O novo veto do Capitão Fome

Francisco Menezes e Valéria Burity

Publicado originalmente no site de Le Monde Diplomatique Brasil, em 22 de maio

Frustram nossa esperança equilibrista, mas estão longe de ser surpresa, os vetos do presidente Jair Bolsonaro ao Projeto de Lei 873/2020, que foi aprovado pelo Congresso Nacional e incorporava entre os beneficiários do chamado auxílio emergencial diversas categorias ausentes na lei original (13.982). Entre elas, foram vetados os agricultores familiares não inscritos no Cadastro Único, mesmo que se enquadrem nos requisitos, bem como assentados de reforma agrária, extrativistas e pescadores artesanais.

Diante da pandemia do novo coronavírus, a grande maioria dos países atingidos adotou o isolamento social, junto com a testagem mais ampla possível, para o enfrentamento do problema num contexto de inexistência de vacinas e remédios capazes de deterem a expansão explosiva do contágio e das mortes. Essa estratégia exige a coordenação do poder central de cada país, sempre buscando a melhor articulação com os outros níveis de poder. Alguns chefes de Estado relutaram em aceitar que se tratava do único caminho. Premidos pela tragédia que lhes batia à porta, reviram sua posição, alguns tardiamente. 

Sobraram pouquíssimas exceções. Entre elas, o capitão reformado – um negacionista do clima, da ciência em geral e da liturgia republicana e democrática, que também negava a existência da fome até ver nela uma arma potencial a mais.

 Em razão de lutas históricas, contamos com o Sistema Único de Saúde. Um sistema estruturado, apesar das seguidas perdas orçamentárias que sofreu nos últimos anos. Para sorte também do Brasil, o Congresso Nacional, pressionado por uma sociedade mobilizada, aprovou providências para tentar evitar que o país seja dizimado pela Covid-19 e pela irresponsabilidade do governo federal. Entre estas, o estabelecimento de uma renda básica para aqueles mais vulnerabilizados pelos efeitos das medidas indispensáveis de prevenção. 

É importante trazer a verdade dos fatos. Ao contrário do que apregoam, o Planalto e seu fiador ultraneoliberal Paulo Guedes não foram os autores e nem facilitaram a adoção da renda básica, que eles preferiram chamar de auxílio emergencial, tentando cortar pela raiz qualquer reivindicação futura de prolongamento de vigência desse instrumento. Com muita demora, encaminharam ao Legislativo um anteprojeto que estipulava uma ajuda de míseros R$ 200 e, uma vez que esse foi aprovado em valor e condições melhores, vêm retardando e dificultando de todas as formas sua implementação. 

O presidente sem partido – mas sabemos bem qual é o seu “partido” –, obcecado pela ideia de pôr fim ao isolamento social, pratica toda sorte de chantagens contra estados e municípios que procuram viabilizar essa medida, bem como busca criar dificuldades para que a população possa cumpri-la, tendo como alvo preferencial os mais pobres. Enquanto usa a sombra terrível (e real) da insegurança alimentar na sua guerra declarada contra os governadores e governadoras mais cautelosos, na prática age como o verdadeiro Capitão Fome.

Leia o artigo inteiro no site do Le Monde Diplomatique Brasil.

Francisco Menezes, economista, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e foi presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea)

Valéria Burity, advogada, é secretária-geral da FIAN Brasil

Foto: O presidente Jair Bolsonaro observa manifestação de apoiadores da rampa do Palácio do Planalto (Marcello Casal Jr./Agência Brasil)

Artigo | A urgência do combate à fome

Elisabetta Recine, Maria Emília Pacheco, Mariana Santarelli, Vanessa Schottz e Valéria Burity

Originalmente publicado na Folha de S.Paulo, em 11 de maio

A pandemia provocada pelo novo coronavírus afeta de forma drástica nossa vida, porém mais ainda a dos que historicamente têm seus direitos violados. A Covid-19 espalha-se num território comandado por um presidente que pouco tempo atrás negou a existência da fome. Que extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) em seu primeiro dia à frente da nação e vem desmantelando as políticas que tiraram o Brasil do mapa da fome. A insistência na falsa dicotomia entre vida e economia faz com que as respostas sejam lentas, confusas e muito aquém das necessidades dos que vivem na iminência da fome e que têm na produção familiar de alimentos o seu sustento.

O distanciamento social afeta o sistema alimentar, da produção ao consumo, e em particular seus elos mais frágeis. Numa das pontas está grande parte da população, em sua maioria negra, que se esforça para permanecer em casa sem saber se terá comida na mesa. Na outra, camponesas e camponeses, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, com uma significativa participação de organizações das mulheres, que produzem alimentos frescos e saudáveis e que estão com sua comercialização ameaçada pela interrupção de feiras livres e compras governamentais. Parte da solução pode estar na amarração dessas pontas, o que passa pela ampliação e adaptação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e pelo aumento de recursos para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Leia o artigo inteiro na Folha. Ali também é possível acessar reportagens que contextualizam e desdobram o assunto.

Elisabetta Recine
Nutricionista, é ex-presidenta do Consea

Maria Emília Pacheco
Antropóloga, é ex-presidenta do Consea

Mariana Santarelli
Socióloga, é relatora da Plataforma Dhesca

Vanessa Schottz
Nutricionista, é integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar (FBSSAN)

Valéria Burity
Advogada, é secretária-geral da FIAN Brasil

Foto: A desempregada Rosangela da Silva, 36, com seu filho Artur, 3, no Jardim Papai Noel, bairro no extremo sul de São Paulo (SP). (Lalo de Almeida/Folhapress)

Covid-19 está levando mundo a crise alimentar, alerta relatório da FIAN

Num contexto de desigualdade estrutural e discriminação, a emergência sanitária desencadeada pelo novo coronavírus está levando o mundo a uma crise alimentar. O alerta é de relatório preliminar da FIAN Internacional do impacto da Covid-19 e das medidas tomadas pelos governos de todo o mundo para conter a pandemia sobre a garantia e a realização do direito humano à alimentação e à nutrição (Dhana).

Segundo o documento, na última semana de março e na primeira de abril, a pandemia e as medidas tomadas pelos Estados e outras instituições para combatê-lo estão tendo graves consequências para as pessoas e as comunidades em sua luta por produzir e acessar alimentos suficientes e nutritivos.

A publicação elenca as causas e os fatores que agravam os impactos da pandemia, ligados a várias causas estruturais de fome e de desnutrição; examina os impactos no Dhana nas primeiras semanas de Covid-19; propõe maneiras de proteger esse direito humano no período; e apresenta recomendações nos níveis nacional e internacional.

A FIAN Internacional registra que continuará monitorando a situação em conjunto com os membros da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição (GNRTFN) e pede que as organizações envolvidas com o tema compartilhem informações.

O relatório preliminar foi originalmente publicado em inglês e traduzido por Flavio Valente, com revisão da FIAN Brasil.

Impacto da Covid-19 na Realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – relatório preliminar de monitoramento

Impacto da Covid-19 na Realização do Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – relatório preliminar de monitoramento. FIAN Internacional, abril de 2020. Tradução: Flavio Valente. Revisão da tradução: FIAN Brasil. Clique aqui para acessar o relatório.

Foto: Andressa Zumpano

Relatório da CPT mostra ofensiva ainda mais intensa contra indígenas e relação de conflitos com terra e água, destaca FIAN

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou, na última sexta-feira (17), o relatório Conflitos no Campo Brasil 2019.

A 34ª edição mostra que a violência no campo aumentou em relação a 2018. O número de assassinatos cresceu 14% (de 28 para 32). As tentativas de assassinato passaram de 28 para 30 (crescimento de 7%) e as ameaças de morte subiram de 165 para 201 (mais 22%).

“A publicação registra o número mais elevado de conflitos no campo dos últimos cinco anos e como se agrava a ofensiva contra os direitos dos povos indígenas no Brasil”, alerta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity. “Todos esses dados nos deixam ainda mais alertas, porque são gravíssimos.”

As sete lideranças indígenas assassinadas em conflitos no campo representam o número mais elevado dos últimos 11 anos, de acordo com o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT. Outros dois indígenas foram mortos em 2019.

Valéria lembra a estreita relação de parte desses conflitos com sistemas alimentares e a disputa por água e terra que esses sistemas geram. Oitenta e quatro por cento dos assassinatos registrados ocorreram na região amazônica. Os conflitos pela água registraram um salto de 77% em relação aos 276 do ano passado – número que representavam o recorde até então.

“Além disso, vivemos graves retrocessos de garantia de direitos no Brasil, o que inclui o direito à alimentação, e a FIAN vem denunciado como violência e criminalização são instrumentos de contenção das lutas sociais”, acrescenta a representante da entidade.

A publicação abrange os primeiros 12 meses do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), período em que ocorreu também o crime socioambiental da Vale em Brumadinho (MG).

A CPT destaca como grandes empresas têm provocado graves violações de direitos humanos. “Apesar disso, crimes como os que ocorreram em Mariana e Brumadinho nos mostram como estas empresas restam impunes”, critica Valéria Burity.

Conflitos no Campo Brasil 2019 relaciona, ainda, a violência constatada com ações e omissões que se deram no primeiro ano do governo Bolsonaro, a exemplo da transferência para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) da responsabilidade pelo processo de demarcação de terras indígenas, que antes era da Fundação Nacional do Índio (Funai).

O relatório capta o contraste entre as ocupações/retomadas e acampamentos, em quantidade reduzida, e as ações de protesto e reivindicação, que totalizaram 1.301, soma recorde para uma década de série histórica. Para a Pastoral, isso traduz não o arrefecimento da luta das comunidades e movimentos sociais do campo, e sim uma tentativa de manter a resistência diante de um cenário fortemente adverso, “marcado pela total paralisação da política de Reforma Agrária e, mais grave, pela classificação institucional – de forma destacada nas palavras do presidente da República – dos  movimentos sociais do campo como ‘criminosos’, ‘terroristas’ e ‘inimigos do Estado’”.

Foto (extraída da capa da publicação): Andressa Zumpano

Foto: Elson Júnior/Flickr

Prato do Dia | Isolamento social ou combate à fome: o falso dilema em nossa mesa

Por Valéria Burity, secretária-geral da FIAN Brasil
Foto: Elson Júnior/Flickr

Desde que apareceu na China e parecia ser só um conto de um mundo distante, bem distante de nós, a pandemia da Covid-19 contaminou cerca de 1,5 milhão de pessoas, levando a mais de 85 mil mortes em todo mundo – número possivelmente subestimado. Cenas como as de pessoas morrendo distantes de suas famílias e sem direito a ritos funerais, manchetes sobre sistemas de saúde em colapso, notícias a respeito da difícil decisão de escolher quem, sob risco de morte, seria ou não atendido por esses sistemas, a visão dos hospitais de campanha montados pelo mundo e o impactante cenário de corpos empilhados em Guayaquil (Equador) provocam angústia, medo e sensação de desamparo. Sentimentos armazenados, cozidos e digeridos em quarentena e sentidos de forma diferente, como diferente e desigual é o acesso à renda, à educação, ao saneamento, à moradia e à vida no nosso país. Sim, a calamidade afetará com mais rigor os grupos que já são historicamente vítimas de violações de direitos. Sobre isso, vale ler a pesquisa “COVID-19 e desigualdade: a distribuição dos fatores de risco no Brasil”.

A relação da doença com o processo alimentar é estreita. A pandemia e os sistemas alimentares que abastecem o planeta se entrelaçam em sua origem e seus impactos.

Embora o aparecimento do surto tenha sido inicialmente associado ao mercado de Wuhan (China), já há hipóteses científicas que o ligam à industrialização da produção de carne – a organização Grain escreveu recentemente sobre isso. A investigação sobre a origem da pandemia ainda não é conclusiva. É importante, porém, estarmos atentos aos riscos de novas catástrofes sanitárias globais em razão dos nossos sistemas alimentares. O agronegócio tem provocado a devastação ambiental e destruído os últimos refúgios da natureza, um dos elementos que fazem autores classificarem esta era como o capitaloceno – uma réplica ao conceito do antropoceno. Com essa supressão caem por terra barreiras contra microrganismos que podem nos provocar graves doenças. De outro lado, a criação industrial de animais reduz a sua imunidade. Esses, entre outros fatores associados, possibilitam que vírus inoculados nesses animais se manifestem de forma agressiva, em alguns casos afetando humanos. Nas palavras do pesquisador americano Rob Wallace, grandes fazendas geram grandes gripes. E há outras externalidades provocadas por esse modelo. Quando alimento é commodity, um produto padrão que pode ser vendido em qualquer lugar do mundo e a qualquer custo, o lucro é sempre mais importante do que vidas.

O vírus Sars-Cov-2, o novo coronavírus, tem imensa capacidade de proliferar. Em alguns casos a doença que ele provoca, a Covid-19, pode levar à necessidade de internação hospitalar. É isso que tem gerado caos nos sistemas de saúde mundo afora. A medida considerada mais efetiva, neste momento em que ainda não há remédio ou vacina para a doença, é o isolamento social. Exatamente por isso a pandemia tem, para além dos efeitos sanitários, fortes impactos econômicos e sociais. No que diz respeito ao processo alimentar, o isolamento social afeta todas as etapas: produção, troca, comercialização, consumo e aproveitamento de alimentos. Daí surge o dilema tão em uso pelo atual presidente da República: “Economia rodando e geração de renda ou isolamento social e fome?”. O capitão reformado, que nem tomou conhecimento do problema na campanha e pouco tempo atrás negou a existência de famintos e desnutridos no país, tem mantido conflitos públicos com o seu ministro da Saúde, que, seguindo as orientações da OMS sob permanente ameaça de exoneração, recomenda à população brasileira ficar em casa.

Fome versus exposição ao contágio é apresentado como dilema em nossas vidas interrompidas por esta pandemia, mas a questão é menos dilemática e muito mais emblemática da crise na democracia e na economia vivida no mundo e também no Brasil. Há um processo de concentração de riquezas que avança a passos largos. Um dos pilares desse fenômeno, na ordem econômica capitalista, é o prevalecimento do neoliberalismo ao Estado de bem-estar social, que apesar dos seus limites traz propostas de inclusão e padrões de justiça social. O fortalecimento do modelo pró-Estado mínimo vem pondo em xeque o próprio regime democrático, o que tem levado diversas sociedades a enfrentarem graves crises políticas, a exemplo do que se vê na América Latina.

Os críticos do neoliberalismo o descrevem não apenas como uma doutrina econômica, mas como uma racionalidade pautada em dois princípios: a concorrência e a empresa, esta a única forma de organização aceita por tal pensamento. O Estado, responsável pela incorporação desses pilares, abre espaços para grandes corporações obterem mais lucros. Passa a ser concebido como empresa, rifando seus bens, privatizando direitos e estimulando a concorrência no interior da sociedade. Há negação do público e da política, pois a virtude está no mercado. Por isso, parte da sociedade também se pauta e age pela lógica do cada um por si ou do todos contra todos, defendendo uma meritocracia miraculosa, que ignora os pontos de partida muito distintos.

Grande parte da população se vê como empresária de si mesma, pois quem não se alinha à forma de empresa é excluído, seja pelo empobrecimento, seja pelo encarceramento ou ainda pelo extermínio – a nefasta necropolítica. Isso tem afetado especialmente indivíduos de classes econômicas mais baixas, bem como grupos que se reconhecem por sua raça e por seu gênero, já que racismo e machismo são estruturantes na geração e na manutenção da desigualdade. A perversidade ideológica aqui se dá porque mesmo indivíduos aviltados em seus direitos, muitas vezes, passam a adotar a lógica dominante, favorecendo os interesses de 1% da população, o topo da pirâmide que manipula todos que estão abaixo. O neoliberalismo soube bem aproveitar as insatisfações por ele mesmo geradas.

Medidas neoliberais foram responsáveis por desmontar as estruturas de Estado criadas para garantir o direito à alimentação da população aqui no Brasil. Desde 2016 o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan) e a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional vêm sofrendo profundos ataques. A Emenda Constitucional 95, que congelou investimento sociais por 20 anos para garantir o pagamento de juros a bancos, teve um papel central nesse sentido. Agravando esse quadro, na sua primeira medida provisória (a 870) Jair Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e desde então vem minando instituições e programas públicos essenciais para a população.

Se houvesse verdadeira preocupação com a fome, esse desmonte jamais poderia ter acontecido. A garantia de alimentação suficiente, adequada e saudável e a construção de sistemas alimentares sustentáveis demandam políticas intersetoriais, participativas. Em um momento como o que vivemos agora, fica ainda mais nítida a necessidade de termos um Estado forte e políticas públicas para atender necessidades básicas da vida de toda e qualquer pessoa, como… comer. É por isso que o dilema posto é falso. As instituições que compõem o Estado podem e devem se organizar para garantir comida de verdade, e devem fazer isso com máxima urgência, especialmente em um período em que sair o mínimo à rua é crucial para nossa sobrevivência.

Nesta pandemia há uma série de medidas que podem ser adotadas para garantir direitos, para evitar a fome e o sofrimento, sem que as pessoas sejam compelidas a romper o isolamento social. O documento recentemente elaborado por mais de 150 organizações da sociedade civil brasileira Garantir o direito à alimentação e combater a fome em tempos de coronavírus: a vida e a dignidade humana em primeiro lugar! aponta uma série de ações urgentes e emergenciais que podem ser adotadas nesse sentido.  Recursos podem ser alcançados sem mais sacrifícios aos setores mais empobrecidos da população, com medidas de justiça fiscal como a taxação de grandes fortunas e dividendos. Se há saídas viáveis em prol da vida, a economia para poucos interessa e serve a quem?

Quando e como sairemos deste pesadelo, infelizmente não sabemos ao certo.  Mas existe a esperança de que até lá haja uma maior compreensão de que vivemos em sociedade e de que toda vida importa, de que já ultrapassamos todos os limites na nossa relação com a natureza, que os sistemas alimentares devem produzir comida para vida e não para o enriquecimento de poucos, que o Estado é importante e que garantir direitos é sua maior urgência, que somos plurais e desiguais e que essa diversidade não pode ser uma sentença de morte.

Se conseguirmos compreender que alimentação é cultura, é nosso patrimônio e nosso direito, quem sabe possamos reverter o triste rumo de nossa história e negar, com toda força, qualquer falso dilema que nos empurre para a morte.

Crianças Wichí em Las Lomitas, Salta

Corte interamericana responsabiliza Argentina por descumprimento de direitos de indígenas

“A Argentina é responsável internacionalmente pela violação dos direitos à propriedade comunitária indígena, à identidade cultural, ao meio ambiente saudável, ao alimento e à água”, decidiu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) em caso que trata da situação de cinco povos originários na província de Salta, na fronteira com o Paraguai e a Bolívia. A decisão ordenou diversas medidas de reparação e restituição.

Segundo a Corte, é a primeira vez em que se analisam esses direitos num caso contencioso a partir do artigo 26 da Convenção Americana. Leia o comunicado de imprensa da Corte IDH:

San José, Costa Rica, 2 de abril de 2020 – Na decisão do caso “Comunidades indígenas membros da Associação Lhaka Honhat (nossa terra) versus Argentina” notificada hoje, a Corte Interamericana de Direitos Humanos  [Corte IDH] considerou o Estado da Argentina internacionalmente responsável pela violação dos direitos a propriedade comunitária, identidade cultural, ambiente saudável, comida e água adequadas para as comunidades indígenas.

Pela primeira vez em um caso contencioso, a Corte analisou os direitos a um meio ambiente saudável, alimentação adequada, água e identidade cultural de forma autônoma a partir do artigo 26 da Convenção Americana, ordenando medidas específicas de reparação da restituição desses direitos, inclusive ações de acesso a água e alimentos, recuperação de recursos florestais e recuperação da cultura indígena. O caso está relacionado ao pedido de reconhecimento da propriedade de suas terras pelas comunidades indígenas pertencentes aos povos Wichí (Mataco), Iyjwaja (Chorote), Komlek (Toba), Niwackle (Chulupí) e Tapy’y (Tapiete) na província de Salta (na fronteira com o Paraguai e a Bolívia).

Essas terras também foram ocupadas por outros moradores e uma ponte internacional foi construída sem consulta prévia do Estado. A presença indígena tem sido consistentemente encontrada na área, pelo menos desde 1629. Em seu julgamento, a Corte determinou que o Estado violava o direito à propriedade da comunidade, não fornecendo segurança jurídica e permitindo que fosse mantida a presença de colonos “crioulos”, não indígenas, no território. Isso apesar de a reivindicação de propriedade indígena ter mais de 28 anos. Concluiu também que a Argentina não possui regulamentos adequados para garantir suficientemente o direito de propriedade da comunidade.

O tribunal observou que não foram seguidos mecanismos adequados para consultar as comunidades indígenas em uma ponte internacional construída em seu território. Resolveu também que as autoridades judiciais não seguiram um período de tempo razoável no processamento de um caso judicial no qual foi decidido anular regras relativas a concessões fracionárias de terras.

A Corte também determinou que o Estado violava os direitos à identidade cultural, a um ambiente saudável, a alimentos e água adequados, devido à falta de eficácia das medidas estatais para interromper as atividades que lhes eram prejudiciais. Em seu julgamento, o tribunal entendeu que a exploração ilegal de madeira, bem como outras atividades realizadas no território pela população crioula, especificamente pecuária e cercamentos com arame, afetaram os ativos ambientais, impactando as comunidades indígenas em sua maneira tradicional de se alimentar e seu acesso à água. Isso alterou o modo de vida indígena, prejudicando sua identidade cultural. A Corte ordenou que o Estado adotasse várias medidas de reparação. Acesse, em espanhol, o comunicado de imprensa, com links para o resumo oficial e o texto completo da sentença.

Entidades propõem medidas para garantir o direito à alimentação e combater a fome em tempos de coronavírus

Texto atualizado em 31 de março de 2020

Diante do contexto da pandemia global provocada pelo novo coronavírus (Covid-19), mais de 140 entidades civis de todas as regiões do país publicaram um apelo para que o direito à saúde e à alimentação da população brasileira seja respeitado, protegido e garantido. O documento conjunto apresenta uma série de propostas de combate à fome a serem implementadas, em caráter urgente e emergencial, pelos governos nas esferas federal, estadual e municipal.

Assinadas por fóruns, redes, articulações, movimentos e organizações da sociedade civil, as proposições incluem a revogação imediata da Emenda Constitucional Nº 95 (EC 95), a criação de Comitês de Emergência para o Combate à Fome e medidas que passam pelo fortalecimento da agricultura familiar, pelos caminhos de distribuição de alimentos para as populações mais vulneráveis, por programas como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e pelo controle dos estoques e dos preços. 

Ao lado da proposição dessas prioridades, o documento repudia a Medida Provisória (MP) Nº 927 da Presidência da República e se soma à campanha pela renda básica emergencial, articulada pela Rede Brasileira de Renda Básica. 

As organizações alertam para a chegada do novo coronavírus em um momento de estagnação econômica, desmonte dos sistemas de saúde e proteção social e aumento acelerado da pobreza e da extrema pobreza. O texto ressalta, ainda, que a população negra e afro-brasileira, os povos indígenas, os/as que vivem em regiões favelizadas e periféricas e as mulheres de forma geral sentirão de forma ainda mais grave os impactos deste período.

A manifestação se insere no processo de mobilização e organização da Conferência Nacional Popular por Direitos, Democracia, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional. 

“A pandemia revela também, a urgência de saídas que coloquem a vida e a dignidade humana no centro das decisões e políticas públicas, enquanto uma abordagem de direitos humanos”, defende o texto. 

Acesse o documento na íntegra.

Adiado julgamento pelo STF sobre inconstitucionalidade da isenção fiscal de agrotóxicos

Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema será reacomodada na pauta do Supremo Tribunal Federal 

A apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 que questiona a isenção fiscal dos agrotóxicos foi adiada. No início da sessão desta quarta-feira (19), o presidente do STF, Dias Toffoli, informou que a sessão seria mais curta em razão da participação dos ministros da Corte na posse da ministra Cristina Peduzzi para presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A agenda da posse ocorre às 17h. Ainda não há nova data para análise pela Corte da ação sobre a isenção fiscal dos agrotóxicos. 

O ministro Toffoli ainda afirmou que os processos serão reacomodados na pauta e as partes serão intimadas. 

Sobre a ADI 
A Ação é movida pela Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2016. Na ADI o partido questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.

Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um expecto diverso dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Ao todo quatro pedidos – individuais e coletivos –  de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian Brasil.

Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos