Mapeamento Agrícola Indígena: Contribuição ao Trabalho da Associação de Mulheres Mapana

Livreto produzido a partir de entrevistas e rodas de conversa com diferentes públicos e instituições em agosto de 2022. Parte de estudo de caso que pretende contribuir para melhorar a oferta de alimentação escolar indígena no município amazonense e apoiar o fortalecimento da produção agroecológica dos povos Tikuna.

Saiba mais e acesse a coleção do projeto, que inclui outros três materiais sobre o AM: um diagnóstico de alimentação escolar, propostas para o poder público e um minidocumentário.

FIAN Brasil e DPU apresentam guia orientador ao trabalho das defensorias públicas na atuação para a exigibilidade do direito à alimentação escolar

Parceria entre a FIAN Brasil e a Defensoria Pública da União (DPU) resultou na produção do Guia de Atuação para Exigibilidade do Direito à Alimentação Escolar. A publicação é voltada ao trabalho das defensorias públicas de todo o país e foi formulada a partir do curso de capacitação para defensoras e defensores públicos federais ofertado pela FIAN Brasil em outubro de 2022, em Brasília (DF).

Com detalhes sobre as diretrizes e a gestão do Programa Nacional da Alimentação Escolar (Pnae), o guia trata das violações possíveis desse direito e reúne exemplos de boas práticas e sugestões para a atuação de defensoras e defensores públicos federais.

Por fim, apresenta propostas de perguntas que podem ser usadas pela DPU na fiscalização em relação à alimentação fornecida nas escolas durante inspeções ou no envio de ofícios aos órgãos competentes, por exemplo.

Para a coordenadora colegiada da FIAN Brasil e coordenadora do Observatório da Alimentação Escolar, Mariana Santarelli, a proposta é que a publicação possa orientar o trabalho não apenas de defensoras e defensores públicos, mas também de advogadas e advogados, procuradoras e procuradores, cidadãos e cidadãs comprometidos com o direito humano à alimentação. “Esperamos com a cartilha estimular uma onda de parcerias entre conselhos, movimentos sociais e o judiciário, para que o direito à alimentação escolar possa ser exigido em todos os estados do país”.

Em agosto, a FIAN Brasil vai realizar uma nova rodada de formação sobre o tema, como parte de acordo de cooperação com o Núcleo de Direito Humano à Alimentação e Nutrição Adequadas Josué de Castro (Núcleo Dhana) do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

FIAN Brasil, com informações da DPU

FIAN Brasil abre processos de seleção

A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – contrata três profissionais: Secretária/o, Assessor/a de Sistemas Alimentares e Coordenador/a de Projeto.

As candidatas e candidatos interessados nas vagas para Assessor/a e Coordenador/a deverão enviar seu currículo e carta de apresentação (não mais que uma página) até 21 de maio de 2023, para o e-mail [email protected], indicando no título do e-mail para qual das duas vagas está aplicando.

As candidatas e candidatos interessados na vaga para Secretária/o deverão enviar seu currículo até 21 de maio de 2023, para o e-mail [email protected], indicando no título do e-mail a vaga ao qual pretende concorrer.

Estamos comprometidos em dar oportunidade igual a todas as candidatas e candidatos, a partir de critérios que valorizam a diversidade, incentivando particularmente mulheres, negras e negros, indígenas, LGBTQIAP+ e pessoas com deficiência a se candidatarem aos processos seletivos da entidade.

Para mais informações, clique nas vagas e confira os Termos de Referência:

Alimentação Escolar Tikuna: Diagnóstico e Recomendações ao Município de Tabatinga

Livreto produzido a partir de entrevistas e rodas de conversa com diferentes públicos e instituições em agosto de 2022. Parte de estudo de caso que pretende contribuir para melhorar a oferta de alimentação escolar indígena no município amazonense e apoiar o fortalecimento da produção agroecológica dos povos Tikuna.

Saiba mais e acesse a coleção do projeto, que inclui outros três materiais sobre o AM: um mapeamento agrícola indígena, propostas para o poder público e um minidocumentário.

Estudo de caso: o Pnae e a cultura alimentar indígena em Tabatinga (AM)

Por meio de entrevistas e rodas de conversa com diferentes públicos e instituições realizadas em agosto de 2022, a FIAN Brasil produziu um estudo de caso que pretende contribuir para melhorar a oferta de alimentação escolar indígena no município amazonense e apoiar o fortalecimento da produção agroecológica na comunidade de Belém do Solimões. Esta página reúne os materiais elaborados:

A adequação das refeições escolares em terras e escolas indígenas é um dos desafios do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que tem entre suas diretrizes o respeito à cultura, às tradições e aos hábitos alimentares saudáveis, ao que se soma a prioridade que deve ser dada às compras de alimentos produzidos por agricultores indígenas.

A regionalização da alimentação escolar é um caminho importante para a garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) dos povos indígenas, que historicamente sofrem violências e a precarização de seus sistemas alimentares, com graves consequências sobre o acesso à alimentos de qualidade e à própria cultura alimentar. O estudo de caso na comunidade de Belém do Solimões faz parte do projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”, com ênfase nas compras públicas.

No AM, força de associação indígena contrasta com precariedade na alimentação escolar

A comunidade de Belém do Solimões dista 11,5 quilômetros (km) de Tabatinga (AM) em linha reta. Essa régua, na Amazônia, não significa quase nada. A estrada é o rio, o rio gigante do qual a localidade herda o nome, e o percurso dificilmente leva menos de uma hora e meia com uma baleeira (embarcação de transporte de passageiros ou pequenas cargas) com motor potente. Em outras embarcações, como as balsas que carregam os ingredientes secos para as refeições escolares, o tempo chega fácil a cinco horas, e pode passar de um dia.

Mais um motivo para priorizar a produção local, como determina a legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Outras razões estão na diretriz que considera a dimensão da cultura alimentar e naquela que determina a prioridade para produtores indígenas no fornecimento às escolas, no segmento da agricultura familiar, ao qual cabem pelo menos 30% dos recursos federais para as refeições estudantis. O povoado situa-se na Terra Indígena Eware 1, e a grande maioria dos 5 mil habitantes pertence à etnia Tikuna (Magüta).

Como a equipe da FIAN Brasil pôde constatar em visita à comunidade, tal priorização acontece, mas é limitada por uma série de fatores – a começar pela falta de contrapartida municipal aos repasses federais, que a prefeitura justifica pelos gastos com transporte decorrentes da logística amazônica. Isso, por consequência, limita o ciclo virtuoso local de uma iniciativa que ajudou a tornar Belém do Solimões mais conhecida: a Associação de Mulheres Indígenas – Mapana.

Solução coletiva

“A gente planta mandioca, macaxeira e banana, e não tinha onde vender”, conta a presidenta da organização, Adelina Fidelis. Como o município é muito distante, e elas não contavam com meios de transporte, ofereciam na paróquia do lugarejo, a São Francisco de Assis. “Muito milho e feijão estragava. Aí o frei [Paolo Braghini] sugeriu que a gente criasse uma associação, e todo mundo concordou na hora.” Os frades franciscanos apoiam diversas iniciativas da comunidade.

A cofundadora explica que fica complicado uma família cuidar sozinha de roças grandes para os parâmetros da região – 1 hectare, 2 hectares –, porque o trabalho é “no braço”, só com terçado (facão) e machado.

Os passos seguintes foram uma assembleia, a aprovação do estatuto da entidade e, em 21 de outubro de 2009, o registro. “Tínhamos aberto uma roça comunitária, grande. Começamos a plantar juntas – mandioca, macaxeira, batata, cará, abacaxi, banana-maçã”, enumera. Depararam-se com a necessidade de obter a declaração de aptidão ao Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), mais conhecida pela sigla DAP. Iniciaram com sete DAPs, cada uma credenciando uma família a receber pagamentos dos governos municipal, estadual e federal. Mais adiante mais tarde obtiveram a DAP jurídica (em nome da organização).

Conseguiram ser contempladas em editais do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Pnae, compraram uma lancha para as entregas e freezers para estocar os perecíveis e foram aumentando a quantidade e a variedade de alimentos comercializados.

Foto: Marcelo Coutinho/Arq. FIAN Brasil
Foto: Marcelo Coutinho/Arq. FIAN Brasil

“A associação é muito importante para mim. Nela entendi como é o processo de entrega dos produtos, a distribuição para a escola, o pagamento… Aí expliquei para o meu pai”, conta a agricultora Nazita Teodoro.

“A gente entrega, eles levam na escola e a prefeitura paga. É bom demais!”, exalta o agricultor Oscar Ramos, que aos 80 anos parte, sem esforço, tocos para lenha com um machado e mantém seu cultivo numa área de várzea a 200 metros de uma praia do Rio Solimões.

Limitações e precariedades

O funcionamento, porém, está longe do ideal. No trabalho de campo de 15 a 20 de agosto, a FIAN verificou que as entregas da sede do município, programadas para ocorrer quatro vezes ao ano, não têm regularidade. Quando a do último trimestre fica para perto do recesso, pode não contemplar os dias letivos, gerando um problema de armazenamento e estocagem, com risco de os alimentos estragarem. A maior parte dos itens para o preparo das refeições chega por esse fluxo.

As caixas e fardos são deixados no porto, e cabe aos professores, funcionários escolares e mães e pais dos/as estudantes carregá-las barranco acima, numa escadaria íngreme de tábuas. Como os freezers não comportam a quantidade de frango congelado de uma remessa, vizinhos acondicionam em casa parte do carregamento. A  partir de um projeto viabilizado pelos frades franciscanos, associadas da Mapana passaram a criar galinhas caipiras em viveiros, com expectativa de acolhida da Secretaria Municipal de Educação para inclusão na alimentação escolar no âmbito do Pnae. 

“Eu conheço um por um os pais e responsáveis, e a realidade deles”, comenta o professor Marcênio Tenazor, da Escola Municipal Indígena (EMI) Ewaré Mowatcha, de 1.200 alunos/as. “A maioria é agricultor e pescador. Poucos têm condição de dar um cafezinho toda manhã para o aluno e o almoço antes da aula das 13h. Eles dependem muito da merenda.”

No verão amazônico (como é chamada a estação mais seca), falta água com frequência. “Aí nós liberamos as crianças de até 7 anos antes do sinal”, conta o gestor (diretor) da EMI Ngetchutchu Ya Mecü, Abraão Siriaco.

 “A merenda vem para quatro meses. Quando acaba o frango, a gente serve suco de cupuaçu, às vezes um mingau com bolacha…”, descreve a cozinheira Ergina Tenazor, da EMI Ngetchutchu Ya Mecü. De acordo com a funcionária, todas as frutas oferecidas têm boa aceitação entre as 700 crianças, mas acabam rápido.

“Eles adoram a merenda”, atesta Marcênio. “Quando tem, ficam mais alegres e dispostos a aprender. Quando não tem, ficam tristes, de cabeça baixa”, diz. Ele observa a evasão de alunos de diferentes idades em função dessa intermitência.

Abraão Siriaco traça um retrato semelhante da Ngetchutchu Ya Mecü. “O nosso intervalo é de 30 minutos. Quando não tem merenda, os alunos que moram perto voltam para casa, mas tem aqueles que moram muito longe. Há, ainda, os que ficam merendando na frente da escola, refrigerante, suco [industrializado], Cheetos.” Além das bebidas adoçadas e dos salgadinhos industriais, banquinhas esperam os pequenos com balas e chicletes.

No mundo e no Brasil, o aumento do consumo de produtos alimentícios ultraprocessados está associado ao avanço da obesidade e do diabetes, entre outras doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Trata-se de fórmulas industriais com excesso de sal, açúcar e gordura, e aditivos artificiais para aumentar deixá-los mais atraentes e aumentar sua durabilidade. São barrados no cardápio do Pnae, na regra (Lei 11.947) e, na prática, quando a verba permite. A diretriz foi reforçada com a Resolução 6/2020 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), alinhada ao Guia Alimentar para a População Brasileira.

Aprendizado

“No roçado tem que ter a família”, conta a agricultora Marta da Silva Francisco, com a filha marchando sistema agroflorestal adentro com o grupo de mulheres de e camiseta roxa e chapéu largo de palha, para proteger do sol de 35 graus. “Desde quando a criança começa a andar, a gente leva para aprender a plantar a fazer o roçado, nos dias em que não tem aula. Assim elas não perdem e passam adiante os costumes.”

As associadas fornecem 12 tipos de verduras e frutas às duas escolas indígenas por meio da prefeitura.

“No começo eram só as mulheres”, relembra Adelina Fidelis, sobre a composição da Mapana. O nome homenageia a primeira mulher na cosmologia tikuna – a esposa de Ngutapa, o pai criador daquele povo. “Depois abrimos espaço para os homens. Mas quando a mulher tem documentação, é ela que fica como titular.” Fidelis conta que as jovens estão aderindo, e que o número de participantes – hoje acima de 200 – nunca diminuiu, embora a pandemia, que fragilizou os circuitos de comercialização da agricultura familiar no país todo, tenha derrubado preços e demanda por longos meses. A história da organização é contada em minidocumentário de 2019.

Como o objetivo de contribuir para que a execução local do Pnae atinja todos os seus objetivos, a equipe da FIAN elaborou um livreto e um documento com uma série de recomendações às escolas, à prefeitura, ao governo do estado, ao Ministério Público e à associação. Entre elas estão o custeio do transporte fluvial pelo orçamento público; a consolidação de circuitos curtos de abastecimento, reforçando a priorização da comunidade e dos lugares vizinhos e possibilitando servir determinados alimentos no dia de colheita ou coleta; o exercício do controle social por meio do Conselho de Alimentação Escolar (CAE); o equipamento das cozinhas escolares; linearidade nas refeições para os estudantes ao longo do ano; a inclusão de novos itens regionais no cardápio; e uma maior previsibilidade no cumprimento das chamadas públicas e contratos.

Divulgaremos e publicaremos aqui esses materiais em breve, ao lado de um mapeamento agrícola da localidade.

Sistemas alimentares e desigualdades em foco 

Esta reportagem faz parte do projeto “Equidade e saúde nos sistemas alimentares”. Com ele, a FIAN Brasil busca contribuir para o entendimento dos impactos de todas as etapas do processo alimentar – como produção, comercialização, consumo – nas desigualdades (e vice-versa) no Brasil, bem como para seu enfrentamento.

A ideia é que o conhecimento produzido embase estratégias para incidir nas compras públicas, aquelas realizadas por organizações do Estado. O chamado mercado institucional movimenta um orçamento bilionário e pode dar lastro a uma série de políticas – por exemplo, adquirindo a produção agrícola de segmentos sociais mais vulnerabilizados, como indígenas, quilombolas e assentados/as.

A atuação se dá em conjunto com um grupo de entidades – ACT Promoção da Saúde, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Desiderata e Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP) – com apoio da Global Health Advocacy Incubator (GHAI). Outras parcerias foram estabelecidas ao longo do processo.

O projeto inclui um mapeamento das iniquidades nos sistemas alimentares, com um olhar específico para as dimensões de raça/cor, gênero e renda. Além de Tabatinga, a equipe fez trabalho de campo em Caarapó (MS). Os dois estudos de caso buscaram aprofundar a compreensão dos dilemas, soluções e barreiras enfrentadas pelas comunidades. Cada realidade local estará retratada num minidocumentário a ser lançado neste mês, por ocasião do Abril Indígena.

A equipe participou também da elaboração de documentos políticos coletivos buscando a adesão de candidatos e candidatas à plataforma da comida de verdade, baseada na agricultura familiar, na agroecologia, no comércio justo e nos alimentos frescos. Outras frentes têm sido a incidência no Congresso Nacional e a produção de conteúdos de comunicação.

Esta iniciativa mantém a especial atenção ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, que em 2021 foi o foco do projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade. A ideia partiu do entendimento que eram urgentes ações de exigibilidade para fortalecimento do Pnae, especialmente das compras públicas da agricultura familiar, no contexto de retrocesso e aumento da fome que o país atravessava.

Outra dimensão consiste em aprofundar as análises relacionadas ao assunto, sobretudo no que diz respeito à alimentação escolar indígena, considerando que essa segue como uma política central na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). “Pretendemos ajudar a construir caminhos para que essa população possa, de fato, não só comercializar o que é produzido localmente, mas inserir esses alimentos no cardápio escolar. A soberania e segurança alimentar e nutricional passa necessariamente pelo respeito à cultura e aos hábitos alimentares locais”, explica a coordenadora do projeto, Gabriele Carvalho.

FIAN Internacional destaca desafio de reconstruir o combate à fome

A FIAN Internacional publicou matéria sobre o desafio do governo Lula de tirar novamente o país do Mapa da Fome, restaurando o sistema de segurança alimentar que o ex-presidente Jair Bolsonaro desmantelou.

O texto ressalta o papel da ex-secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, nessa missão. Ela assumiu a Secretaria Extraordinária de Combate à Pobreza e à Fome, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS). Leia abaixo.

Ex-secretária-geral da FIAN Brasil lidera os programas de combate à fome do presidente Lula

Clara Roig

Valéria Burity defendeu o direito à alimentação por quase oito anos como secretária-geral da FIAN Brasil. Agora, com uma posição-chave dentro do novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela tem o desafio de restaurar os programas de segurança alimentar desmantelados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e promover a soberania alimentar em um país onde 50% da população enfrenta algum grau de insegurança alimentar.

Em 2022, o Brasil retornou ao Mapa da Fome da Organização da Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) após oito anos de ausência. A ex-secretária-geral da FIAN Brasil Valéria Burity enfrenta agora o desafio de restaurar o sistema de segurança alimentar que o ex-presidente Jair Bolsonaro desmantelou. Este sistema é composto pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), um órgão-chave de consulta que reúne a sociedade civil e o governo, a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Esta estrutura institucional existe tanto em nível estadual quanto municipal. O Consea, por exemplo, foi restabelecido em 28 de fevereiro de 2023 pelo presidente Lula num esforço para incluir uma diversidade de vozes na luta contra a fome.

Durante a presidência de Bolsonaro, os níveis de fome dispararam, embora o Brasil seja um dos quatro maiores produtores de alimentos do mundo. A FAO colocou o país novamente no Mapa da Fome quando o número de pessoas que sofrem de fome crônica subiu de 2,5% para 4,1%. Quase um terço da população (30%) tem dificuldades para obter alimentos e 15% (33,1 milhões de pessoas) passam fome todas as noites, de acordo com um relatório da Rede Penssan.

O número de pessoas que passam fome quase dobrou entre 2019 e 2021, após 24 anos consecutivos de queda na insegurança alimentar. Algumas das causas incluem o desmantelamento dos programas alimentares por Bolsonaro, as políticas neoliberais do presidente Michel Temer de 2016 a 2018 que encorajaram a captura corporativa de terras e recursos naturais, uma forte redução dos gastos do governo com o bem-estar social, a crise da Covid-19 e o aumento global dos preços dos alimentos.

Agora, o governo de Lula pretende corrigir o agravamento da situação da fome. O presidente declarou que esta é uma das principais prioridades do novo governo, criando uma câmara para coordenar as ações de 24 ministérios que trabalham para acabar com a fome. Valéria Burity coordenará esta tarefa como secretária extraordinária de Combate à Fome no Ministério do Desenvolvimento Social.

Seu primeiro objetivo é reconstruir as estruturas e instituições federais desmanteladas por Bolsonaro que se dedicaram a garantir o direito à alimentação e à nutrição. Ao lado do Consea e da Caisan, existe o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), que incluirá medidas emergenciais e estruturais.

Todas estas instituições trabalharão em conjunto para formar um plano de emergência para reduzir a fome através de uma série de ações. Estas incluem um aumento no orçamento do programa de combate à pobreza Bolsa Família e no salário mínimo, mais fundos para tornar as refeições escolares mais saudáveis e programas para de compras estatais da produção dos pequenos agricultores.

No entanto, os vetores estruturais da insegurança alimentar, tais como desigualdades acentuadas e racismo, e a concentração da terra também precisam ser abordados para garantir uma alimentação adequada e nutritiva. Há também planos de reforma agrária redistributiva para garantir o direito à terra das comunidades rurais mais afetadas pela fome, reformas tributárias para combater as desigualdades e o estabelecimento de reservas alimentares para combater a volatilidade dos preços dos alimentos. Todas estas ações serão direcionadas para a reestruturação dos sistemas alimentares. Em nível pessoal, Valéria Burity avalia que os pesticidas passaram por uma grande liberalização nas últimas décadas e que este “é um dos desafios para garantir uma alimentação adequada”.

Burity entende que esta será uma tarefa desafiadora, especialmente em um governo de coalizão sem uma visão comum sobre a importância da soberania alimentar e outras questões subjacentes relacionadas ao direito à alimentação. “Esta não é uma tarefa fácil”, explica ela, “mas Lula está muito empenhado em acabar com a fome, e nós temos o apoio de uma sociedade civil forte”.

Acesse o texto original e conteúdos complementares em inglês.

Titulação reforça luta da comunidade de Brejo dos Crioulos

Foto: Léo Lima
Foto: Léo Lima

Brejo dos Crioulos, no norte de Minas Gerais, conseguiu a titulação parcial de seu território duas décadas depois de reivindicar o reconhecimento como comunidade quilombola. A luta dos moradores e moradoras contou por oito anos com apoio sistemático da FIAN Brasil, ao lado de entidades e movimentos que atuam na região.

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou no dia 21 a documentação que titula 2.292 hectares da área – dos 17.302 reivindicados e já reconhecidos como de tradicional ocupação – em cerimônia com a presença da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, entre outros ministros. O evento marcou o lançamento do programa Aquilomba Brasil e de mais seis medidas pela igualdade racial. O governo estima que 214 mil famílias e mais de 1 milhão de pessoas no Brasil sejam quilombolas.

“É alguma coisa, né?”, comenta o presidente da Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos, Francisco Cordeiro Barbosa, o Ticão. “Foi mais um ato político, uma prestação de contas. Para mostrar que o governo está fazendo e vai fazer.”

Situada nos municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, Brejo dos Crioulos foi a primeira comunidade quilombola reconhecida no governo Dilma Rousseff. O decreto presidencial, de setembro de 2011, desapropriava terras em favor da comunidade. “Foi uma vitória importantíssima da mobilização coletiva, mas se passaram anos sem novos avanços”, comenta a ex-coordenadora de acompanhamento de casos da FIAN Jônia Rodrigues de Lima.

Ticão lembra que havia no perímetro 74 proprietários individuais, entre quilombolas e não quilombolas. Ele conta que as 13 maiores fazendas foram desapropriadas, mas restam as médias e pequenas. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] nos deu a o contrato de concessão de direito real de uso, o CCDRU, delas, e agora o título de duas das fazendas”, explica. “Mas a titulação coletiva e definitiva do território só vamos ter quando terminarem as desintrusões.”

Por meio do CCDRU a administração pública transfere a um particular ou grupo o direito real de usar um imóvel rural de sua propriedade. A desintrusão consiste na retirada daqueles/as que não pertencem àquela coletividade, com indenização (quando se conclui pela boa-fé da ocupação) ou sem. Muitas contestações arrastam-se na Justiça. “Vejo que o governo vai terminar o serviço”, diz o líder comunitário.

Atuação da FIAN

Jônia Rodrigues recorda que a FIAN começou a acompanhar o caso ativamente em 2008 a pedido de organizações com base na região, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), além do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea-MG) e da Rede de Educação Cidadã (Recid).

“Tivemos um papel na articulação entre esses atores e contribuímos para levar a situação a instâncias federais e internacionais”, conta. “Conseguimos, por exemplo, que o José Carlos [de Oliveira Neto], o Véio, então presidente da associação quilombola, fosse ouvido na Comissão Interamericana de Direitos Humanos [Cidh]. E que o relator nacional de Direito Humano à Alimentação Adequada, Clovis Zimmermann, visitasse o território para documentar sua realidade.”

Para o cofundador da FIAN Brasil Irio Conti, é um dos casos exitosos que mostram os resultados do acompanhamento de lutas pela terra: “São casos que se estendem ao longo de anos, mas que ao final representam uma conquista muito importante daquela população”. Ele cita a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (em Roraima) como área contínua, em 2009, como outra vitória que teve contribuição relevante da organização, da qual foi o primeiro presidente (2000-2004).

Em 2017, a FIAN Brasil lançou um diagnóstico de violações de direitos e da situação de soberania e segurança alimentar e nutricional (SSAN) da comunidade e participou de missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) ao local. O trabalho de campo deu origem a um comitê de acompanhamento das medidas para enfrentar os problemas constatados.

Seminário pensa caminhos para PL que exige respeito de empresas a direitos humanos

A FIAN Brasil participou, nos dias 14 a 16, do seminário “Direitos Humanos e Empresas, o Brasil na Frente”. As discussões buscaram contribuir para o aprimoramento e a aprovação do Projeto de Lei (PL) 572/22, que institui a Lei Marco Nacional de Direitos Humanos e Empresas no Brasil.

Foto: Oxfam Brasil

O evento, com participação do ministro Silvio Almeida e da jurista Deborah Duprat, reuniu representantes de diversas organizações civis e pesquisadores/as. Foi organizado por entidades e movimentos que integram a campanha “Essa Terra Tem Lei – Direito Para os Povos e Obrigações para as Empresas” – Oxfam Brasil, Amigos da Terra Brasil, Central Única dos Trabalhadores (CUT), Fundação Friedrich Ebert (FES), Homa – Centro de Direitos Humanos e Empresas e Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

“Para nós, participar é reafirmar a primazia do direito humano, incluindo o da alimentação, sobre a atividade empresarial.”, comenta o assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos “A organização das cadeias de valor globais sem atenção devida aos direitos humanos conforma sistemas alimentares desiguais, nos quais o Dhana [direito humano à alimentação e à nutrição adequadas] e outros direitos são negados.”

“O PL 572 propõe regras vinculantes – não apenas voluntárias – para as empresas, em diálogo com discussões globais como aquela de que participamos em torno do tratado sobre o assunto em Genebra”, acrescenta Vasconcelos.

Questão de Estado

Na mesa de abertura, Silvio Almeida afirmou que seu ministério vai criar um grupo de trabalho com as pastas da área econômica para incluir o tema na Política Nacional de Direitos Humanos. “Nossa luta é para que a questão dos direitos humanos e empresas seja uma política do Estado brasileiro, para que possa ser disseminada por toda a atividade econômica e empresarial brasileira”, disse. Também

O evento divulgou uma cartilha sobre a proposta, que aborda também a arquitetura da impunidade corporativa no Brasil. Foram realizadas, ainda, mesas sobre a atual legislação brasileira e sobre marcos normativos vinculantes no mundo.

Foto: Oxfam Brasil

Sociedade civil exige cancelamento de decisão que libera cultivo e comércio de trigo transgênico no Brasil

Documento apontando perigos do trigo HB4 à soberania alimentar, à saúde, à biodiversidade e à economia do país foi protocolado junto ao governo federal e a órgãos da Justiça. Organizações reivindicam audiência com ministérios e denunciam que aprovação do trigo transgênico foi feita sem análises de riscos

Foi enviado ao Presidente do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), o Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Rui Costa, um ofício reivindicando o cancelamento da liberação do cultivo de trigo transgênico HB4 e a importação de farinha de trigo transgênico HB4. Assinado por um coletivo de organizações, redes e movimentos sociais, o documento, protocolado nesta segunda-feira (20), reúne informações sobre ilegalidades e violações no processo de aprovação do produto geneticamente modificado, além de perigos à saúde, à biodiversidade, à economia e à soberania alimentar, já que o trigo faz parte da base da alimentação da população brasileira. O texto também foi entregue a outros 10 Ministérios que compõem o CNBS, ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos.

A aprovação do plantio do trigo transgênico no Brasil ocorreu, no último 1º de março, pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), instância responsável pela liberação de organismos geneticamente modificados. As organizações denunciam que a decisão foi tomada sem que houvesse análises técnicas e debates públicos suficientes. Diante da situação, as entidades requerem audiência com as ministras e os ministros que compõem o Conselho e cobram a suspenção dos efeitos da decisão da CTNBio. Reforçam ainda que, muito além de uma questão técnica, a aprovação de biotecnologias no país deve necessariamente incluir a participação de diferentes setores da sociedade.    

 Ilegalidades e perigos à biodiversidade

As organizações que assinam o ofício – entre elas, a FIAN Brasil – denunciam que as liberações da importação da farinha e do cultivo do trigo transgênico HB4 violam a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005 e o Protocolo de Cartagena, um dos instrumentos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O Brasil aderiu ao tratado internacional, mas a Argentina não. Portanto, o processo para a aprovação do produto transgênico no país vizinho deveria se adequar às exigências da legislação brasileira, que são mais rígidas. A decisão tomada pela CTNBio, ainda composta por membros indicados por ministérios do governo de Jair Bolsonaro (PL), surpreendeu, em especial, por se basear em um processo anterior, de 2021, aberto exclusivamente, como afirmava a própria Comissão, para a importação da farinha de trigo transgênica da Argentina, e não para o cultivo do trigo HB4 em território brasileiro.

“A Lei de Biossegurança brasileira estabelece, por exemplo, procedimentos e estudos diferentes para as distintas finalidades de uso, ou seja, as avaliações sobre o consumo ou plantio do trigo transgênicos deveriam ser feitas de forma separada. Trata-se de uma ilegalidade que já faz com que a decisão possa ser anulada”, explica Larissa Packer, da organização internacional Grain.

A única audiência sobre o trigo transgênico realizada até hoje pela CTNBio trouxe informações consideradas inconsistentes pelas entidades. O HB4, por exemplo, é modificado para tolerar o glufosinato de amônio, que é altamente tóxico e poderá chegar à mesa da população na forma de pães, massas, pizzas, bolos, salgados, biscoitos, entre outros alimentos de consumo massivo. Ainda assim, não foram ouvidos especialistas em defesa dos direitos de consumidores e consumidoras.

“O processo apresenta informações inconsistentes e até falas equivocadas em audiência pública sobre a farinha de trigo transgênica, o que viola o princípio da legalidade, transparência, participação social e publicidade. Nesta audiência também não houve participação de representantes dos consumidores, o que é indicado na legislação”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos e integrante do o Grupo de Trabalho (GT) Biodiversidade da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Naiara Bittencourt.

Além disso, o representante da empresa argentina demandante da liberação do produto no Brasil chegou a desvincular o cultivo do trigo transgênico do referido agrotóxico. Curiosamente, a própria Bioceres recomendava em seu site a quantidade mínima do herbicida para seu plantio: dois litros por hectares.

Outra preocupação se refere à ausência de estudos nos diferentes biomas do país, o que impede a avaliação sobre o desempenho agronômico do trigo geneticamente modificado, assim como a previsão de riscos ao meio ambiente. Não se comprovou, por exemplo, a efetividade de seu desempenho em áreas de seca, um dos principais argumentos do lobby favorável ao trigo transgênico. “Não houve pesquisas de campo e análises sobre possíveis efeitos adversos à biodiversidade. A eterna promessa envolvendo mais produtividade com menos oferta de água nunca se cumpriu com a soja ou o milho transgênico. Vai se cumprir com o trigo?”, questiona o agrônomo Leonardo Melgarejo, que também integra o Grupo de Trabalho da ANA.

Fome e comida mais cara

As organizações também contestam à ideia de que o trigo transgênico seria necessário no combate à fome, problema que atinge pelo menos 33 milhões de pessoas no Brasil, como aponta pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN). Defendem que a introdução do produto no Brasil poderia custar alto economicamente, já que estaria atrelada ao pagamento de royalties às empresas titulares da biotecnologia transgênica. Apesar de ser uma empresa argentina, a Bioceres possui capital aberto na Bolsa de Valores de Nova Iorque e alianças com transnacionais do ramo da alimentação, como Monsanto e Syngenta. Nesse contexto, o trigo HB4 poderia tornar o Brasil mais vulnerável às oscilações do mercado internacional para estruturar sua política alimentar. O impacto da aprovação de trigo transgênico, portanto, recairia no valor da comida. Cabe destacar que, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil fechou 2022 com mais que o dobro da inflação sobre os alimentos e bebidas (11.64%), face à inflação geral (5,79%). 

“Também não se comprovou a real possibilidade de segregar o trigo transgênico em suas etapas de cultivo, transporte, armazenamento e processamento. Assim, a biotecnologia transgênica poderia rapidamente se tornar totalitária. Como os plantios convencionais ou agroecológicos ficariam constantemente suscetíveis à contaminação, os direitos de agricultoras e agricultores seriam violados”, aponta Leonardo. Nessa situação, o poder de escolha sobre qual tipo de trigo cultivar ou quais insumos utilizar na produção estaria inviabilizado, já que a transgenia é dependente de agrotóxicos. Ainda que fosse possível separar o HB4 das outras culturas de trigo, as organizações ressaltam que tal ação demandaria ainda mais custos à agricultura convencional, orgânica ou agroecológica, o que, mais uma vez, poderia recair no preço dos alimentos no país.

Reprodução: Terra de Direitos