Em debate no Congresso, ÓAÊ pauta reajuste e apresenta publicação para monitoramento do Pnae

Por Yuri Simeon, Do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ)

Audiência pública na Câmara dos Deputados / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

O debate sobre o monitoramento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) reuniu dezenas de participantes em audiência pública da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em Brasília. A atividade contou com diversos convidados e o pré-lançamento da publicação “Para monitorar o direito à alimentação escolar” do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).

Presente nos 5.570 municípios brasileiros, o Pnae é responsável pela alimentação escolar diária de 40 milhões de estudantes em mais de 150 mil escolas, com um orçamento anual de R$ 5,4 bilhões.

“Sabemos que a alimentação escolar tem impactos na saúde e na formação intelectual das crianças e portanto é imprescindível o contínuo aperfeiçoamento e fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e avaliação da qualidade do Pnae”, destaca o Deputado Federal Daniel Barbosa (PP-AL), autor do requerimento para a realização da audiência pública.

Entres os convidados para a audiência estavam a assessora de Políticas Públicas da FIAN Brasil e coordenadora do ÓAÊ, Mariana Santarelli; o vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Carlos Guedes; o Coordenador do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição (CECANE IF Sul de Minas), Rogério Robs; a assessora técnica do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Ana Flávia de Rezende Gomes; a Coordenadora-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Kelly Poliany De Souza Alves; e a Coordenadora-Geral do Pnae, Karine Silva dos Santos.

Para monitorar a alimentação escolar

Com o objetivo de contribuir para o avanço no monitoramento do Pnae, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) desenvolveu uma matriz de monitoramento da alimentação escolar. A matriz é formada por 28 indicadores, divididos em 8 dimensões de análise e seus respectivos objetivos. Essa matriz de monitoramento está sistematizada na publicação Levanta Dados “Para monitorar o direito à alimentação escolar”, com lançamento oficial previsto para agosto.

“São muitas as possibilidades de uso que esse documento traz, de transparência de informação, que podem ajudar na tomada de decisão, tanto aqui no Congresso Nacional, como também para a atuação federal, estadual e municipal, tanto de gestores, quanto de conselheiros de Conselhos de Alimentação Escolar e de Segurança Alimentar e Nutricional”, salienta a coordenadora do ÓAÊ, Mariana Santarelli.

Matriz de monitoramento possui 8 dimensões de análise / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

Entre as bases de dados utilizadas estão o Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Sistema de Gestão de Conselhos (Sigecon), o Censo Escolar, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e inquéritos de insegurança alimentar feitos no contexto da pandemia (VIGISAN).

Baseando-se nas diretrizes do Pnae, a matriz de monitoramento fornece uma metodologia para se analisar a implementação do programa. A matriz de monitoramento permite reunir e sistematizar dados oficiais fornecidos pelo poder público “de forma que consigamos ter um olhar sobre o conjunto de municípios, ou seja, de entidades executoras de um mesmo estado e até mesmo de uma mesma região”, explica Santarelli.

Apresentação da publicação monitoramento foi distribuída em pré-lançamento/ Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

Ela destaca que, “diante da transição de sistemas de gestão que está ocorrendo – do SiGPC (sistema do FNDE) para o SIGPNAE (sistema de monitoramento do PNAE desenvolvido pelo Banco do Brasil) – é preciso maior transparência e diálogo com a sociedade e os gestores estaduais e municipais sobre como serão estas mudanças, e em que medida será possível seguir monitorando todas as diretrizes do Pnae, em especial os dados das compras públicas da agricultura familiar”.

Reajuste do Pnae

A necessidade de se aumentar os recursos para a alimentação escolar foi um dos destaques da audiência. Apesar da importante vitória com o reajuste de 34% do orçamento total do programa aprovado pelo Congresso em 2022 – após muita pressão da sociedade – e a sanção do presidente Lula em 2023, são muitos os exemplos da insuficiência destes valores.

De 1995 até 2013 houve um crescimento no orçamento destinado ao Pnae, porém a partir de 2014 foram interrompidos os reajustes anuais aos valores do programa. Isso se soma ao contexto de aumento da inflação do preço dos alimentos nos últimos 10 anos.

“Então, entre 2014 e 2021, se a gente atualizar os dados financeiros de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) Alimentos e Bebidas, houve um decréscimo de R$ 2,33 bilhões no orçamento”, explica Santarelli.

“Estamos em um momento relativamente favorável do ponto de vista do controle da inflação dos alimentos, mas isso é algo sobre o qual não temos o menor controle e a alimentação das nossas crianças não pode estar vulnerável a essa flutuação do preço dos alimentos”, ressalta.

Coordenadora do ÓAÊ destaca importância do reajuste do Pnae / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

Para enfrentar essa desvalorização do orçamento do Pnae, organizações que compõem o ÓAÊ defendem o Projeto de Lei 2.754, de 2023, da senadora Teresa Leitão (PT/PE), que propõe um mecanismo de reajuste automático do Pnae com base no IPCA, Grupo Alimentos e Bebidas. Além de também apoiarem a análise e aperfeiçoamento de outros projetos de lei em tramitação que propõem alterações ao desenho de financiamento, para que seja possível um olhar sobre as iniquidades.

O Pnae deve ser co-financiado por governo federal, estados e municípios. Mas em muitos casos isso não acontece, sobretudo em municípios com menores condições orçamentárias.

Dados públicos fornecidos por gestores municipais, utilizados na matriz de monitoramento do ÓAÊ, demonstram incapacidade de muitas entidades executoras para complementar os recursos repassados pelo governo federal.

“A gente vê que são justamente os municípios com menor capacidade orçamentária, onde tem a maior concentração de pobreza, aqueles que têm mais dificuldade de fazer essa complementação. Sobretudo, são os municípios do Nordeste e do Norte do Brasil que não conseguem fazer essa complementação”, detalha. “No caso do Maranhão e Piauí, aproximadamente metade consegue. No Amazonas, só 43% dos municípios complementam”.

Para enfrentar essas desigualdades, uma proposta defendida pelo ÓAÊ é a apreciação pelo Congresso do Projeto de Lei 1751, de 2023, do senador Eduardo Braga (MDB-AM). “Ele propõe um redesenho para o financiamento do Pnae, de forma que possa considerar essas desigualdades que existem no nosso país para que se possa ter um repasse de recurso diferenciado para aqueles municípios e entidades executoras que mais dificuldade têm de complementar os recursos do Pnae”.

Santarelli ressalta que a apreciação deste projeto deve ser feita “com todo o cuidado para que não seja comprometido o princípio da universalidade. É muito importante que todos os municípios, independente da sua capacidade de financiamento de orçamento próprio, possam seguir recebendo os repasses do governo federal”.

Compras da agricultura familiar

Entre as diretrizes do Pnae está a obrigatoriedade de se utilizar, no mínimo, 30% dos recursos para a compra de alimentos vindos da agricultura familiar, priorizando povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e áreas de reforma agrária, e destinando 50% deste total à compra de grupos formais e informais de mulheres.

De acordo com dados do FNDE, em 2023 o Pnae foi abastecido pela produção de 40 mil agricultores familiares – totalizando R$ 1,6 bilhão para essas compras. No entanto, os números “aparentam ser altos demais” quando comparados à situação retratada por outros dados e relatos de agricultores familiares de todo o Brasil.

“Suspeitamos de que tem erros na produção desse indicador, talvez inclusão indevida de despesas por parte de gestores municipais, uma contabilização que pode estar incluindo o saldo do ano anterior. Gostaríamos muito que fosse possível cruzar esses dados do SiGPC do FNDE com os dados do CAF (Cadastro da Agricultura Familiar), para entender melhor quem são esses agricultores”, descreve a coordenadora do ÓAÊ.

Monitorar compras da agricultura familiar é um desafio / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

“A gente observa uma tendência de concentração em grandes cooperativas. Isso é preocupante, porque a perspectiva dos 30% é justamente democratizar essas compras públicas, fazendo chegar no agricultor familiar de menor porte, no indígena, quilombola, nas mulheres, comunidades tradicionais, e a gente ainda não consegue ter um olhar para esses números que permitam saber quem são esses agricultores familiares”, conta.

Alimentação escolar nas instituições federais

Durante a audiência, representantes de instituições federais de ensino fundamental e técnico apontaram a necessidade de mais investimentos para a alimentação escolar. Essas instituições não possuem complementos municipais e estaduais, dependendo exclusivamente dos recursos federais do Pnae, além de possíveis parcerias locais.

“É preciso fazer algumas parcerias com as prefeituras para nos ajudar nesse fornecimento. Qual é o custo estimado das refeições que nós temos na rede federal? Varia, de acordo com a composição do cardápio, da forma de gestão, da região do nosso país e de outras variáveis”, destaca o vice-presidente do Conif, Carlos Guedes.

O Conif é composto por 38 institutos federais, dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), 22 escolas técnicas vinculadas à universidades federais e um colégio federal.

O orçamento do Pnae aos institutos federais este ano foi de R$ 55 milhões para atender 357 mil estudantes. O representante do Conif relata que a ausência de alimentação escolar adequada contribui para a evasão escolar, que é enfrentada pelos estudantes com medidas paliativas como levar “quentinhas” para a aula ou comprar “marmitas” com preço médio de “R$10” – quando há condições financeiras.

Instituições federais de ensino pedem mais recursos para o Pnae / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

“De cada 10 estudantes, 7 são oriundos de escola pública. E o grande objetivo dessa rede é assegurar aos nossos estudantes as condições de acesso pleno, de permanência e conclusão com êxito”, descreve.

Em muitos casos, as terceirizações são utilizadas na rede federal diante da falta de infraestrutura adequada, insuficiência de cozinheiras e de nutricionistas – responsáveis por organizar as chamadas públicas para a compra de alimentos.

Para o coordenador do Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane) do Instituto Federal do Sul de Minas, Rogério Robs, ainda existem “lacunas na legislação em relação às especificidades da rede federal”.

“Nós não temos o CAE (Conselho de Alimentação Escolar) federal, então nós precisamos saber como nós vamos fazer esse controle social. Quem vai fazer o acompanhamento, quem vai fazer a fiscalização, quem vai fazer a aprovação das contas dessa alimentação na rede federal, nós não temos isso definido ainda”, aponta.

Rede federal destaca necessidade de adequação do Pnae / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

Ele destaca o déficit de responsáveis técnicos pela alimentação escolar nas instituições federais. “Hoje nós temos um déficit de cerca de 375 vagas necessárias, para que nós tenhamos pelo menos um nutricionista em cada unidade da nossa rede”.

Falta de quadro técnico

Em pesquisa realizada pelo ÓAÊ, em 2023, foram apontados entre os principais problemas da alimentação escolar o número insuficiente de nutricionistas (31%) e cozinheiras (32%), além da inadequada infraestrutura das cozinhas escolares (36%) e o baixo investimento financeiro por parte de estados ou municípios (30%).

A falta de nutricionistas responsáveis técnicos vinculados às entidades executoras pode levar à suspensão do repasse financeiro do Pnae para municípios, estados e instituições federais, de acordo com resolução nº 06 de 2020 do FNDE.

A nutricionista e assessora técnica do CFN, Ana Flávia de Rezende Gomes, relata que atualmente existem 3.626 nutricionistas responsáveis técnicos no país, 2.085 quadros técnicos e 97 quadros técnicos exclusivos para a modalidade de educação infantil. “Isso significa apenas 60% do que deveria ter. A gente tem 40% das entidades executoras, atualmente, em risco de ter o seu repasse financeiro suspenso”, alerta.

CFN aponta insuficiência de nutricionistas para o Pnae / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

Ela salienta que, “para 20% dos municípios um nutricionista responsável técnico é suficiente. Mas para 80% não. A gente depende de um quadro técnico. Esse profissional sozinho não vai conseguir fazer todo esse aporte, todas as atividades, atribuições que dependem dele. Ele precisa de um quadro técnico”.

Alimentação saudável

Nas diretrizes do Pnae também há o limite de 20% dos recursos do programa para gastos com alimentos processados e ultraprocessados. Em 2019, um ano antes da resolução ser publicada, 40% dos municípios brasileiros se enquadravam neste limite, revelou publicação do ÓAÊ.

“O ambiente escolar, onde as crianças, adolescentes e jovens passam grande parte da sua vida, é determinante para a formação dos hábitos alimentares e para o acesso a alimentos que sejam saudáveis ou que possam prejudicar a saúde”, descreve a Coordenadora-Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Kelly Poliany De Souza Alves.

Ministério da Saúde enfatiza papel da alimentação escolar no combate à doenças decorrentes de má alimentação / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

Diante do aumento do consumo de ultraprocessados, a representante do Ministério da Saúde destaca que “15% das crianças menores de 4 anos atendidas em unidades básicas de saúde já apresentavam excesso de peso e 5,9% a magreza”. Na faixa de 5 a 9 anos, são “29,5% das crianças atendidas no SUS com excesso de peso”. E entre os adolescentes, “31,4% já apresentavam excesso de peso”.

Para ela, a garantia de uma alimentação saudável e adequada no ambiente escolar é importante para “ajudar a prevenir a obesidade e as outras doenças crônicas, construindo novas gerações mais saudáveis. E, por consequência, com menor impacto nos custos do SUS”.

Apoio do Executivo para o controle social

Como exemplo do compromisso com uma “construção coletiva” do Pnae, a coordenadora-geral do programa, Karine Silva dos Santos, destaca a “reativação” do Comitê Gestor do Pnae, constituído por representantes do governo federal e órgãos governamentais, e seu Grupo Consultivo – instância de participação social composta por representante da sociedade civil.

A coordenadora aponta o papel dos Conselhos de Alimentação Escolar para a execução do Pnae. “Nós temos no país 80 mil conselheiros atuando no monitoramento, na fiscalização e no acompanhamento dessa política pública que acontece nas nossas 150 mil escolas. Os conselheiros são pais de estudantes, professores, agricultores familiares, os próprios estudantes. Então, nós temos uma vasta representatividade de atores distintos nesse processo de acompanhamento”, descreve.

É uma obrigatoriedade do Pnae a presença de Conselhos de Alimentação Escolar em cada município e estado atendido pelo programa. Os CAEs possuem a responsabilidade de realizar o controle social do programa em seus diferentes âmbitos. Municípios e estados que não tiverem CAEs ativos podem ter seus repasses do Pnae suspensos. “Neste ano, os Conselhos de Alimentação Escolar estão fazendo 30 anos de existência”, salienta.Pesquisa realizada pelo ÓAÊ, em 2023, revelou que a falta de transparência, de capacitação, de infraestrutura e casos de assédio moral são barreiras para o funcionamento dos CAEs pelo país.

FNDE convida sociedade para contribuir no aperfeiçoamento do Pnae / Foto: Maíra Miranda/FIAN Brasil

A coordenadora do Pnae também destaca o papel dos Cecanes – Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar. “Os Cecanes são braços extensivos do FNDE. E atuam no processo de capacitação, formação e de assistência técnica. Isso tem sido um trabalho realizado desde 2008, nós temos hoje 25 Cecanes atuando em todas as regiões do nosso país”.

Para ela, é importante que os diversos atores sociais envolvidos na execução e monitoramento do Pnae apresentem suas análises e contribuições para se melhorar a execução do programa. “Nosso papel como gestor dessa política pública é participar do diálogo, é ouvir as possibilidades, é entender quais seriam as dificuldades, os maiores desafios, e construir estratégias com a participação de todos”, conclui.

Carta ao governo e ao Congresso propõe melhorias no acesso ao Pnae para indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Texto: Assessorias de Comunicação das entidades organizadores do encontro

Foi lançada nesta segunda-feira (8) a carta-proposta “Compras públicas para a alimentação escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde avançar?”. A carta contém 23 proposições para tornar realidade melhorias discutidas durante encontro homônimo realizado em Brasília. O documento com 18 recomendações ao governo federal e cinco dirigidas ao Congresso Nacional foi entregue a representantes desses poderes, bem como do Judiciário e do Ministério Público.

O objetivo é promover as compras locais e o acesso dessas populações ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) como fornecedoras e adequar o cardápio escolar do ponto de vista cultural, como previsto na lei do Pnae (Lei 11.947, de 2009) e nas resoluções e portarias que a regulamentam. 

“O Pnae é uma política pública de grande dimensão e importância, desempenhando papel fundamental na garantia da segurança alimentar e nutricional [SAN], no apoio à agricultura familiar e na promoção de uma alimentação saudável, cultural e adequada. Porém, é necessário olhar para as diversidades e desigualdades presentes em sua execução, para garantir a concretização de suas determinações legais e a exigibilidade do direito à alimentação escolar”, explica a assessora executiva e de pesquisa do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Luana de Lima Cunha.

Assinam o texto 52 organizações e pessoas, entre entidades da sociedade civil, associações comunitárias, associações e lideranças indígenas, associações quilombolas, grupos informais, nutricionistas, centros de pesquisa, secretarias de Educação e prefeituras.

“Os relatos e debates do encontro destacaram o potencial e os gargalos do programa para atender os modos de vida e de produção de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, tanto como fornecedores quanto como estudantes nas escolas situadas nos territórios”, observa a secretária executiva do Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio), Laura Souza.

As recomendações cobram a plena execução das diretrizes estabelecidas há 15 anos na Lei da Alimentação Escolar (11.947/2009) – um marco no Pnae. Criado há quase  70 anos e presente em todo o Brasil, o programa é uma política pública consolidada, inspiradora e de enorme alcance. Mas, na prática, ainda são muitos os desafios para que cumpra todos os seus objetivos.

Mais adequações e menos burocracia

A criação de um marco normativo específico para as compras públicas para povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais está entre as 18 recomendações voltadas para o Governo Federal. A ideia é que seja uma resolução do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) orientada pela perspectiva de reconhecimento do autoconsumo, da autodeterminação dos povos e da promoção das economias da sociobiodiversidade.

Isso passaria por uma adequação das chamadas públicas, do cadastro dos agricultores/as e das exigências sanitárias, considerando ainda as necessidades logísticas e de mecanismos de mitigação relativos a eventos climáticos. O primeiro grande entrave é o acesso à documentação exigida. São empecilhos a falta de documentos básicos, como RG e CPF, de cadastro do produtor e a obtenção do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF).

Segundo Vitória Rodrigues da Silva, agricultora da aldeia Lourdes, terra indígena (TI) não demarcada em Boca do Acre (AM), “vender alimentos para o programa significa mais uma oportunidade de renda, mesmo com as dificuldades de logística e demandas de burocracia, que exigem que a gente vá para a cidade”.

A necessidade de se deslocar para a sede do município é um empecilho para esses agricultores/as. Em muitos casos, o trajeto leva um dia inteiro. Por isso, uma das recomendações ao poder público é a “criação de um aplicativo para a automatização dos processos de assinaturas de contratos, emissão de guias de entrega, notas e pagamentos”.

Vitória destaca em sua fala a virtude presente no autoconsumo, “Nós queremos melhorar nosso trabalho, nossa comunidade. E isso também é pelos nossos filhos, porque entregamos nossos produtos na escola deles”.

São muitos os relatos sobre o excesso de burocracia, a escassez de informações e a inadequação das chamadas públicas – processo pelo qual agricultoras e agricultores são chamados para apresentar propostas de venda para o Pnae. Há chamadas que não se adequam à sazonalidade de plantio e cardápios sem adequação à realidade produtiva de cada localidade. “Se não tem nosso alimento no cardápio escolar, não tem demanda e, consequentemente, não tem venda”, descreve Daniel Mendes Vieira.

Ele compõe o Núcleo Pequi, uma rede de associações, cooperativas e instituições voltada à assistência de agricultores e extrativistas do Norte de Minas Gerais. O núcleo realiza capacitações e outras ações para contribuir com o aproveitamento das safras e venda dessa produção do Cerrado.

Para aumentar a aceitação dos alimentos locais na alimentação escolar, acontecem capacitações com os associados para análises de como vender os produtos beneficiados. “Nelas desenvolvemos receitas para inclusão nos cardápios da alimentação escolar”, conta. “Isso é feito junto a uma articulação entre as pontas de cada lado. Nutricionistas da alimentação escolar e associados da agricultura familiar conversam e se articulam.”

Diálogo com o Executivo

As recomendações voltadas ao Executivo federal dirigem-se ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e demais órgãos que fazem parte do Comitê Gestor do Pnae – composto por ministérios e autarquias federais.

Uma das orientações é para que se mantenha ativo e efetivo o Grupo de Trabalho de Povos e Comunidades Tradicionais, no âmbito do Grupo Consultivo, do Comitê Gestor do Pnae.

“A participação de representantes do poder público na mesa do encontro dedicada a esse diálogo trouxe contribuições para o aperfeiçoamento das propostas e reforçou a expectativa de que a carta seja acolhida”, avalia Laura Souza, do ÓSocioBio. “Os avanços no PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] nos últimos dois anos, por exemplo, mostram que é perfeitamente possível.”

Em 2023, algumas importantes medidas foram implementadas pelo Governo Federal. Entre elas, a autodeclaração de renda e de pertencimento étnico indígena e quilombola, em substituição aos documentos de comprovação de propriedade particular, com a retirada da exigência de CPF de todos os membros da família. O Número de Identificação Social (NIS) do Cadastro Único das Políticas Sociais (CadÚnico) também passou a ser aceito como instrumento de comprovação para acesso de povos e comunidades tradicionais (PCTs) ao Pnae e ao PAA. E abriu-se a possibilidade de que povos e comunidades forneçam alimentos diretamente nas escolas de seu território por meio do PAA, com o NIS como referência. Mas ainda há desconhecimento em relação a essas mudanças e como operá-las, tanto por parte de agricultores quanto de gestores.

“Aprendemos no encontro coisas que não sabíamos – leis, estratégias – e vamos voltar para a nossa cidade empoderadas e mais preparadas para lutar pelos nossos direitos”, relata Joelma Meneses da Silva Souza. A agricultora compõe a Associação de Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF), que organiza a produção de mais de 60 associadas/os – 80% mulheres – e suas famílias para a venda de polpas de frutas à alimentação escolar em São Félix do Xingu (PA).

Reconhecimento de povos e comunidades tradicionais

Um desafio para o acesso é o não reconhecimento de todos os segmentos de povos e comunidades tradicionais existentes, tanto na Lei do Pnae quanto nos cadastros utilizados para as compras institucionais. Isso dificulta para esses grupos o fornecimento de alimentos ao programa e a exclusão de benefícios e normas que deveriam contemplá-los.

Maria de Jesus, conhecida como Janete, é coordenadora do Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) no Piauí. Segundo ela, as quebradeiras beneficiam diversos alimentos a partir do coco babaçu, como a amêndoa; o mesocarpo; o azeite, que vem substituindo o óleo de soja na comunidade; e a farinha, carro-chefe das vendas. Também são agricultoras e produzem diversos outros alimentos.

Apesar de hoje terem acesso ao Pnae dentro dos territórios, “as informações não chegam de um jeito que os produtos estejam dentro das chamadas”. As quebradeiras até apresentam propostas de inclusão de produtos no cardápio, mas não conseguem aceitação na maioria das vezes.  

Para enfrentar esses desafios, entre as recomendações da carta ao Executivo Federal estão: a adequação das diretrizes nutricionais à realidade dos PCTs e o aumento de sua representação nos conselhos de Alimentação Escolar (CAEs); a inclusão de todas as categorias com assento no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) e no Cadastro Único das Políticas Sociais (CadÚnico); a inclusão no Censo Escolar da identificação de escolas e estudantes de povos e comunidades tradicionais em geral; e a elaboração de um novo modelo de chamada pública específica.

Para o Congresso Nacional também se recomenda a inclusão como prioridade na lei do Pnae de todos os grupos sociais que têm assento no Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT).

Apesar de todas as limitações e da desvalorização dos produtos, Maria de Jesus aponta que as quebradeiras “têm visto que o Pnae e o PAA trazem avanços para as mulheres associadas”.

Costurando caminhos

Na ausência e/ou insuficiência de leis e marcos regulatórios que garantam a devida adequação e execução das diretrizes do Pnae em todos os 5.570 municípios brasileiros, relatos apresentados no encontro mostram caminhos possíveis para inspirar o poder público.

Uma experiência exitosa da adequação do Pnae apresentada no encontro foi o caso de Afuá, município da Ilha de Marajó, no Pará, com o projeto “Açaí direto na escola”. Lá, as cozinhas escolares possuem despolpadeiras. As cozinheiras recebem treinamento de boas práticas para a manipulação no processamento do fruto. E agricultoras e agricultores o entregam diretamente nas escolas, no dia em que o açaí será ofertado no cardápio, obedecendo aos critérios do termo de entrega de alimentos.

O projeto é desenvolvido desde 2022 nas escolas da sede do município, com perspectiva de ampliação para as demais unidades escolares. Exemplo da regionalização do cardápio com a inclusão de alimentos da sociobiodiversidade, a iniciativa nasceu do diálogo entre o Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar da Universidade Federal do Pará (Cecane/Ufpa), a Prefeitura Municipal de Afuá, a população ribeirinha local e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater/PA).

Neri Gemaque de Almeida é agricultor ribeirinho e uma dos produtores de açaí que realiza a entrega diretamente nas escolas do município. Para tal tarefa, ela utiliza uma bicicleta adaptada. Questionado sobre a aceitabilidade do item na alimentação, afirma que “está sendo um sucesso”.

Ele e outros produtores vendem também para o município vizinho, mas o principal destino é a alimentação escolar de Afuá. “Vendemos principalmente o açaí chumbinho. É de muita qualidade. Tem mais polpa e faz sucesso com as crianças. Comem junto com frango, com farinha, na refeição e também como suco”, relata o ribeirinho.

A adequação das cozinhas e capacitação das cozinheiras foi um ponto muito importante neste processo, além do acompanhamento de nutricionistas. São muitos os relatos de como a precarização das cozinhas escolares e das condições de trabalho de cozinheiras e nutricionistas impedem avanços na implementação das diretrizes do Pnae.

Neste sentido, outra recomendação apresentada ao governo federal é a instituição de um plano de carreira para as nutricionistas e cozinheiras. E investimentos para estruturar e equipar as cozinhas escolares.

Outro exemplo do Norte do país está em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. O município, considerado um dos três mais indígenas do Brasil, não teve nenhuma compra para alimentação escolar vinda de agricultores indígenas entre 2016 e 2017.

Em 2019, a partir de nota técnica do Ministério Público Federal (MPF), uma articulação uniu instituições do poder público para fazer visitas aos territórios, em diálogo com as comunidades e organizações locais. Assim se chegou à marca de 130 projetos de venda firmados em 2024. 

“Foi a partir desse momento, de sair do município e adentrar os territórios, que muitos agricultores conseguiram acessar as chamadas”, descreve Beatriz Castro Barbosa, nutricionista da Secretaria de Educação local. “Logo depois entrou a pandemia e esses agricultores já cadastrados puderam entregar nas próprias comunidades. Isso garantiu renda aos agricultores e alimento para as famílias.”

O agricultor indígena Cenaide Pastor Marques Lima também acompanhou esse processo. Ele integra a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e preside o Conselho de Alimentação Escolar (CAE) no município.

Para ele, foi importante começarem a fazer chamadas públicas nas comunidades, aumentando o tempo hábil de chamamento, “para que a mensagem chegasse e para que os agricultores pudessem se organizar”.

A partir desses diálogos, foi-se entendendo a sazonalidade de plantios para a adaptação dos cardápios das diferentes regiões, por ser um território extenso. Ainda existem desafios para incluir mais agricultores, mas estão ocorrendo avanços com normas que simplificam o cadastramento de agricultores individuais – como o uso do NIS e a dispensa de normas sanitárias por se tratar de autoconsumo. “Isso tem sido muito animador para as comunidades”, conta Cenaide. 

“A meta é alcançar mais comunidades para apoiar e ampliar as chamadas”, relata Beatriz. “Tivemos neste ano 128 agricultores participando, entre grupos formais e informais, no valor total de R$ 637.609,60.”

Apesar dos avanços, um problema vivenciado em boa parte dos municípios do Amazonas é o alto gasto logístico da distribuição dos alimentos não perecíveis. Estes, acabam por consumir parte significativa do orçamento destinado à alimentação escolar, a consequência é que, em muitos dias letivos, falta alimento nas escolas.

Analisando as experiências exitosas e os obstáculos existentes, outras recomendações da carta são: a criação de um programa de agentes de apoio ao Pnae e ao PAA; a capacitação de servidores dos órgãos gestores dos territórios tradicionais; a integração das diferentes políticas voltadas à agricultura familiar e aos povos indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais; e a aceleração e ampliação de políticas complementares, como demarcação das terras indígenas e territórios, assistência técnica e extensão rural (Ater) agroecológica, crédito rural e estruturação de agroindústrias.

Compreendendo a situação de insegurança social que muitas dessas populações vivem, o documento também orienta para se assegurar que o fornecimento ao Pnae não prejudique o acesso a benefícios socioassistenciais como Seguro Defeso e Bolsa Família. Outra recomendação consiste em fomentar a adesão de estados e Distrito Federal ao consórcio nacional Convênio ICMS 139 ou outros que isentem a agricultura familiar da cobrança de impostos no caso de comercialização para os programas nacionais de compras públicas.

Necessidade de reajuste anual

Um ponto muito discutido foi a insuficiência de recursos para o Pnae. Além de representar um risco para a adequada alimentação dos estudantes, a questão se desdobra em diversos entraves para o segmentos da agricultura familiar, da desvalorização de sua produção a atrasos nos pagamentos. “Somos obrigados a entregar sem receber e arcar com todos os custos. Não queremos mais trabalhar dessa forma, pois estamos tendo prejuízo”, relatou uma agricultora durante o debate.

Segundo a Foirn, estudos realizados no estado do Amazonas mostram que o valor da refeição, seguindo as resoluções do FNDE, teria um custo mínimo R$ 3,46. Valor muito acima de R$ 0,86, que é per capita atual do Pnae para estudantes matriculados em escolas de educação básica localizadas em áreas indígenas e remanescentes de quilombos.

Nem todos os municípios destinam o mínimo de 30% estabelecido em lei para as compras da agricultura familiar. E a complementação de recursos por estados e municípios, em muitos casos, é insuficiente ou inexistente.

Para enfrentar essa situação, entre as recomendações ao Governo Federal está o aprimoramento do desenho de financiamento do Pnae para o enfrentamento das desigualdades, e a ampliação do orçamento do programa e também do PAA. Para o Congresso Nacional é proposto que se crie mecanismo de reajuste anual dos valores per capita na lei do Pnae – a exemplo do  PL 2.754/2023.

Por avanços no Congresso

A parte da carta voltada ao Parlamento traz proposições legislativas que possibilitem avanços e evitem retrocessos nos direitos das populações. Entre as recomendações estão: rejeitar projetos de lei que proponham a retirada a prioridade de povos indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária e mulheres nas compras públicas do Pnae; e avançar na proposta de uma Política Nacional de Promoção da Alimentação e dos Produtos da Sociobiodiversidade de Povos e Comunidades Tradicionais, prevista no Projeto de Lei (PL) 880/2021.

“O mesmo Congresso que tem sido desfavorável aos indígenas e permite a tramitação de PLs ruins para a alimentação escolar aprovou, nas últimas legislaturas, medidas de combate à fome e de apoio à agricultura familiar, como o reajuste para o Pnae de 28 a 39%, dependendo da modalidade de ensino”, lembra o assessor de Advocacy do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Pedro Vasconcelos. “Esperamos que, no contexto de necessidade de proteção ambiental e de adaptação à emergência climática, este conjunto de reivindicações sensibilize os e as congressistas.”

Riscos imediatos

No momento em que a carta de recomendações é lançada, surge um novo risco para o acesso de indígenas, quilombolas e PCTs aos mercados institucionais. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou a consulta pública de uma nova Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) que equipara a agricultura familiar e economia solidária a outros segmentos econômicos.

A consulta pública nº 1.249, de 02 de maio de 2024, propõe uma nova RDC “sobre  a identificação e a classificação do grau de risco das atividades econômicas sujeitas à vigilância sanitária”, revogando a RDC nº 49/2013.

A resolução 49/2013 é considerada um marco ao reconhecer as especificidades dos riscos desses setores da agricultura familiar e da economia solidária. E envolveu, no seu processo de consulta pública, a realização de sete seminários regionais em todos os territórios brasileiros.

Como reação à proposta, uma carta aberta em defesa de normas sanitárias inclusivas será lançada nos próximos dias com, aproximadamente, 130 assinaturas de movimentos, organizações, comunidades, pesquisadores, parlamentares e outros setores da sociedade.

Segundo a carta, a consulta pública da Anvisa representa um retrocesso em termos de normas sanitárias e suas adequações para os segmentos da agricultura familiar e das economias da sociobiodiversidade.

“A nova norma proposta na Consulta Pública reforça a exclusão sanitária (…) Dá também um passo atrás ao restringir a autonomia dos estados e municípios em estabelecerem classificações de risco específicas (…) Outro retrocesso em relação à RDC 49/ 2013 são as exigências relativas ao Responsável Técnico, que podem inviabilizar economicamente a legalização sanitária de pequenos empreendimentos”, destaca o documento.

Para Vanessa Schottz, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), uma contraproposta à medida é manter a Resolução 49 e ampliar a consulta pública. “Deve-se buscar estratégias que viabilizem participação ativa e efetiva dos segmentos atendidos. É fundamental também avançar na implementação do Programa para Inclusão Produtiva e Segurança Sanitária, a Praissan, e na instalação do comitê desse programa, o Cissan”, defende.

Encontro “Compras públicas para a alimentação escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde avançar?”

O encontro que deu origem à carta-proposta foi realizado em 27 e 28 de maio, em Brasília. Ao longo de dois dias de trabalho, representantes de povos do campo, das águas e das florestas, em conjunto com organizações e movimentos sociais, Centros de Colaboração para a Alimentação Escolar (Cecanes), nutricionistas, membros governamentais do Comitê Gestor do Pnae e gestores estaduais e municipais debateram soluções e recomendações para que a compra local de alimentos saudáveis para a alimentação escolar ocorra em terras e territórios tradicionais.

A atividade contou com quase 90 participantes, sendo 60% mulheres e um terço do total composto por indígenas, quilombolas ou representantes de povos e comunidades tradicionais que produzem alimentos para a venda aos mercados institucionais. Além da carta-proposta, as discussões realizadas terão como produto final uma agenda comum em forma de publicação, a ser lançada ainda este ano.

O Encontro “Compras públicas para a alimentação escolar entre povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: por onde avançar?” foi realizado pelo Observatório das Economias da Sociobiodiversidade (ÓSocioBio) e pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), com o apoio de: FIAN Brasil, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Fundo Dema, Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), WWF Brasil e Ministério Público Federal (MPF). Também recebeu apoio da Global Health Advocacy Incubator (GHAI) e do projeto Bioeconomia e Cadeias de Valor, da Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, implementado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA).

FIAN Brasil anuncia vaga para assessor(a) executivo(a) e de pesquisa

A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) anunciam a abertura de processo seletivo para a contratação de profissional para atuar na Assessoria Executiva e de Pesquisa, no Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ). 

Sobre a FIAN Brasil

Somos uma organização de direito privado, sem fins lucrativos, apartidária, sem vínculo religioso, com sede e foro em Brasília (DF), com atuação de abrangência nacional. Nossa missão é contribuir para um mundo livre da fome e da desnutrição, no qual cada pessoa possa desfrutar plenamente dos seus direitos humanos, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), com dignidade e autodeterminação.

A FIAN Brasil, juntamente com o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, coordena a secretaria executiva do Observatório da Alimentação Escolar. A atuação do ÓAÊ se organiza a partir de quatro grandes eixos:

i) Ativação do debate público, a partir da sistematização e produção de conteúdo sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae); ii) Incidência política em defesa do cumprimento e aprimoramento dos marcos legais e orçamento do Pnae; iii) Monitoramento e formação para a participação social e o controle social; iv) Mobilização e comunicação, com foco na amplificação das vozes dos sujeitos de direito do programa. 

Objetivo da contratação 

A/O profissional será responsável pelo assessoramento ao Núcleo Gestor, pela articulação entre as organizações e movimentos que compõem o ÓAÊ, e pela coordenação das atividades.

Atribuições:

  • Assessorar o núcleo gestor, comitê consultivo e grupos de trabalho do ÓAÊ;
  • Atualizar, revisar e manter organizado o acervo de materiais de referência sobre o Pnae no website do ÓAÊ; 
  • Coordenar as pesquisas, estudos, publicações e campanhas do ÓAÊ, incluindo a sistematização e redação de conteúdos e supervisão de consultorias;
  • Elaborar notas e documentos técnicos sobre a alimentação escolar;
  • Coordenar a realização de eventos virtuais e presenciais;
  • Gerir o e-mail institucional e os arquivos do ÓAÊ;
  • Convocar e relatar as reuniões do ÓAÊ;
  • Participar de reuniões semanais da FIAN Brasil;
  • Apoiar a redação de notícias e materiais de comunicação do OAE;
  • Participar de GTs e reuniões promovidas por agências financiadoras;
  • Apoiar elaboração de relatórios de atividades para as agências financiadoras;
  • Participar de atividades da FIAN Brasil, para além das atividades do projeto.

Requisitos obrigatórios

  • Bacharelado em Nutrição, Políticas Públicas, Ciências Sociais, Direito, Economia, ou áreas afins;
  • Habilidades de comunicação, diálogo e trabalho em equipe;
  • Conhecimento sobre políticas de segurança alimentar e nutricional, 
  • Experiência de trabalho ou estudo com o Pnae; 
  • Compromisso com direitos humanos e valores éticos relacionados ao trabalho da FIAN Brasil;
  • Experiência profissional de no mínimo 2 anos;
  • Indicação de referências para consulta sobre experiência profissional.

Requisitos desejáveis

  • Experiência de trabalho em/com organizações da sociedade civil, movimentos sociais, espaços de participação social, redes;
  • Facilidade de escrita e conhecimento de bases de dados e indicadores sociais e de segurança alimentar e nutricional;
  • Residir em Brasília (DF).

Processo para candidatura

Envio de: I) currículo, II) carta de motivação, III) indicação de ao menos duas pessoas de referências para contato sobre experiência profissional, IV) Declaração de Conflitos de Interesse (Anexo I). Os documentos solicitados deverão ser encaminhados para [email protected] com cópia para [email protected] e [email protected] até às 18 horas do dia 15/07/2024. Entrevistas serão agendadas com as pessoas selecionadas. 

Regime de contratação: CLT

Carga horária: 7h/dia 

Início previsto dos trabalhos: agosto de 2024

Duração do contrato: 12 meses, prorrogável por igual período.

Diversidade e inclusão

A FIAN Brasil defende e apoia a ampliação da diversidade na sociedade e, por essa razão, estimula e prioriza a candidatura de mulheres, pessoas negras, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e/ou com deficiência, que cumpram os requisitos estabelecidos. Se você se enquadra nesses grupos, indique em sua carta de motivação.

Campanha mostra alternativas dos territórios para a crise alimentar mundial

Em resposta ao cenário de violações ao direito à alimentação, à crise climática e ao desmantelamento do sistema de direitos humanos como um todo, cada seção nacional da FIAN compartilhará nesta semana experiências de enfrentamento à crise alimentar que geram alternativas de soberania e autonomia alimentar. Esse é o tema da edição atual do Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição, que confronta verdadeiras e falsas soluções diante de crises globais.

“Soluções verdadeiras: alternativas dos territórios para a crise alimentar mundial” traz saídas alicerçadas em experiências de diferentes partes do mundo. Dentre elas estão a transformação agroecológica urgente, a pesca sustentável e as mobilizações para proteger os sistemas alimentares com base nos direitos humanos.

Comunidades estão assumindo a liderança para enfrentar o aumento da fome e da desnutrição, servindo de exemplo para as instituições internacionais que continuam a não tratar das causas estruturais da fome. Elas estão encontrando alternativas ao sistema alimentar industrial, apesar de serem diretamente afetadas pela crescente desigualdade, pela desapropriação, pela mercantilização da natureza, pela apropriação de terras e de recursos naturais.

Os territórios buscam romper as assimetrias entre centro-periferia e Norte-Sul, além das relações neocoloniais que são perpetuadas nas políticas de transição climática, o colonialismo verde. As comunidades estão deixando claro que o Sul Global não quer continuar sendo um espaço subalterno a ser explorado, destruído e reconfigurado de acordo com as necessidades de acumulação de capital. Além disso, estão adotando uma abordagem transformadora, alcançando a soberania alimentar em harmonia ecossocial para salvaguardar o direito à alimentação a todos.

Um outro mundo não só é possível, como já o estamos construindo de baixo para cima, com organização e mobilização a partir das bases, das ruas, bairros, vilarejos e comunidades. As comunidades estão indo à raiz dos problemas, confrontando a captura corporativa, o greenwashing (‘maquiagem verde”) e as práticas neocoloniais embutidas em falsas soluções para as crises climática, ecológica e alimentar.