Aliança lança carta com contribuições às candidaturas para que Brasil saia do mapa da fome com alimentação adequada e saudável

Em um contexto de aumento da fome, da inflação de alimentos e de agravamento de doenças crônicas associadas à má-alimentação, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável acaba de lançar uma carta com propostas para que candidaturas às eleições 2022 garantam o direito humano à alimentação adequada para todos e todas. O documento pode ser acessado – e enviado para as candidaturas à presidência – pelo site: http://www.alimentacaosaudavel.org.br/candidata-e-candidato-o-que-tem-no-seu-prato

“O objetivo é contribuir para a reconstrução de um Brasil sem fome e com comida de verdade para todas, todos e todes, humana, equitativa, sustentável e democrática, onde a segurança alimentar e nutricional seja tratada como prioridade absoluta nas políticas públicas”, afirma a carta.

As propostas estão organizadas em quatro eixos: promoção, proteção e apoio à amamentação e à alimentação complementar saudável nos primeiros anos de vida; implementação de medidas regulatórias, incluindo fiscais, que desestimulem o consumo de alimentos não saudáveis para possibilitar escolhas e práticas alimentares saudáveis pela população; incentivos e apoio à produção e comercialização locais e à democratização do acesso a alimentos adequados e saudáveis, priorizando a agricultura familiar e a produção de base agroecológica como instrumentos para combate à fome no Brasil, e garantia do acesso à água como direito humano e bem comum com proteção do meio ambiente.

Como recomendação geral está o fortalecimento de políticas já implementadas como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e as demais políticas e planos de ação do setor saúde, educação, agricultura, entre outras, que se relacionam com a agenda de alimentação e nutrição. “É, sobretudo, urgente que seja retomada a implementação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), nas bases originais da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. É necessário que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional Nacional (CONSEA) seja reinstalado, assim como a Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (CAISAN) e que seja realizada a 6ª Conferência Nacional de SAN de maneira a definir as prioridades para o 3º Plano Nacional de SAN”, afirma o documento.

Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável

Insegurança alimentar é o tema do VII Concurso de Redação da DPU

Com o tema “Prato feito: alimentação de qualidade é sinal de dignidade”, a Defensoria Pública da União (DPU) lançou nesta quinta-feira (18), a 7ª edição do concurso de redação. O torneio é promovido pela DPU em parceria com a FIAN Brasil, a Fundação Pitágoras e o Departamento Penitenciário Nacional, entre outras instituições.

Podem participar do concurso alunos do ensino fundamental e médio, incluindo estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Além dos adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação e os adultos privados de liberdade em instituições estaduais, desde que estejam devidamente matriculados em escola da rede pública ou de ensino técnico. Os internos das penitenciárias federais também podem participar.

As inscrições para participar da iniciativa vão de 19 de setembro a 28 de outubro. Todos os trabalhos devem ser inéditos, feitos individualmente e enviados no formulário de redação que será disponibilizado no site do VII Concurso da DPU. Também precisam estar identificados e não fugirem do tema proposto. Entre as premiações estão videogames, smartphones e tablets.

A alimentação adequada é um direito humano fundamental para que a população viva com saúde e dignidade. O defensor público-geral federal, Daniel Macedo, pontua que a educação é emancipatória. “A gente já fica imaginando uma criança, adolescente ou adulto redigindo uma redação sobre esse tema atual e importante na vida das pessoas. Nós abraçamos esse projeto e a educação é um trabalho de conscientização cidadã”, ressaltou.

A presidente da Fundação Pitágoras, Helena Neiva, reforçou em seu discurso a importância de somar formas com instituições de diferentes áreas. “É importante caminharmos na mesma direção para incluirmos pessoas e promovermos a esperança. Especialmente a área prisional é um lugar de profundo sofrimento e exclusão. Fazer isso por meio da redação é uma oportunidade incrível”, pontua.

O defensor público federal e secretário-geral de articulação institucional da DPU, Gabriel Travassos, reforça que o concurso de redação é uma forma de exercitar a criatividade e falar sobre direitos humanos. “Vamos receber redações de todos os estados do Brasil. Acreditamos na importância de discutir política pública de maneira efetiva e usamos a educação como estratégia”, afirmou.

Acordo

No lançamento do projeto, a DPU assinou um acordo de cooperação técnica com a Fundação Pitágoras, responsável por indicar parte da banca examinadora do concurso. Ao todo, cerca de 200 estudantes de Direito irão ler os textos dos participantes e selecionar os vencedores. Os critérios utilizados serão a criatividade, o conteúdo, a originalidade, a pertinência temática, a clareza no desenvolvimento das ideias, e a correção ortográfica e gramatical do texto.

Cronograma completo do concurso

• Início das inscrições do concurso de redações: 19/9/2022
• Fim das inscrições e do prazo de envio das redações: 28/10/2022
• Início das correções: 31/10/2022
• Fim das correções: 02/12/2022
• Publicação e divulgação do resultado: 24/01/2023

Defensoria Pública da União

Foto: Pedro Vasconcelos/FIAN Brasil

Veto comprova que Bolsonaro é inimigo da alimentação escolar, afirma observatório

ÓAÊ critica veto à LDO que barrou reajuste de 34% e pede que Congresso derrube decisão

O Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) publicou manifestação em que lamenta profundamente o veto do presidente da República, Jair Bolsonaro, ao reajuste de 34% aprovado pelo Congresso Nacional para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A entidade pede que os e as parlamentares derrubem essa decisão – a análise dos vetos presidenciais é uma prerrogativa do Poder Legislativo.

Em seu artigo 25, parágrafo 3°, o projeto para a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), na redação votada pelos deputados/as e senadores/as, reajusta os valores per capita do Pnae pela inflação (IPCA) acumulada desde a última atualização (2017).

“A aprovação desse artigo pelo Congresso Nacional foi resultado de forte pressão da sociedade civil, e do compromisso de parlamentares de diferentes partidos, mobilizados em função da perda do poder de compra do Pnae, diante da crescente inflação dos alimentos”, ressalta o documento.

O texto acrescenta que, num cenário em que 33 milhões de brasileiros/as passam fome, a medida demonstra a total falta de compromisso desse governo com estudantes e famílias em todo o país. “A insegurança alimentar grave (fome), em domicílios com crianças menores de 10 anos, subiu de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2022. A essas crianças, que têm na alimentação escolar uma das mais importantes refeições do dia, está sendo negado o direito à alimentação.”

Saiba mais em nota técnica elaborada com a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

Para saber o quanto seu estado ou município deixará de receber caso o veto de Bolsonaro não seja derrubado, multiplique por 0,34 o valor transferido, em 2022, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Escola (FNDE).

Essa informação você encontra aqui: https://www.fnde.gov.br/sigefweb/index.php/liberacoes

Sobre o observatório

Fundado em fevereiro de 2021, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) resulta de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Sua secretaria executiva é hoje formada pela FIAN Brasil e pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

O comitê consultivo reúne 12 entidades: ActionAid, Aliança por uma Alimentação Adequada e Saudável, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Comissão de Presidentes de Conseas Estaduais (CPCE), Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Rede de Mulheres Negras para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).

Parlamento Europeu reitera a importância de “garantir os direitos dos povos indígenas à terra, territórios e seus meios de subsistência tradicionais”

No dia 7 deste mês, o Parlamento Europeu aprovou resolução em que condena veementemente o estarrecedor assassinato dos povos indígenas no Brasil e de defensores indígenas e ambientalistas, a exemplo do que ocorreu com o ativista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Sobre o caso, os eurodeputados destacaram a necessidade de investigação imediata, exaustiva, imparcial e independente por parte das autoridades brasileiras.

A resolução, debatida em caráter de urgência (assista a votação), traz ampla fundamentação legislativa, jurídica e histórica, além de acordos internacionais, para exigir medidas urgentes e adequadas do Estado brasileiro para prevenir novas violações aos direitos humanos dos povos indígenas que vivem no país. 

Segundo o documento, o Parlamento reitera a importância de “garantir os direitos dos povos indígenas à terra, territórios e seus meios de subsistência tradicionais, bem como para protegê-los de todas as formas de violência e discriminação”, além de “tomar medidas para acabar com a perseguição, a criminalização e a estigmatização dos povos originários e comunidades tradicionais”.

Na resolução, os representantes parlamentares estabelecem um elo entre o aumento da violência, o aumento das taxas de desmatamento e as políticas de Bolsonaro e as condenam de forma clara e inequívoca. Citam o grave desmonte de órgãos governamentais como a Funai e o Ibama, promovido pelo governo atual, e registram profunda preocupação com “os potenciais efeitos do projeto de lei PL 191/2020, conhecido como ‘projeto de lei da devastação’, e do projeto de lei PL 490/2007 sobre a demarcação de terras indígenas (…) que possam levar ao aumento do desmatamento e à destruição dos meios de subsistência dos povos indígenas”.

Guarani e Kaiowá

Em 29 de junho, a FIAN Internacional e a FIAN Brasil, com apoio de entidades-membro da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição, registraram por meio de carta ao Estado Brasileiro e governo de Mato Grosso do Sul o pedido de imediata apuração da operação de despejo ilegal e violenta promovida cinco dias antes (24/7) pela Polícia Militar do Mato Grosso do Sul contra os povos Guarani e Kaiowá, do tekoha Guapo’y, em Amambai. Na ocasião, os povos tradicionais haviam retomado parte de seu território e a ação policial culminou no assassinato de Vitor Guarani Kaiowá, além de deixar outras 10 pessoas feridas.

Cabe ressaltar que, no episódio, a força pública agiu sem autorização judicial e à revelia do ordenamento jurídico brasileiro, contexto que espelha o fracasso do Estado brasileiro por não cumprir o dever de regular, proteger e demarcar as terras indígenas, cujo arcabouço legal registrado na Constituição de 88 consagra o direito original dos povos indígenas às suas terras ancestrais, sem qualquer tipo de limitação de tempo para o reconhecimento desse direito.

Poucos dias depois, em 4 de julho, uma segunda carta relatou às autoridades um novo episódio de violência contra os povos originários, na mesma região do MS, em que outro indígena foi morto, Márcio Pereira. O documento reitera o pedido de medidas legais para o fim imediato das constantes violações aos direitos dos tekoha Guapo’y, Kurupi/Santiago Kue, Dourados-Amambai Pegua II e povos indígenas Guarani e Kaiowá em geral.

As cartas também foram encaminhadas em cópia para entidades relevantes dos sistemas de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Interamericano de Direitos Humanos e da União Europeia. Em resposta à FIAN Internacional, a assessoria de eurodeputada Anna Cavazzini reafirmou o interesse e compromisso do Parlamento Europeu em acompanhar de perto a questão. 

Saiba mais

Carta exige apuração imediata e responsabilização civil e penal sobre ação violenta de policiais dirigida a povos indígenas do tekoha Guapo’y

Agrava-se a situação dos povos Guarani e Kaiowá que sofrem com mais um líder indígena assassinado e persistente omissão do Estado

Brasil: FIAN condena recentes ataques à comunidade indígena Guapoy

Parlamento Europeu condena mortes no AM e falas de Bolsonaro

Publicação: O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá

FIAN Brasil

Foto: Genevieve Engel/European Union 2022

Agrava-se a situação dos povos Guarani e Kaiowá que sofrem com mais um líder indígena assassinado e persistente omissão do Estado

Desde a retomada de parte do território Guapo’y pelos povos indígenas ante a omissão do Estado em demarcar os territórios tradicionais, a cada dia tem se agravado a situação dos Guarani e Kaiowá que vivem em Amambai, no Mato Grosso do Sul. Eles sofrem severo quadro de violência e discriminação, o que os leva a viver em condições precárias, muitas vezes desumanas, em que seus direitos são sistematicamente violados.

Dessa vez, a violência contra a comunidade Guapo’y Mirim Tujury e o tekoha Kurupi/São Lucas culminou na morte do líder indígena Márcio Pereira, na última quinta-feira (14), segundo denúncia da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh). Esta é a mesma comunidade na qual Vitor Guarani Kaiowá foi assassinado há menos de um mês, em operação de despejo ilegal e violenta realizada pela Polícia Militar do MS.

Em 29 de junho, a FIAN Internacional e a FIAN Brasil, com apoio de entidades de diversas regiões do mundo, integrantes da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição, formalizam carta a autoridades públicas do Brasil e do MS para exigir que sejam imediatamente cessadas e apuradas as violentas ações dirigidas a tekoha Guapo’y e ao povo indígena Guarani e Kaiowá.

No último dia 4, uma nova carta relata às autoridades novos episódios de violências contra os povos originários e reitera o pedido de medidas legais para que sejam imediatamente cessadas as constantes violações aos direitos dos tekoha Guapo’y, Kurupi/Santiago Kue, Dourados-Amambai Pegua II e povos indígenas Guarani e Kaiowá em geral.

A carta também reivindica investigação e responsabilização civil e criminal dos responsáveis pelos ataques, uma abordagem em prol do fim da violência estrutural e da discriminação contra os povos Guarani e Kaiowá, e que se assegure a demarcação dos territórios tradicionais.

Atuação pública

Recentemente, o juiz federal do caso negou a reintegração de posse aos fazendeiros. Ele usou um dos argumentos defendidos pela FIAN Brasil, de que é responsabilidade da União, e não do estado do MS, intervir na histórica luta pela ocupação e demarcação de terras indígenas pelos povos originários. 

“Tratando-se de conflito coletivo de disputa indígena pelas terras tradicionalmente ocupadas por seus povos, a competência federal se impõe e afasta qualquer margem de atuação de órgãos de segurança pública local por conta própria. A Polícia Federal é a autoridade policial judiciária e ostensiva neste tipo de situação, de modo que não se pode admitir que as forças locais atuem sem a liderança dela, ou sem ordens judiciais. Esse tipo de atuação apenas agrava o conflito e parece acelerar as urgências para concessão de liminares, com pressões populares, midiáticas e de autoridades”, registra o magistrado.

Saiba mais

CNDH publica nota em que condena ações violentas contra povos Guarani e Kaiowá na ocupação Guapoy em Mato Grosso do Sul

Liderança Kaiowá-Guarani sobrevivente do chamado “Massacre de Guapoy” é assassinada por homens armados; outras duas ficaram feridas

Indígena Guarani Kaiowá é morto em área de conflito de terra, semanas após morte durante ação policial no local

Indígenas guarani-kaiowá denunciam novos ataques a tiros em MS

Publicação: O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá

FIAN Brasil 

Foto: Povos Guarani e Kaiowá, gentilmente cedida ao Cimi.

Série de vídeos de animação promove alimentação saudável na escola e na comunidade

Neste 13 de julho, dia do aniversário do Estatuto da Criança e Adolescente, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável tem a honra de lançar a série de vídeos “Promovendo a alimentação saudável na escola e na comunidade”. A série aborda a amamentação, alimentação saudável, hortas nas escolas, agroecologia, consumo consciente e direito humano à água, com conteúdo voltado ao público infanto-juvenil. Cada um dos vídeos, que está disponível no Youtube, também conta com um guia de conversa com o público, confira em https://bit.ly/WebserieAlimentacaoSaudavel

A série “Promovendo a alimentação saudável na escola e na comunidade” tem concepção e realização do Núcleo Rio Grande do Sul da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que reúne educadoras, profissionais da saúde, nutricionistas, agrônomos e ativistas do direito à alimentação do estado do RS.

O objetivo dos vídeos é promover uma alimentação adequada e saudável, contribuindo para redução dos índices de obesidade infantil e doenças crônicas não transmissíveis e melhorando o panorama da segurança alimentar e nutricional. Pedro e Bia são os personagens principais que, a partir dos temas propostos pela professora, tecem reflexões, circulam pelo ambiente da escola e da comunidade, e participam ativamente buscando soluções para os problemas que identificam.

Os vídeos educativos possuem cerca de 2 minutos de duração e abordam cada um dos temas valorizando a diversidade de raça, gênero e povos. E podem ser utilizados por profissionais da nutrição ou educação como recurso de educação alimentar e nutricional em escolas, ou em diferentes espaços e atividades, como semana do meio ambiente, semana da alimentação, colônias de férias, em espaços de formação popular, entre outros. 

A websérie “Promovendo a alimentação saudável na escola e na comunidade” e os guias de conversa são uma ação ativista de integrantes do Núcleo Rio Grande do Sul da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável e colaboradores convidados, e conta com o apoio da ACT Promoção da Saúde e do Instituto Ibirapitanga.

Fonte: Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável

Painéis trazem explicações de relatores da ONU sobre problemas nos sistemas alimentares

Para uso por comunidades, movimentos e organizações, a FIAN Internacional sintetizou em perguntas e respostas algumas das principais mensagens de documentos de três relatores especiais de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU): Michael Fakhri, David Boyd e Marcos Orellana. Cada seção da entidade criou materiais visuais pensando na realidade do seu país, sem esquecer o quadro global. E nós, da FIAN Brasil, montamos com a designer Patrícia Nardini dois painéis que você pode imprimir ou compartilhar, como carrosséis de redes sociais, no Facebook e no Instagram.

Baixe aqui os dois painéis. Cada um pode ser impresso como um A3 frente e verso, para dobrar em seis, ou como dois A3, para fixar como cartazes, ou, ainda, montado como um pôster A2 (formato maior) vertical.

São conteúdos que tratam dos problemas nos sistemas alimentares hegemônicos (ou seja, que predominam hoje), chamados industriais ou corporativos, pela abordagem do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Muitas dessas questões você já deve conhecer ou desconfiar, e é muito possível que sua comunidade já pratique os caminhos aqui descritos.

Estamos falando de práticas ligadas à agroecologia, à comida de verdade e à regeneração dos ecossistemas, que deveriam receber apoio dos governantes, legisladores e operadores da Justiça para estar no centro, e não nas bordas, dos modos de produzir, processar, comercializar, preparar e consumir alimentos, que deveriam ser condizentes com as necessidades das atuais e das futuras gerações. Temos que fazer pressão para uma transição com esse horizonte.

Sobre os/as especialistas

Os relatores e relatoras especiais são especialistas independentes a quem o Conselho de Direitos Humanos da ONU concede um mandato para vigiar, aconselhar, examinar e informar publicamente sobre uma questão específica (relatorias temáticas) ou sobre questões de direitos humanos em um determinado país (relatorias por países).

Eles/as visitam países para investigar denúncias de violações de direitos humanos e podem se dirigir aos Estados para pedir informações e formalizar recomendações. Também atuam na conscientização da população. Apresentam relatórios anuais ao Conselho de Direitos Humanos e, muitas vezes, à Assembleia Geral da ONU.

Michael Fakhri é o atual relator sobre o Direito à Alimentação; David Boyd, do Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável; e Marcos Orellana acompanha o tema das Substâncias Tóxicas.

Para mergulhar mais no tema  

Leia abaixo as perguntas e respostas preparadas pela FIAN Internacional, que aprofundam o assunto sem complicar a linguagem. E saiba mais sobre o poder das grandes empresas na história em quadrinhos A Captura Corporativa de Sistemas Alimentares.

O problema com o sistema alimentar industrial
e como “consertá-lo”

O sistema alimentar industrial (ou corporativo) prejudica as pessoas e o planeta e afeta nossa capacidade de alimentar a nós mesmos, nossas famílias e nossas comunidades de maneira saudável, sustentável e digna.

Os relatores especiais da ONU sobre o Direito à Alimentação, sobre o Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável e sobre Substâncias Tóxicas descreveram os principais problemas com o sistema alimentar industrial (ou corporativo), em particular no que diz respeito à destruição ambiental e violações de direitos humanos relacionadas. Eles também delinearam o que os governos devem fazer para avançar em direção a práticas agroecológicas sustentáveis, saudáveis ​​e justas que apoiem o direito à alimentação e nutrição e os direitos humanos de forma mais ampla.

I
Qual é o problema com o sistema alimentar industrial?

“O mundo tem sido dominado por corporações em sistemas alimentares que usam a riqueza para gerar mais riqueza, em vez de usar a vida para gerar mais vida.” (Fakhri, p. 9)

Existem muitos problemas com a forma como os alimentos são produzidos, processados, distribuídos, preparados e consumidos em nossos sistemas alimentares. Estes incluem a destruição de ecossistemas, exploração de trabalhadores e alimentação e dietas insalubres.

O sistema alimentar industrial é dominado por corporações e é um dos principais contribuintes para a emergência climática, perda de biodiversidade, degradação do solo, esgotamento da água e poluição.

Esse sistema depende fortemente de produtos químicos e combustíveis fósseis e desloca e marginaliza as práticas agrícolas das comunidades camponesas que foram desenvolvidas ao longo de gerações e funcionam em harmonia com a natureza. Por meio de uma combinação de incentivos e políticas públicas e privadas, os pequenos produtores de alimentos estão cada vez mais dependentes de sementes comerciais, pesticidas e fertilizantes controlados por empresas poderosas. Essas empresas podem ditar preços e empurrar os camponeses para um sistema de “agricultura por contrato”, no qual perdem o poder de decisão sobre o que e como produzem. O sistema alimentar industrial também promove a apropriação de terras e recursos naturais, minando a capacidade das comunidades de se alimentarem.

Trabalhadores agrícolas e de alimentos são frequentemente explorados e expostos a pesticidas nocivos, e não são raros os casos de trabalho escravo e infantil.

O sistema alimentar industrial deixa as pessoas doentes com produtos alimentícios ultraprocessados agressivamente promovidos pela publicidade. Dietas não saudáveis ​​são responsáveis ​​por 10 milhões de mortes anualmente. Além disso, o uso indevido de antibióticos na pecuária e na aquicultura reduz o efeito desses medicamentos quando necessários para tratar humanos.

A cada dia, a indústria de alimentos ganha mais poder para moldar mercados e pesquisas e influenciar governos e políticas públicas a seu favor. Pode fazer isso com os bilhões que ganha com a exploração de recursos naturais e mão de obra barata.

Como o sistema alimentar industrial danifica nosso planeta?

O sistema alimentar industrial é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, desde as emissões e a destruição de sumidouros de carbono (por exemplo, plantas que podem armazenar carbono para que ele não entre na atmosfera). É responsável por até 37% das emissões globais de gases de efeito estufa que aumentam a temperatura do nosso planeta e levam a catástrofes, como pragas, inundações e secas. Muito disso acontece por meio do desmatamento, quando as agroindústrias convertem florestas em terras para a agricultura produzir commodities de exportação, como carne bovina, soja e óleo de palma.

A intensificação industrial da agricultura é uma “prática extrativa” que perturba as bases de nossos ecossistemas com impactos duradouros para nossos filhos e seus filhos. Isso inclui o uso excessivo de água doce, em particular pela indústria pecuária, e a poluição da água potável por meio de pesticidas, fertilizantes e dejetos animais. A agricultura industrial também é responsável pela poluição do ar e pela degradação e erosão do solo – ameaçando a própria base de nossa alimentação.

O sistema alimentar industrial destrói a diversidade biológica promovendo monoculturas (o cultivo de uma única cultura em um campo de cada vez), ameaçando os sistemas de sementes crioulas e promovendo dietas baseadas em uma gama muito estreita de culturas. A superexploração, a poluição e a destruição de áreas de pesca resultaram em um terço dos peixes de água doce ameaçados de extinção. O uso de agrotóxicos causou uma perda maciça de insetos e aves que se alimentam deles, desequilibrando o funcionamento da natureza.

O sistema alimentar industrial e a poluição, a destruição ambiental e o desmatamento que o acompanham forneceram um terreno fértil perfeito para doenças zoonóticas – doenças que passam de animais para humanos – como a Covid-19. As más condições de trabalho e os abusos ambientais na indústria alimentar também contribuíram para a sua propagação.

O que isso significa para o direito das pessoas à alimentação e direitos conexos?

Os impactos ambientais do sistema alimentar industrial aprofundam as desigualdades existentes e causam múltiplas violações dos direitos humanos.

A poluição da água, do ar, do solo e dos alimentos com produtos químicos tóxicos usados ​​na agricultura industrial tem efeitos de longo alcance na saúde de camponeses, trabalhadores, comunidades vizinhas e consumidores, podendo causar mortes prematuras.

Os agrotóxicos envenenam regularmente trabalhadores e camponeses. São responsáveis ​​por cerca de 200 mil mortes por envenenamento agudo a cada ano. Eles têm sido associados a doenças graves, incluindo câncer, derrames, anomalias congênitas e distúrbios neurodegenerativos, como a doença de Parkinson, e são particularmente prejudiciais para mulheres e crianças. As crianças expostas a agrotóxicos – por exemplo, quando trabalham em fazendas, brincam em solo contaminado ou bebem água contaminada – podem sofrer danos graves em seu desenvolvimento cognitivo e físico.

A poluição da água e o uso excessivo de água pela agricultura industrial também levam à escassez de água para as comunidades locais. Isso tem impactos diretos em seus direitos à água e à saúde. Também afeta seu direito à alimentação e nutrição, pois prejudica sua capacidade de cultivar e preparar alimentos e pode levar a doenças transmitidas pela água que afetam sua nutrição e saúde. A capacidade das comunidades de cultivar alimentos para si mesmas e ganhar a vida também é severamente prejudicada por sua exposição a mudanças e condições climáticas severas, desastres naturais e destruição do meio ambiente, incluindo a degradação do solo.

II
Como os sistemas alimentares devem ser transformados para garantir o direito à alimentação e à nutrição?

“(…) transformar os sistemas alimentares que exploram milhões de trabalhadores, prejudicam a saúde de bilhões de pessoas e infligem trilhões de dólares em danos ambientais é moral e legalmente imperativo para respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos.” (Boyd, 2021, p. 26)

Não podemos mais confiar no foco no crescimento econômico para superar a fome e a desnutrição. O direito a um ambiente saudável é protegido por lei na grande maioria dos países. Sistemas alimentares saudáveis ​​e sustentáveis ​​são um componente central desse direito, conforme confirmado por vários tribunais e instituições nacionais de direitos humanos em todas as regiões. Transformar os sistemas alimentares para se tornarem saudáveis, sustentáveis ​​e justos é essencial para enfrentar a crise ambiental global.

A agroecologia aborda muitas fraquezas do sistema alimentar industrial. Questiona as dinâmicas de poder (incluindo aquelas entre mulheres e homens), destaca a importância do acesso e controle das pessoas sobre o conhecimento e os recursos e leva a melhorias concretas no Dhana.

Essa abordagem imita processos ecológicos e interações biológicas. Muitas vezes produz rendimentos mais elevados do que a agricultura industrial. Como menos produtos químicos são usados, causa menos danos ao meio ambiente. Também corrige danos causados ​​pelo sistema alimentar industrial: reduz as emissões de gases de efeito estufa, recupera a saúde do solo, protege a diversidade biológica e diminui o risco de pandemias. Além disso, apoia a construção coletiva do conhecimento, aproxima consumidores e produtores, garante meios de vida dignos para as pessoas que trabalham nos sistemas alimentares e promove a equidade social.

O que os governos devem fazer para transformar os sistemas alimentares?

“Os efeitos ambientais devastadores dos sistemas alimentares industriais e as dietas não saudáveis ​​associadas ao gozo de uma ampla gama de direitos humanos dão origem a amplos deveres dos Estados de prevenir esses danos. Os Estados devem aplicar uma abordagem baseada em direitos a todas as leis, regulamentos, políticas e ações relacionadas à alimentação, a fim de minimizar os impactos negativos sobre o meio ambiente e os direitos humanos”. (Boyd, 2021, p. 17)

Os governos devem reduzir o uso de agroquímicos e banir os mais perigosos. Eles deveriam parar de exportar agroquímicos proibidos em seus próprios países. Eles devem introduzir regulamentações mais fortes e impostos mais altos sobre agroquímicos. O dinheiro desses impostos deve ser usado para apoiar os produtores na redução de agrotóxicos e na transição para a agroecologia. Os países precisam monitorar cuidadosamente a poluição por agroquímicos e seus impactos na saúde das pessoas.

Antibióticos devem ser permitidos apenas para tratamento veterinário individual de animais. A pecuária intensiva precisa acabar. É preciso haver regulamentações mais fortes para a agricultura industrial para evitar a propagação de doenças zoonóticas.

Os governos devem fornecer apoio técnico para práticas agrícolas que restaurem a saúde do solo, incluindo o uso de fertilizantes orgânicos, rotação diversificada de culturas e compostagem.

Eles devem adotar e fazer cumprir as leis para impedir o desmatamento e a conversão em terras agrícolas, ao mesmo tempo em que fazem isenções apropriadas para produtores de pequena escala. Devem estimular a diversificação de cultivos e torná-la obrigatória em grandes monoculturas. Os sistemas alimentares devem fazer parte das estratégias de biodiversidade.

Os governos devem proteger os sistemas de sementes dos camponeses (os direitos dos camponeses de salvar, usar e trocar sementes e raças de gado adaptadas localmente) e garantir que as leis nacionais e internacionais não os prejudiquem. Eles devem reviver e apoiar as variedades tradicionais e os conhecimentos e práticas ancestrais relacionados. Da mesma forma, devem proteger e restaurar a biodiversidade do mar.

As regras do comércio internacional precisam ser reformadas e os acordos agrícolas injustos devem ser encerrados. Novas regras comerciais devem ser baseadas na lei de direitos humanos, garantir a equidade e apoiar a transição para sistemas alimentares sustentáveis ​​e agroecologia.

Os governos devem investir na infraestrutura dos mercados territoriais nos níveis local, nacional e regional. Devem também apoiar cooperativas de produtores e consumidores que facilitem a troca de conhecimento e a adoção de práticas agroecológicas. Eles devem corrigir qualquer viés existente nas políticas que privilegiam os supermercados sobre os mercados informais de agricultores.

Os governos devem proteger e melhorar os produtores de alimentos de pequena escala, especialmente as mulheres, o direito à terra e outros recursos naturais – inclusive por meio da reforma agrária.

Eles devem desenvolver diretrizes sobre nutrição que integrem preocupações de saúde e sustentabilidade e implementar programas nacionais de refeições escolares gratuitas que forneçam alimentos saudáveis ​​a todas as crianças. Os alimentos para essas e outras instituições públicas (como hospitais) devem ser comprados de produtores locais e preparados nas cozinhas das escolas.

Os governos devem proibir a promoção de produtos alimentícios e bebidas ultraprocessadas para crianças e impor impostos e etiquetas de advertência para que as pessoas consumam menos.

A governança dos sistemas alimentares precisa mudar fundamentalmente. Os direitos e meios de subsistência dos mais desfavorecidos – incluindo aqueles que não têm acesso à terra e alimentos saudáveis ​​e sustentáveis, ou cujo direito a um ambiente saudável é ameaçado ou violado – precisam ser priorizados. Eles devem ser capazes de participar quando os governos fazem novas políticas sobre alimentos. Especialmente a participação das mulheres precisa ser fortalecida. A transformação dos sistemas alimentares deve ser baseada nas próprias soluções das pessoas, e não imposta de cima por “especialistas”.

Os governos devem incorporar o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e o direito a um ambiente saudável e sustentável nas leis nacionais com mecanismos para responsabilizar autoridades e empresas.

As declarações das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses (Undrop) e sobre os Direitos dos Povos Indígenas (Undrip) devem ser aplicadas quando os governos adotam novas leis e políticas. Da mesma forma, eles devem aplicar as Diretrizes sobre Posse e Pesca Sustentável em Pequena Escala para evitar a apropriação de terras, água e recursos naturais. Eles também devem garantir que os trabalhadores agrícolas e de alimentos sejam protegidos pelas leis trabalhistas.

O poder corporativo nos sistemas alimentares precisa ser reduzido, inclusive por meio de legislação que reverta a concentração excessiva. A conclusão das negociações de um acordo internacional para regular as corporações transnacionais também é fundamental para isso.

Os governos devem restringir o lobby corporativo e as doações da indústria de alimentos e suas associações empresariais, e outras tentativas de influenciar as políticas relacionadas aos sistemas alimentares.

Povos tradicionais pedem revogação de regulamentação estadual de consulta prévia ao Governo de MG

Povos e comunidades tradicionais, movimentos sociais, organizações e coletivos de direitos humanos junto a Frente Parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, enviaram um ofício às Secretarias de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), pedindo a revogação urgente da recente Resolução Conjunta 01/2022, que regulamenta a consulta prévia, livre e informada no Estado.

Na avaliação coletiva, a proposta de resolução foi construída sem participação popular e viola diretamente diversos aspectos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao criar diretrizes de como a consulta deve ser realizada aos povos tradicionais, quando houver medidas públicas e privadas que impactem seus modos de vida e territórios. 

A Convenção 169 da OIT é um tratado de direitos humanos que foi ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003 e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004, revogado pelo Decreto 10.088/2019. A Convenção garante a proteção e salvaguarda dos direitos de povos e comunidades tradicionais, garantindo-lhes, dentre outros, o direito à autoatribuição, o direito à consulta e à participação na tomada de decisões que possam trazer impactos ao seu modo de vida, às suas terras e territórios. 

Em avaliação coletiva, a sociedade civil divulgou nota técnica que destacam as principais violações da resolução conjunta, e um manifesto solicitando a revogação da norma. Após audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na qual representantes da sociedade civil se posicionaram, em unanimidade, pela revogação da medida, foi aberto em nome do Governo de MG uma consulta pública virtual para revisão da Resolução.

Para a assessora jurídica da Terra de Direitos, Alessandra Jacobovski, “essa consulta pública é um verdadeiro golpe aos setores sociais, uma vez que procura legitimar uma norma elaborada sem a participação dos povos e comunidades tradicionais do Estado de Minas Gerais, e repudiada pelos próprios interessados. Além do mais, a assessora destaca que “uma consulta pública virtual para consultar povos tradicionais não abarca as necessidades de comunidades que vivem em regiões afastadas do estado e também fere diretamente a Convenção 169 da OIT, ao delimitar ao formato virtual a consulta dos impactados pela resolução.” 

Para a deputada Leninha (PT/MG) que integra a Frente parlamentar em Defesa dos povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, que assina o ofício, “a Resolução, em seu cerne, viola brutalmente o direito dos povos e comunidades tradicionais à Consulta Livre, Prévia e Informada, na medida que ela dita um regimento autoritário, excludente e tendencioso para a escuta das populações tradicionais. Nossa crítica à Resolução vai além da violação à Convenção 169, pois ela retira obrigações, responsabilidades do Estado, a quem compete zelar pelos direitos coletivos, e declina-os para os interesses privados de grandes empreendimentos, colocando em risco não só os direitos dos povos mas a própria democracia.” Também assinam o documento os deputados(as), André Quintão (PT/MG), Ana Paula Siqueira (Rede/MG), Andréia de Jesus (PT/MG), Beatriz Cerqueira (PT/MG). 

Atualmente segue no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) um procedimento administrativo para apuração dos fatos em volta da resolução conjunta.

Irregularidades

A proposta do governo de Minas foi apresentada em abril deste ano sem nenhum tipo de diálogo com a sociedade civil e pegou de surpresa povos e comunidades tradicionais do estado, diretamente interessados na consulta prévia, livre e informada. Em nota técnica assinada por mais organizações, movimentos sociais e  povos tradicionais são apresentadas uma série de irregularidades existentes na Resolução Conjunta. Entre os principais direitos dos povos tradicionais violados estão:

1. Quando delimita que somente os povos tradicionais certificados pela Fundação Cultural Palmares, Funai e CEPCT/MG devem ser consultados;

A autoatribuição e a autodeterminação dos povos, prevista no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas (ONU), na Convenção 169 da OIT, na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da OEA; 

2.  Quando garante ao empreendedor privado de contratar, com recursos próprios, assessoria técnica especializada para realização da consulta;

O direito à consulta e ao consentimento prévio, livre e informado, de acordo com a Convenção 169, as Declarações sobre os Direitos dos Povos Indígenas, da ONU e OEA e a jurisprudência da Corte IDH, sobretudo ao dispor sobre a transferência da obrigação e competência exclusiva do Estado para o empreendedor privado; 

3. Quando estabelece prazos para realização da consulta prévia, livre e informada; 

A garantia da liberdade religiosa, por ignorar o calendário religioso específico de cada povo e comunidade tradicional, conforme o artigo 5º, VI e VIII da Constituição Federal;

4. Quando estabelece métodos para realização da consulta prévia, livre e informada;

Os direitos dos povos indígenas garante à organização social própria, usos, costumes, crenças e tradições, previstos no artigo 231 da Constituição Federal; A Convenção 169 da OIT garante que os métodos da consulta devem ser delimitados pelos povos tradicionais impactados. 

Na avaliação da apanhadora de flores sempre-viva e coordenadora da Comissão em Defesa dos Direitos da Comunidades Extrativistas (Codecex), Tatinha Alves, “embora a medida seja apresentada pelo estado como uma alternativa para garantir a consulta aos povos e comunidades tradicionais, as organizações e comunidades tradicionais destacam que o objetivo central da Resolução é facilitar o estabelecimento de empreendimentos nos territórios tradicionais do estado, atendendo aos interesses de empresas do ramo da mineração, agronegócio, entre outros.”

Impactos aos Povos Tradicionais

O mecanismo da consulta prévia apesar de garantido pela legislação brasileira, frequentemente é violado por empresas e pelo próprio estado. Em Minas Gerais, diversos empreendimentos já foram autorizados sem a realização de consulta prévia aos povos tradicionais. 

Na Serra do Curral foi dada à empresa Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) pelo Governo de Minas a permissão para que se instalasse na região sem a consulta à comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango, que fica em Belo Horizonte e é atualmente integrada por 37 famílias. Este caso teve ação ajuizada contra o estado pelo MPF no dia 20/06 pela falta de consulta à comunidade atingida. 

Para a liderança da comunidade quilombola, Makota Kidolaie, “não consultar os povos tradicionais, é um ato violento que ignora a nossa existência. O estado de Minas Gerais, não pode falar por nós e não pode fazer acordos absurdos de medidas compensatórias, em que uma violação legítima a outra. Somos contra esse modelo de consulta, e exigimos respeito e gerência sobre tudo que se diz respeito aos povos tradicionais.” 

Na comunidade quilombola Vargem do Inhaí, a cerca de 70km da cidade de Diamantina (MG), cerca de 28 famílias seguem ameaçadas pela perda de seu território pela sobreposição de um parque de conservação ambiental. O território comunitário está inserido na zona de amortecimento do Parque Nacional das Sempre-Vivas, com área de sobreposição de cerca de 6 mil hectares. A medida também foi apresentada sem consulta prévia à comunidade. 

Na avaliação da advogada popular do Coletivo Margarida Alves, Layza Queiroz, “a resolução limita o alcance do direito de consulta e chega ao absurdo de dizer que em  determinados casos se confia na boa fé do empreendedor para dizer se na área de impacto do empreendimento tem ou não povo tradicional. Como que a empresa, maior interessada no empreendimento, é também aquela legitimada a dizer se tem povo a ser consultado ou não? É visível como ela facilita pro empreendedor em detrimento do direito das comunidades.”

Fonte: Terra de Direitos

Foto: Ricardo Barbosa

Carta exige apuração imediata e responsabilização civil e penal sobre ação violenta de policiais dirigida a povos indígenas do tekoha Guapo’y

Nesta quarta-feira (29) a FIAN Internacional e a FIAN Brasil, com apoio de entidades de diversas regiões do mundo, integrantes da Rede Global pelo Direito à Alimentação e Nutrição, formalizam denúncia ao Estado brasileiro e ao governo de Mato Grosso do Sul sobre operação de despejo ilegal e violenta, realizada na última sexta-feira (24) pela polícia militar do Mato Grosso do Sul (MS) contra os povos Guarani e Kaiowá, do tekoha Guapo’y, localizado no município de Amambai.

Importante lembrar que com a promulgação da Constituição Federal em 1988, compete à União proteger as populações indígenas, assim como garantir a demarcação de seus territórios tradicionais. No entanto, segundo relato de indígenas e entidades indigenistas, após a retomada de parte do território Guapo’y pelos povos originários ante a omissão do Estado em demarcar as terras indígenas, forças policiais atuaram na expulsão dos Guarani e Kaiowá, acampados no local, sem que houvesse autorização judicial e à revelia do ordenamento jurídico brasileiro.

“O número de pessoas mortas e feridas ainda está sendo apurado, porém, de acordo com as últimas informações obtidas, há registro da morte de uma pessoa e de outras 10 pessoas feridas como resultado dessa ação”, registra o documento, que reúne subsídios da Grande Assembleia da Aty Guasu Guarani e Kaiowá, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Ministério Público Federal de Ponta Porã e de veículo de comunicação.

A carta aponta outros pontos de atenção, como declaração do secretário estadual de justiça e segurança pública do MS, em que culpabiliza e incrimina com argumentos insustentáveis os indígenas atacados pelas forças de segurança pública; e a tentativa das autoridades policiais de dificultar o atendimento prestado pelo serviço público de saúde local a indígenas feridos.

Na carta – encaminhada em cópia para entidades relevantes dos sistemas de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, Interamericano de Direitos Humanos e da União Europeia – a FIAN Internacional e a FIAN Brasil reivindicam investigação e providências imediatas por parte das autoridades públicas brasileiras. “Exigimos ao Estado Brasileiro que sejam imediatamente cessadas e apuradas as violentas ações dirigidas a tekoha Guapo’y e ao povo indígena Guarani e Kaiowá (…). Exigimos que sejam responsabilizadas civil e penalmente as pessoas que comandaram e/ou realizaram essas ações, com a maior brevidade possível”.

Por fim, o documento exige “o avanço na demarcação dos territórios indígenas e na adoção de outras ações de enfrentamento à violência e à discriminação que afetam, há décadas, o povo Guarani e Kaiowá”.

Leia a íntegra da Carta.

A FIAN Internacional atua há 35 anos pela realização do direito à alimentação e nutrição. Juntamente com a FIAN Brasil, acompanha a luta dos povos Guarani e Kaiowá há mais de uma década. Para saber mais, acesse a publicação “O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá”.

FIAN Brasil

Foto: Povos Guarani e Kaiowá, gentilmente cedida ao Cimi

Observatório faz propostas sobre sociobiodiversidade para novo governo e denuncia desmonte ambiental

Organizações e movimentos sociais que integram o ÓSócioBio, entre eles a FIAN Brasil, participaram de audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado, nesta quarta (22)

Em audiência na Comissão de Meio Ambiente do Senado, nesta quarta (22), organizações da sociedade civil e movimentos sociais que integram o Observatório da Economia da Sociobiodiversidade (ÓSócioBio) denunciaram os impactos negativos para os povos e comunidades tradicionais do desmonte ambiental do governo de Jair Bolsonaro e a falta de políticas públicas para ampliar a produção econômica dessas populações.

Integrado pela FIAN Brasil, Instituto Socioambiental (ISA), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), Contag, Slow Food Brasil, entre outras organizações, o ÓSócioBio também apresentou um documento com recomendações para o próximo presidente eleito para estimular a economia da sociobiodiversidade. Até agora, está confirmada a entrega do documento à coordenação de programa de governo de Luís Inácio Lula da Silva.

“A economia da sociobiodiversidade é um dos caminhos para encarar o recrudescimento dos cenários de mudanças climáticas, a perda da biodiversidade, a insegurança hídrica e alimentar, e o aumento das desigualdades sociais”, afirma o texto.

Proteção de territórios

“Infelizmente, o contexto em que estamos vivendo não demonstra um momento muito favorável para essa agenda socioambiental no país”, lamentou na audiência Dione do Nascimento Torquato, secretário-executivo do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

Ele frisou que a economia dos produtos da floresta depende da oficialização e proteção de Terras Indígenas e Reservas Extrativistas – o que não vem sendo feito na gestão Bolsonaro. “O maior reflexo dessa triste realidade são os inúmeros casos de conflitos territoriais e fundiários, a morte de lideranças ativistas no campo e a invasão massiva dos nossos territórios tradicionais de uso coletivo”, continuou.

Torquato defendeu ainda a retomada de políticas desmanteladas pela administração federal que apoiaram a produção de povos e comunidades tradicionais no passado, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e à Política de Garantia de Preços Mínimos para os Produtos da Sociobiodiversidade (PGPM-Bio).

“As comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, comunidades indígenas que são verdadeiros defensores do meio ambiente, eles estão fazendo o papel do Estado, mas estão sendo dizimados. Não tem outra palavra. Estão sendo dizimados com políticas antiambientalistas, antivida”, reforçou o senador Fabiano Cantarato (PT-ES), que conduziu a audiência.

Torquato, Cantarato, indígenas e outras pessoas que falaram na audiência lamentaram os assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, associando-os ao contexto de invasões de áreas protegidas, conflitos de terra e violência fruto do governo Bolsonaro.

Políticas públicas

“[É preciso apoio em] tudo que envolve a parte de orientação para que as coisas aconteçam como tem que ser. Porque é muita legislação, é muita burocracia, são muitos entraves. Ter pessoas, ter equipe, ter política pública que permita que pessoas apoiem os empreendimentos é de suma importância”, defendeu Dionete Figueiredo, da Cooperativa de Agricultura Familiar Sustentável com Base em Economia Solidária (Copabase), de Arinos (MG), em entrevista ao ISA.

“Além do segundo e não menos importante [apoio] que é o acesso a crédito. Sem crédito não é possível desenvolver esses trabalhos”, continuou. “O mercado é cruel, não dá espaço para erro. Nos nossos empreendimentos não temos acesso a política pública de crédito. Entregamos tudo para o banco, que dá uma resposta não favorável. Assim é nossa realidade”, disse. Ela cobrou a retomada de iniciativas oficiais de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater).

Na audiência, o facilitador de Diversidade Socioambiental do ISA, Jeferson Camarão Straatmann, argumentou que os produtos da sociobiodiversidade não podem ser tratados apenas como insumos e matérias-primas, mas devem ser considerados em seu potencial de geração de conhecimento e inovação e demandam regulamentação e estímulos diferenciados e adaptados.

“Precisamos sair dessa lógica de provedores de insumos para uma lógica de economias que inovam a partir do conhecimento tradicional, são desenvolvedoras de tecnologias e soluções para saúde, moda, alimentação, governança, modelos econômicos, manejo e são prestadoras de serviços que entregam benefícios ecossistêmicos para todo o planeta”, defendeu (veja vídeo abaixo).

“Os arranjos locais e territoriais e sua gestão devem ter políticas e programas específicos de gestão e regulamentação, que enxerguem esses arranjos com um prisma diferente do prisma das regulamentações do setor privado”, comentou.

‘Apagão de informação’

A professora e pesquisadora da Universidade de Brasília Mônica Nogueira chamou a atenção para a dificuldade provocada pela ausência de dados sistematizados sobre os povos e comunidades tradicionais.

“Nós temos uma fragmentação, uma dispersão das informações relativas a povos e comunidades tradicionais no Brasil, seus territórios, os conflitos a que estão submetidos. E, ainda mais, sobre o que produzem, como a sua produção circula, como ela dinamiza a economia local”, apontou.

“O apagão de informação naturalmente dificulta a elaboração de políticas públicas apropriadas que considerem as especificidades da economia da sociobiodiversidade. E pior, marginaliza essa economia e os seus sujeitos”, completou.

O pesquisador e professor da USP Ricardo Abramovay reiterou que faltam pesquisas e dados sobre a bioeconomia para a Amazônia e o Cerrado, apesar da importância econômica e socioambiental do setor. Ele informou que, segundo dados disponíveis, o setor corresponde a 5% do PIB dos EUA, algo em torno de US$ 1 trilhão.

“O Brasil pratica, sobretudo na Amazônia, uma economia da destruição da natureza. Nós precisamos de uma economia do conhecimento da natureza”, ressaltou. “A economia da destruição da natureza não propiciou desenvolvimento na Amazônia. A Amazônia hoje é a parte do Brasil onde estão seus piores indicadores sociais, onde a lei é sistematicamente desrespeitada, as instituições não conseguem exercer o seu papel, sobretudo num governo de fanáticos fundamentalistas que estimula a violência e o desrespeito à lei e a invasão de áreas protegidas”, comentou.

O que é sociobiodiversidade?

O conceito de sociobiodiversidade foi desenvolvido em linhas de pesquisa que confirmaram o papel dos pequenos agricultores, camponeses, povos indígenas e comunidades tradicionais na preservação e promoção da biodiversidade dos ecossistemas. Trata-se de uma noção que abarca as relações entre essa diversidade biológica e os conhecimentos, informações e práticas sobre seu uso e conservação desenvolvidos por essas populações, ao longo de séculos e até milênios.

Em geral, a economia da sociobiodiversidade refere-se a produtos não madeireiros gerados a partir da exploração sustentável dos vários biomas. Alguns exemplos mais conhecidos no Brasil são: o açaí, castanha-do-pará, o pequi, babaçu, carnaúba, andiroba, copaíba, piaçava e produtos derivados (alimentos, medicamentos, cosméticos, essências, óleos etc).

Biodiversidade

A diversidade biológica ou biodiversidade é a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Abarca, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas.

Povos e comunidades tradicionais

A Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais conceitua essas populações como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”.

Além de índios e quilombolas, podem ser assim considerados seringueiros, ribeirinhos, caiçaras, ciganos, beradeiros, quebradeiras de coco babaçu, geraizeiros, sertanejos, comunidades de fundos e fechos de pasto, entre outros, parte fundamental da diversidade sociocultural da sociedade brasileira. Há, pelo menos, 27 segmentos diferentes reconhecidos pelo Estado, conforme o Decreto nº 8.750/2016, que institui o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais. Clique para saber mais.

Oswaldo Souza e Roberto Almeida, do ISA, com informações da Agência Senado

Foto: Oswaldo Souza – ISA