FIAN Brasil contrata para atuação no Observatório da Alimentação Escolar

A FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas – contrata dois profissionais: i) assessoria de comunicação ii) assessoria executiva e de pesquisa, para atuar no Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ).  

A FIAN está comprometida em dar oportunidade igual a todas as candidatas e candidatos, a partir de critérios que valorizam a diversidade, incentivando particularmente mulheres, negras e negros, quilombolas, indígenas, juventude e pessoas de comunidades tradicionais e LGBTQI+ a se candidatarem aos processos seletivos da entidade. 

As candidatas e  candidatos interessados deverão enviar seu currículo e carta de apresentação (não mais que uma página) até  17 de novembro de 2022, para o e-mail [email protected], indicando para qual das duas vagas está aplicando.

  1. Assessoria de Comunicação

A/O  profissional será responsável por elaborar e executar uma estratégia de comunicação para o ÓAÊ, de planejamento anual, com foco em redes sociais e website.

Contratação:  Pessoa jurídica. Contrato de 12 meses. Trabalho a distância. 

Atividades a serem realizadas

  • Elaborar planejamento de comunicação anual, com foco em redes sociais e website;
  • Produzir conteúdos e gerir website e redes sociais do ÓAÊ (Instagram e Facebook);
  • Apoiar o grupo de comunicadoras/es das organizações que compõem o Comitê Consultivo do ÓAÊ;
  • Produzir matérias e releases sobre o tema da alimentação escolar; 
  • Apoiar a elaboração e revisão de notas técnicas, publicações e anuário do ÓAÊ;
  • Apoiar campanhas de mobilização e advocacy;
  • Realizar ações de imprensa e atendimento a jornalistas em linha com a equipe de comunicação da FIAN Brasil;
  • Participar de reuniões semanais e manter contato permanente com a secretaria executiva do ÓAÊ e a equipe de comunicação da FIAN Brasil.

Perfil

Graduação em comunicação social, com experiência profissional de no mínimo 3 anos. Desejável experiência em organizações sem fins lucrativos e movimentos sociais, e/ou com temáticas relacionadas aos direitos humanos. Comunicador(a) com bom texto e desenvoltura em mídias sociais.

  1. Assessoria executiva e de pesquisa

A/O profissional será responsável por assessorar a secretaria executiva, participar do processo de elaboração da  estratégia permanente de monitoramento do Pnae e das atividades de produção de campanhas, relatórios, publicações e capacitações a ela associadas. Ficará também responsável pelo mapeamento e pela atualização do acervo do ÓAÊ.

Contratação:  Pessoa jurídica. Contrato de 12 meses. Trabalho a distância.

Atividades a serem realizadas

  • Assessorar a secretaria executiva do ÓAÊ;
  • Apoiar o processo de elaboração e implementação da estratégia permanente de monitoramento do Pnae, pela perspectiva do direito humano à alimentação e á nutrição adequadas (Dhana), com aplicabilidade nas três esferas de governo; 
  • Assessorar a elaboração de relatórios de monitoramento, cartilhas, notas técnicas e outras publicações associadas à estratégia de monitoramento do Pnae, em parceria com consultoras/es especializadas/os;
  • Apoiar a realização de pesquisa e campanhas de mobilização para o engajamento de conselheiras/os de alimentação escolar e segurança alimentar e nutricional no monitoramento do Pnae;
  • Apoiar a realização de oficinas de capacitação de conselheiras/os;
  • Organizar e atualizar o acervo de materiais de referência sobre o Pnae no website do ÓAÊ;
  • Participar de reuniões semanais e manter contato permanente com a secretaria executiva do ÓAÊ e a equipe de pesquisa e advocacy da FIAN Brasil.

Perfil

Graduação em ciências sociais, políticas públicas, administração, nutrição, economia e afins, com conhecimento em políticas públicas. Experiência profissional mínima de 3 anos. Desejável conhecimento sobre o Pnae e/ou políticas de segurança alimentar e nutricional. Facilidade de escrita e conhecimento de bases de dados e indicadores sociais e de segurança alimentar e nutricional, assim como participação em processos coletivos e espaços de participação social, são diferenciais. 

7° Encontro da Juventude Guarani Kaiowá discute cultura alimentar indígena em oficina “Comer pra quê?”

“Nós somos a continuação dos nossos ancestrais”. O tekoha Panambi Lagoa Rica, de Douradina (MS), recebeu entre os dias 12 e 15 de outubro o 7° Encontro da Juventude Guarani Kaiowá, iniciativa da Retomada Aty Jovem (RAJ) em que cerca de 470 jovens guarani e kaiowá estiveram reunidos para debater educação indígena, saúde e território; e para diálogos sobre liderança jovem, mecanismos de organização da luta indígena em favor dos direitos coletivos, conjuntura política, acesso e preservação dos ritos ancestrais e autonomia indígena, entre outros assuntos.

Para falar sobre cultura alimentar indígena à luz do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) a FIAN Brasil realizou, durante o 7º Encontro, a oficina “Comer pra quê?”. A atividade, conduzida pelos assessores de direitos humanos Nayara Côrtes e Adelar Cupsinski, buscou dialogar, por meio de rodas de conversa, sobre os modos de viver e de comer guarani e kaiowá (produzir, preparar, acessar e se alimentar coletivamente) e como eles se relacionam com os grandes desafios, como a luta pelo acesso ao território original, pela proteção das águas e por terras livres de contaminantes químicos. Os jovens produziram cartazes ilustrando as conversas em grupo e se viram como parte desses processos.

Côrtes considera que encontros como esses são importantes mecanismos de valorização da cultura indígena, porque incentivam o olhar afetuoso sobre os ritos e tradições alimentares. Segundo explica, “em um contexto de lutas tão duras como a que esses jovens vivem, é importante retomar o sentido do cuidado, do prazer, da simbologia que envolve a alimentação dentro do modo de ser guarani e kaiowá. Reafirmar porque se luta e se sentir parte dela é também promover saúde aos jovens guarani e kaiowá”.

Fotos de Adelar Cupsinski, Nayara Côrtes e colaboração da Retomada Aty Jovem (RAJ)

FIAN Brasil

Judiciário na exigibilidade do Dhana

A Conferência Popular por Direitos, Democracia, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional realizou no último dia 19 o encontro “Fome de Direitos e Sede de Justiça: o papel do judiciário na garantia do direito humano à alimentação“, em que reuniu profissionais do sistema judiciário e integrantes de organizações sociais para refletir sobre a atuação da Justiça brasileira no enfrentamento da fome, observando gargalos, omissões e argumentos que têm impactado no avanço das ações de exigibilidade do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana).

“O Brasil tem um dos marcos legais mais fortes e mais completos em termos do direito humano à alimentação. O que falta é a implementação da garantia desse direito por parte dos três poderes, que vêm cometendo graves violações”, comenta o pesquisador associado do Departamento de Nutrição da UFPE, Flavio Valente.

Além do marco normativo que existe no Brasil, a secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, apresentou decisões do Sistema Americano de Proteção de Direitos Humanos que deveriam ser observadas pelos poderes públicos de todos os países da Região.

Segundo explica, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso de comunidades indígenas membros da Associação Lhaka Honhat (Nuestra Tierra) Vs. Argentina, entendeu que o direito à alimentação, dentre outros direitos, foi violado, por não adotar medidas efetivas para deter atividades que se mostraram lesivas a estes direitos. “Neste caso, a corte deixou explícita a estreita relação entre a relação do direito à alimentação, com o direito ao território e com direito ao meio ambiente, porque é através do território que as populações tradicionais conseguem todos os meios necessários para a obtenção dos alimentos”, diz Burity.

Em sua fala, a secretária geral também destaca a necessidade de olhar para a questão do racismo, visto que a população negra é a que mais sofre violações relacionadas ao Dhana.

Assista a íntegra do encontro nos canais da Conferência Popular SSAN, ou acesse o link: https://youtu.be/3TwIH8PX9_I

FIAN Brasil

Direito à alimentação: qual o papel do Poder Judiciário?

Duas ações que tratam da fome ainda não foram analisadas pelo STF

O papel do Poder Judiciário na garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) será debatido em um evento online que a Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional promoverá nesta quarta, 19 de outubro. O encontro “Fome de Direitos e Sede de Justiça: o papel do Judiciário na garantia do direito humano à alimentação” reunirá especialistas que vão apresentar casos sobre a atuação do sistema judiciário e debater os marcos conceituais.

“O papel do Judiciário é ser o guardião da Constituição. Ele é provocado a atuar quando há omissão do Poder Executivo, quando o Executivo não implementa o que está previsto como direito na Constituição, quando não implementa uma política de segurança alimentar”, explica Leonardo Ribas, da Conferência Popular.

Leonardo, que será um dos palestrantes do evento, acrescenta que cabe também ao Judiciário garantir aos cidadãos o exercício da soberania alimentar. “A soberania alimentar é o cidadão ter poder de participar do processo que determina como se produz os alimentos, como se distribui, como se consome e como se acessa porque hoje esse processo é totalmente controlado pelo sistema alimentar agroindustrial brasileiro”.

Duas Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – a 831, protocolada pelo PT, e a 885, protocolada pela OAB – estão no Supremo Tribunal Federal (STF) e aguardam análise.  Essas ADPF tratam da questão da fome no Brasil e estão sob as relatorias dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli. A expectativa das entidades que compõem a Conferência Popular é que sejam analisadas após as eleições.

A defensora pública do Estado do Rio de Janeiro, Andrea Sepúlveda, explica que o evento vai procurar encontrar formas de sensibilizar e mobilizar não somente o Supremo, mas todo o sistema de Justiça no Brasil para a questão da fome. “Nós entendemos que o Judiciário pode e deve interferir nas políticas públicas que são baseadas em direitos constitucionais”, diz. “O grande debate é pensarmos como a gente vai avançar para que de fato o Judiciário passe a ser um pouco mais atuante. O nós demandamos é que simplesmente cumpra o seu papel de monitorar as políticas públicas e de declarar violações coletivas de direitos quando as políticas públicas não são cumpridas, como no caso da fome”, acrescenta.

Trinta e três milhões de pessoas passam fome no Brasil. O aumento da fome se deu num cenário de desmonte de políticas públicas que garantiam a segurança alimentar. A extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), em 2019, endossa o cenário.  “Quando você extingue o Consea, você tira a sociedade civil desse debate. E eu acredito que a partir da extinção do Consea todas as outras estruturas foram fragilizadas”, ressalta Andrea.

O encontro “Fome de Direitos e Sede de Justiça: o papel do Judiciário na garantia do direito humano à alimentação” poderá ser acompanhado pelo canal da Conferência Popular no Youtube: https://www.youtube.com/c/conferenciapopularssan. Um documento sobre a atuação do Judiciário será produzido a partir do encontro.

DHANA

Sobre a Conferência Popular 

A Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional é um movimento permanente de resistência à fome e à extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Contesta as violações de direitos, racismo estrutural e ameaças à vida. Criada em 2019, é formada por um conjunto de movimentos sociais, organizações da sociedade civil e coletivos.

Para mais informações, acesse o site conferenciassan.org.br.

DHANA

Serviço:

Evento: “Fome de Direitos e Sede de Justiça: o papel do Judiciário na garantia do direito humano à alimentação”

Data: 19/10, das 17h às 19h

Transmissão online: https://www.youtube.com/c/conferenciapopularssan

DHANA

Programação:

Parte 1 – Casos

17h – Abertura – Andrea Sepúlveda, Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro

17h05 – Marcos Legais/Dhana – Flávio Valente, pesquisador associado do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco

17h15 – ADPFs no STF e ações no Rio de Janeiro – Rodrigo Azambuja, Defensor Público do Rio de Janeiro

17h25 – “Caso da luta por direitos da Comunidade Sururu do Capote” – Alexandra Beurlen, promotora de Justiça de Alagoas

17h35 – Jurisprudências internacionais e controle da convencionalidade – Miriam Balestro, doutora em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas, Promotora de Justiça Aposentada do MPRS e diretora de articulação da FIAN Brasil

17h45 – Roda de Debate – Andrea Sepúlveda (mediação)

Parte 2 – Marcos Conceituais

18h15 – Economia fiscal e direitos humanos – Livi Gerbase, assessora política do INESC

18h25 – Dhana em regime de recuperação fiscal – Leonardo Ribas, doutor em Teoria do Estado e Direito Constitucional

18h35 – Roda de Debate e encerramento – mediação: André Luzzi, Conferência Popular por Direitos, Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

DHANA

Informações para imprensa

Fabiana Novello – [email protected] – (11) 97149-2324

Marcela Coimbra – [email protected] – (11) 99812-5545

Conferência SSAN

Em aldeia do MS, alimentação escolar expõe desafios enfrentados pelos Guarani e Kaiowá

Ko’anga ñande jakaru karai kuera xa avei. Umin ha’e kuera hemityn ome’en mba’asyvai ñande rehe. Heta oin hese ome’eva mba’asy.

Na preleção do professor Nilton Ferreira Lima à turma do 9º ano, palavras como “salgadinho”, “refrigerante”, “diabetes”, “hipertensão”, “cálculo renal” e “AVC” vão se entremeando ao idioma indígena. Uma passagem que conta muito da transição alimentar em curso entre os povos Guarani e Kaiowá, e que a FIAN Brasil busca conhecer melhor por meio de estudo de caso com foco no Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

Em sua aula, Lima expõe a entrada em cena de problemas de saúde que os moradores e moradoras da Aldeia Te’yikue não costumavam ter e sua relação com o sedentarismo e o aumento do consumo de produtos alimentícios ultraprocessados. Realidade essa, de Caarapó (MS), que se repete em comunidades de todo o país.

“Muitas pessoas buscam seu sustento com trabalho assalariado e, com o dinheiro que ganham, compram alimentos da cidade, que são alimentos contaminados, que têm muita química”, conta o professor da Escola Municipal Indígena Ñandejara. “Com essa mudança no hábito alimentar a gente vê que entra muita doença e as pessoas adoecem muito cedo.” Os ultraprocessados passam por diversas etapas de fabricação e recebem muitos aditivos para ficarem atraentes – verdadeiras fórmulas industriais. Costumam ter alto teor de açúcar, sal e gordura.

Estabelecimentos de ensino como a Ñandejara, com 1.400 estudantes, são palco central desse quadro e do seu enfrentamento. O Pnae garante, para todas e todos estudantes da rede pública, ao menos uma refeição completa – às vezes, a única do dia. No entanto, em 2021, como parte do projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade, a FIAN ouviu relatos de crianças de aldeias do Mato Grosso do Sul chegando à sala de aula em grave situação de insegurança alimentar. 

Essa política constitui-se também em caminho para a promoção da saúde por meio da educação alimentar e nutricional (EAN). Representa, ainda, uma oportunidade para fortalecer a agricultura familiar local.  

“O programa poderia estar comprando do pequeno produtor”, diz o cacique Jorginho  Soares Martins. “Temos dificuldade de ter acesso à inscrição estadual e à DAP [Declaração de Aptidão ao Pronaf]. Ajudaria muito o pequeno agricultor, conforme é garantido na Lei.” A DAP está em substituição pelo Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF).

Os dados mais recentes disponibilizados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), referentes a 2018, mostram que 54,25% (R$ 298 mil) dos repasses anuais da autarquia do Ministério da Educação (MEC) ao município foram usados na compra direta da agricultura familiar. Trata-se de um percentual bem acima do exigido (30%). Porém, ainda não há agricultores indígenas fornecendo alimentos às escolas, o que fere as determinações legais, que estabelecem que, nas compras diretas, deve-se dar prioridade aos assentamentos da reforma agrária e às comunidades indígenas e quilombolas.

“É uma discussão antiga na comunidade”, reforça o diretor da Escola Ñandejara, Lidio Cavanha Ramires. “Se tiver uma família produtora de arroz, de feijão, pega aqui dentro mesmo para a escola. Orgânico, sem produto químico.” Ele menciona a possibilidade de reunir a produção de agricultores/as que cultivam uma extensão pequena – 0,5 hectare de mandioca, por exemplo, para ficar numa situação comum na Te’yikue – e não teriam condição de fornecer à escola por um período maior.

Questões como essas motivaram, em nível nacional, a criação da Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil, composta por representantes de órgãos públicos e da sociedade civil, pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2021, para fomentar a adoção da alimentação tradicional em escolas indígenas e de comunidades quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e caiçaras, entre outras. Ligada à Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR), a instância discute os entraves, desafios e formas de viabilizar as compras públicas da produção desses grupos sociais. Além de garantir o cumprimento da cota da agricultura familiar, pauta-se pelo direito à alimentação escolar adequada à cultura de cada população.

A Catrapovos Brasil atua para replicar em todo o país a boa prática desenvolvida pela Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa), que conseguiu inserir mais de 60 alimentos produzidos de forma tradicional no cardápio escolar.

A FIAN tem participado das reuniões da Catrapovos do Mato Grosso do Sul.

Salada, abacaxi, pizza, churrasco

Divididos em rodas, os adolescentes anotam aquilo de que gostam e não gostam, e o que gostariam que tivesse, nas refeições servidas na instituição de ensino. Nas preferências escritas em cartelas na oficina organizada pela FIAN, não são raras as respostas mencionando frutas, ou pratos de um almoço comum na maioria das cidades brasileiras. Elas misturam-se a sobremesas e opções como pizza e churrasco. O que pouco aparece são comidas tradicionais guarani e kaiowá.

Ao implementar em 2020 a Resolução 6 do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a escola passou a servir pratos típicos às sextas-feiras. A resolução, que regulamentou a lei do Pnae (11.947), reforçou as diretrizes de alimentação adequada, entre elas o respeito à cultura da comunidade e a valorização dos ingredientes regionais. Ao detalhar a aplicação da lei de 2009, reduziu o uso de açúcar, estabeleceu limites para certos itens (como salsicha e demais cárneos) e excluiu outros (refrescos artificiais, biscoitos recheados etc.).

Embora em muitas regiões o apelido merenda permaneça, ao longo dos últimos anos, especialmente após a publicação da lei em 2009, a prioridade é para oferta de refeições cada vez mais completas, do ponto de vista nutricional, e de melhor qualidade, que contemplem frutas, legumes e/ou verduras.  

 Em Caarapó, a entrada de alimentos como a batata-doce no lugar de pão francês e afins repercutiu em grupos de WhatsApp de mães e pais de alunos, em especial de parte das famílias mais acostumadas ao cardápio urbano. A adaptação atravessou os semestres seguintes.

“É difícil de acertar o cardápio que a nutricionista da prefeitura colocou”, relata a cozinheira Jurema Marques, uma das mais antigas da instituição. “Tem as crianças que aceitam e crianças que não aceitam. Do nosso cardápio tradicional que a gente prepara uma vez na semana, não reclamam é do guisado que a gente faz com mandioca e carne. E aquele mbaipy, que é polenta com frango. Esses, eles comem tudo. A chicha [refresco natural de milho fermentado e caldo de cana] também. O que não aceitam é o locro [prato com milho e carne, originalmente de caça].” Além disso, nem sempre as verduras, frutas e carnes dão para a semana toda, assim como acontece de faltarem os ingredientes do preparo mais cultural da sexta. Muitos estudantes relatam que a quantidade servida é insuficiente.

Quem ainda soca milho e arroz?

Foi para valorizar a conexão do alimento com a religião e a cultura guarani e kaiowá que duas professoras criaram, há mais de 20 anos, o projeto Sabor da Terra. A iniciativa começou com duas professoras da Escola Loide Bonfim Andrade – uma das quatro extensões (unidades subordinadas à polo) da Ñandejara – e hoje envolve toda a comunidade escolar. Cresceu ano a ano até permear todas as matérias, de todos os anos – um projeto mobilizador, no jargão da Educação.  

“Quando a gente perguntava: ‘Quem ainda ñembiso? Quem soca ainda milho, arroz?’ Respondiam: ‘Isso é coisa dos antigos… A gente tem pilão em casa, professora, mas é mais fácil ir ao mercado’”, narra uma das fundadoras, Rosileide Barbosa de Carvalho. 

“O Sabor da Terra é para incentivar as famílias a plantar, e valorizar aquele tipo de semente que hoje quase não é plantada. Por exemplo, se você chegar nas casas, hoje quase não tem cará.” Valoriza-se o cultivo viável ao redor das casas, ainda que o espaço seja limitado.

O projeto trabalha desde elementos clássicos de disciplinas curriculares até o cuidado com a saúde. “Por que antigamente os homens não eram muito gordos, não tinham barriga, não tinham doença? A alimentação. Agora você vê pessoas de 13, 14, 15 anos com obesidade, problema de pressão alta, de coração”, enumera a professora. As salas mergulham nos temas desde o primeiro bimestre, e o ciclo culmina numa exposição no meio do ano em que são servidas comidas tradicionais e não indígenas.

Nessa ocasião, cada família leva o seu prato – por exemplo, pira mbichy (peixe assado), mandio mbichy (mandioca assada). Quem conseguir caçar tatu vai levar carne do animal.

“A gente ouve eles falarem: ‘Nossa, isso eu comia quando era criança… Como hoje não tem mais?’”

As atividades na Unidade Experimental Poty Reñoi (“desabrochar da flor”), chácara de 2,6 hectares (ha) vizinha à escola polo, complementam o que é realizado no Sabor da Terra. Conforme a idade, alunas e alunos lidam com sementes, adubagem, rega, trato dos animais.

“A gente começa do começo”, explica o professor Nilton Ferreira Lima. “Fala da importância de cultivar… De ter autonomia também. Em relação ao processo de produzir. Fazer a compostagem, biofertilizantes, as mudas, a época certa do plantio.”

“Dá para ver avanços”, comenta. “Hoje você sai e vê canteirinho de cheiro verde, alface…” Nicole Veron Martins, 14 anos, confirma: “Comecei a levar para minha casa e falar para os meus pais da importância de a gente ter um pouco mais de cuidado com as plantas, com o meio ambiente”.

Sob pressão

Ainda que longe dos extremos enfrentados por seus povos no estado – como o confinamento na Reserva de Dourados –, a Reserva Te’yikue (ou Reserva Indígena de Caarapó) se insere num cenário complexo. Situado a menos de 20 quilômetros do Centro da cidade, o território de 3.594 ha (cada hectare corresponde a um campo de futebol) e habitado por 1.500 famílias não conta com ônibus de linha, embora grande parte dos moradores e moradoras trabalhem em chácaras, fazendas, armazéns e usinas do agronegócio. Os capões de mata destoam dos “mares” de milho, soja e cana do caminho, mas a cobertura vegetal não se compara à de décadas atrás. “Era muito rico de natureza”, descreve o inspetor escolar Agripino Benites. “Muito perobal, muita erva-mate nativa. O mato era mais fechado. Achava ainda caça.”

Homologada há três décadas, a área é circundada por um território reivindicado como tradicional 15 vezes maior e disputado por 87 fazendeiros e chacareiros, a Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipegua 1. A demarcação do perímetro, em 2016, foi retaliada com o ataque que matou o agente de saúde Clodiodi de Souza e feriu outros indígenas, conhecido como Massacre de Caarapó. Em resposta, os Guarani e Kaiowá retomaram 11 localidades (tekoha – “lugar onde se é”) dentro da TI.

Embora se trate de área declarada como de ocupação tradicional por laudo antropológico, a condição de em litígio da TI implica mais barreiras para os indígenas – com todo tipo de dificuldade para acessar políticas públicas – que para os fazendeiros.  A equipe da FIAN Brasil ouviu de um gestor da área agrícola que as retomadas “não são área de ninguém, nem da União”. No caso da Te’yikue, o entorno abriga muito mais cobertura vegetal, fauna e áreas agricultáveis, porém não escapa das limitações do limbo fundiário. Essa fronteira invisível favorece o avanço dos arrendamentos, “parcerias” em que pessoas externas à comunidade exploram terras para monocultura, quase sempre pagando valores baixos ou irrisórios.

Nota técnica encomendada pela FIAN a três pesquisadores em 2021, que abrangeu 12 comunidades, mostrou como a pandemia agravou a insegurança alimentar e nutricional. O trabalho reiterou constatação de levantamento concluído cinco anos antes, em que a insegurança alimentar apareceu em 100% dos domicílios de três localidades. Os autores assinalam a centralidade da regularização fundiária e de apoio à produção agroecológica para permitir a construção de uma vida digna e soberana.

Nos últimos quatro meses, três indígenas foram assassinados na região – um deles em Coronel Sapucaia, a cerca de 140 km dali, e dois em Amambai, a cerca de 95 km. Se nas áreas rurais há o risco de emboscadas, nas urbanas a hostilidade e a discriminação desenham um mapa não oficial.

“Sabemos que muitos lugares da cidade não são para nós”, comenta o pesquisador Elemir Guarani Kaiowá, que cursa doutorado em Geografia e leciona para as turmas do 6° ao 9° ano da Ñandejara.

“A miséria começou com os madeireiros, que retiraram toda a madeira de lei, e continuou nos ciclos econômicos seguintes – mate, gado, cana, soja.”

Sistemas alimentares e desigualdades

O estudo de caso (acesse os materiais produzidos) faz parte do projeto Equidade e Saúde nos Sistemas Alimentares, que a FIAN Brasil executa neste ano e no primeiro semestre de 2023 com o objetivo de contribuir para o entendimento dos impactos dos sistemas alimentares nas desigualdades (e vice-versa) no Brasil, bem como para seu enfrentamento.

A ideia é que o conhecimento produzido embase estratégias para incidir nas compras públicas (de instituições do Estado). O chamado mercado institucional movimenta um orçamento bilionário e pode dar lastro a uma série de políticas – por exemplo, adquirindo a produção agrícola de segmentos sociais mais vulnerabilizados, como indígenas, quilombolas e assentados/as.

A atuação se dará em conjunto com um grupo de entidades – ACT Promoção da Saúde, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto Desiderata e Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP) – com apoio da Global Health Advocacy Incubator (GHAI). Outras parcerias serão estabelecidas ao longo do processo.

O projeto inclui um mapeamento das iniquidades nos sistemas alimentares, com um olhar específico para as dimensões de raça, gênero e classe social. Os dois estudos de caso – além de Caarapó, a equipe fez trabalho de campo em Belém do Solimões (AM) – aprofundarão a compreensão dos dilemas, soluções e barreiras enfrentadas pelas comunidades. A equipe participou também da elaboração de documentos políticos coletivos buscando a adesão de candidatos e candidatas à plataforma da comida de verdade, baseada na agricultura familiar, na agroecologia, no comércio justo e nos alimentos frescos. Outra frente tem sido a incidência no Congresso Nacional. Também serão produzidos variados conteúdos de comunicação.

Continuaremos a dedicar atenção especial ao Programa Nacional de Alimentação Escolar, que em 2021 foi o foco do projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade. “Poder realizar ações de exigibilidade para fortalecimento do Pnae, especialmente das compras públicas da agricultura familiar no ambiente escolar, em um contexto de retrocesso e aumento da fome, parece-nos fundamental e urgente”, comenta a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

“A intenção é aprofundar as análises relacionadas à alimentação escolar, sobretudo à alimentação escolar indígena, considerando que essa segue como uma política central na garantia do Dhana”, diz a coordenadora do projeto, Gabriele Carvalho. “Pretendemos ajudar a construir caminhos para que essa população possa, de fato, não só comercializar o que é produzido localmente, mas inserir esses alimentos no cardápio escolar. A soberania e segurança alimentar e nutricional passa necessariamente pelo respeito à cultura e aos hábitos alimentares locais.”

Países latino-americanos discutem estratégias legais em alimentação e saúde à luz do controle do tabaco

Entre 28 de setembro e 1º de outubro, a Cidade do México reuniu advogadas, advogados e ativistas de entidades da América Latina, que atuam nos campos do direito à alimentação e do controle do tabaco, para discutir estratégias legais para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis. O evento teve em sua composição os encontros: “V Encuentro Latinoamericano: Estrategias Legales en Alimentación y Salud” e o “XII Taller Legal: Control de Tabaco en América Latina”.

A partir de afinidades temáticas, vivências e enfrentamentos jurídicos comuns ao coletivo, a troca de conhecimento e articulação teve como fio condutor um quadro de análises sobre a realização progressiva de direitos econômicos, sociais e culturais, nos campos do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e do controle do tabaco.

“Esse quadro tem um olhar para a política econômica, para a política fiscal, para o orçamento, para identificar quais atores enfrentam uma carga tributária maior, ou quais são os grupos beneficiados pelas políticas econômicas e fiscais”, explica a secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity.

Valéria e o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski, contribuíram com as atividades do evento a partir de um chamamento ao debate de propostas que possam potencializar a relação entre a econômica, os aspectos jurídicos e o direito à alimentação. 

Para a secretária-geral, “essa relação é muito importante porque, no Brasil, as políticas econômicas têm um impacto muito severo na garantia do direito à alimentação, seja aumentando a fome e facilitando o aumento da obesidade, seja apresentando aspectos racistas, ou acentuando desigualdades”.

A iniciativa é do Centro de Estudios de Derecho, Justicia y Sociedad (Dejusticia), Campaign for Tobacco Free Kids (TFK), Global Health Advocacy Incubator (GHAI), Global Center for Legal Innovation on Food Environments (por meio do O’Neill Institute for National and Global Health Law) e Unión Internacional Contra la Tuberculosis y Enfermedades Respiratorias (THE UNION).

Leia a publicação: O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: Enunciados Jurídicos

Tabaco e alimentação – Antes, nos dias 26 e 27 de setembro, também na Cidade do México, o encontro “Fortalecimiento de Habilidades Estratégicas para el Trabajo Legal”, buscou fortalecer as habilidades de pensamento estratégico, destacando sua centralidade ao trabalho jurídico; construir conhecimento além das áreas do direito que geralmente são exploradas em profundidade em contextos específicos; e gerar um espaço seguro para a inovação, permitindo explorar ideias desafiadoras do ponto de vista jurídico.

Iniciativa do Global Center for Legal Innovation on Food Environments por meio do O’Neill Institute, o workshop se dedicou ao tema de evidências e observou estudos de casos de países da América Latina, como o Brasil. “Foi importante ouvir e conhecer a experiência dos vários países. A partir do compartilhamento das estratégias locais, o grupo pôde fazer comparativos e pensar sobre quais tipos de ações judiciais, estratégias de litigância e de incidência, no campo do tabaco, podem ser adotadas no campo da alimentação”, finalizou Valéria.

FIAN Brasil

Foto: Adelar Cupsinski

Artigo | A fome e a dor dos outros

Nayara Côrtes Rocha

Publicado originalmente no acervo online do Le Monde Diplomatic Brasil, em 19 de setembro

“As violações ao direito humano à alimentação e à nutrição adequadas nunca deixaram de existir no Brasil. A pobreza, a miséria e a concentração de renda, causas da fome, assim como o poder desproporcional e desregulamentado do agronegócio e da indústria de alimentos, sempre se fizeram presentes no complexo cenário brasileiro relacionado à soberania e segurança alimentar e nutricional”.

A reflexão abre o artigo “A fome e a dor dos outros” de Nayara Côrtes Rocha, assessora de direitos humanos da FIAN Brasil ao Le Monde Diplomatique Brasil, veiculado no acervo online do último dia 19.

A partir de um viés científico, político e histórico, Nayara traz em destaque a defesa à dignidade humana e aos direitos fundamentais por meio do acesso ao alimento adequado, saudável e sustentável; e rechaça a omissão e o posicionamento negacionista do governo Bolsonaro diante do aumento da fome e da insegurança alimentar e nutricional em todos os níveis.

Leia o artigo.

Entidades lançam campanha para derrubar veto de Bolsonaro contra alimentação escolar

Integrantes e parceiras do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) pedem que Congresso reveja canetada do presidente que cancelou reajuste de 34% para o Pnae, primeiro desde 2017

“Derruba veto, reajusta Pnae”. Esse é o mote da campanha lançada na terça-feira (6) pela sociedade civil para que o Congresso Nacional aprecie – e rejeite – a medida do presidente Jair Bolsonaro (PL) que cancelou a primeira recomposição do orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Os 34% representam a inflação acumulada desde 2017.

A mobilização organizada pelo Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) pede que o presidente do Senado (e do Congresso), Rodrigo Pacheco (PSD), convoque a sessão que pode restabelecer o texto aprovado pelos próprios deputados/as e senadores/as na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

“O Parlamento mostrou sensibilidade diante dessa que é a principal política de segurança alimentar e nutricional para crianças e adolescentes, e agora as lideranças precisam acionar suas bancadas de novo para que a votação de agosto não se torne página virada”, diz a consultora técnica do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Giorgia Russo. “Dezenas de organizações estão com a gente para reivindicar isso. É importante a comunidade escolar como um todo – estudantes, familiares, educadoras e educadores, merendeiras e merendeiros – se mobilizar, além de assinar a petição que está aberta.”

A nutricionista lembra que, para grande parte dos estudantes da educação básica pública, o programa garante o prato mais adequado e saudável do dia, e que, com a inflação defasando os valores per capita repassados pelo governo federal – que já eram insuficientes –, muitas escolas podem tirar ou reduzir do cardápio os alimentos in natura ou minimamente processados, recomendados como base da alimentação saudável pelo Guia Alimentar para a População Brasileira.

Ao justificar seu veto, o presidente argumentou que destinar mais recursos ao Pnae poderia drenar verbas de outros programas e estourar o “teto de gastos” do Poder Executivo previsto pela Emenda Constitucional 95. Ele repetiu essa negligência com os pratos de 40 milhões de estudantes ao enviar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) em 31 de agosto, com um valor para o Pnae inferior a R$ 4 bilhões (R$ 3.961.907.292,00), praticamente o mesmo de 2022 e da LDO depois do corte. 

“Esse argumento da ‘rigidez orçamentária’ e da ‘contrariedade ao interesse público’ não para em pé”, comenta o analista de Políticas da ActionAid, Francisco Menezes. “O equilíbrio fiscal não deve ser feito à custa das pessoas mais vulneráveis, e é isso que temos visto acontecer nos últimos anos”, aponta Menezes, que presidiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

O economista ressalta que o contexto da fome só se agrava: “O 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil [VigiSAN] mostra que, de 2020 para 2022, a insegurança alimentar grave em domicílios com crianças menores de 10 anos praticamente dobrou, subindo de 9,4% para 18,1%.”

Sobre o observatório

Fundado em fevereiro de 2021, o Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) resulta de uma ação conjunta entre organizações da sociedade civil e movimentos sociais para monitorar e mobilizar a sociedade sobre a importância do Pnae. Sua secretaria executiva é hoje formada pela FIAN Brasil e pelo Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

O comitê consultivo reúne 16 entidades. Ao lado da ActionAid e do Idec, é composto por: ACT Promoção da Saúde, Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Comissão de Presidentes de Conseas Estaduais (CPCE), Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Fase – Solidariedade e Educação, Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Rede de Mulheres Negras para a Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Redessan) e União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme).

FIAN Brasil

Oficinas avançam na criação do Protocolo de Consulta das Comunidades Geraizeiras

Instrumento ajuda a promover a proteção a costumes socioculturais, modos de vida e a efetivação dos direitos fundamentais de populações tradicionais

As populações do Território Tradicional Geraizeiro do Vale das Cancelas, compreendido entre os municípios de Grão Mogol, Padre Carvalho e Josenópolis, no norte de Minas Gerais, têm o direito de ser consultadas quando empresas de mineração ou monocultura, entre outros atores, desejam operar na região. Em torno do tema a FIAN Brasil, com apoio de parceiros, realizou três oficinas temáticas nos dias 20 e 21 de agosto.

O direito à consulta prévia, livre e informada é um mecanismo de participação previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto Legislativo 143, em vigor desde 2003, e internalizado no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto 5.051/2004 (substituído em 2019 pelo Decreto 10.088).

Significa que, por meio de um protocolo de consulta, é promovido um ambiente de escuta seguro, capaz de conformar a proteção de costumes socioculturais, dos modos de vida tradicionais e que busque respeitar direitos sociais de populações indígenas e povos e comunidades tradicionais – neste caso, de geraizeiras e geraizeiros detentoras/es do território do Vale das Cancelas há pelo menos 150 anos segundo estudos antropológicos feitos na região.

No entanto, na contramão do que o tratado de direitos humanos prevê, os povos geraizeiros têm sofrido constantes e importantes impactos provocados por empresas de mineração e de monocultura de eucalipto e pínus, que por meio da exploração desordenada prejudicam o solo, as águas e os mais variados recursos naturais da região, causando recorrentes violações aos direitos fundamentais dessas comunidades, como o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Além de não respeitarem a consulta às comunidades locais ou oferecerem a devida compensação pelos danos causados por seus projetos, as empresas atuam com anuência do Estado.

Nesse cenário, participaram das oficinas cerca de 50 geraizeiras e geraizeiros, representantes das comunidades Barreiro de Dentro e Manda Saia, localizadas no núcleo territorial do município de Josenópolis. Os diálogos buscaram oportunizar momentos de formação e informação para que se possa avançar na criação do Protocolo de Consulta das Comunidades Geraizeiras; e a partir do compromisso primeiro da FIAN, contribuir para o empoderamento e a melhoria das condições de vida na perspectiva da indivisibilidade dos direitos humanos, da autonomia e do protagonismo.

Paulo Asafe, assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, explica que a construção desse documento é de extrema relevância e, ao lado da regularização fundiária, que também está em andamento no Território Geraizeiro do Vale das Cancelas, será instrumento central para a exigibilidade dos direitos das comunidades.

“Vejamos, por exemplo, que está em juízo uma Ação Civil Pública da DPE-MG e DPU pedindo que o licenciamento do empreendimento de mineração Bloco 8 seja suspenso enquanto a devida consulta não for realizada, o que requer a elaboração da criação do protocolo de consulta da comunidade. O mesmo deveria ocorrer com os demais projetos licenciados no território”, relata o assessor.

O protocolo é um documento com força de lei em que descreve a forma como as comunidades querem ser consultadas sobre todas as atividades que afetem o território tradicional e o modo de vida local. 

O mecanismo reforça a proteção destas populações que seguem em luta pela defesa do território, do seu modo de vida tradicional, da proteção ambiental, da permanência em suas terras e da retomada das áreas de onde foram expulsas e expulsos por ocasião da ação e invasão de fazendeiros, empresas e mineradoras nacionais e estrangeiras.

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Agrotóxicos

As populações tradicionais também participaram de uma oficina com facilitação do advogado Leonardo Pillon, especialista em mecanismos de denúncia a violações relacionadas ao uso de agrotóxicos. Visando a defesa do direito à saúde, ao meio ambiente e à promoção Dhana, o objetivo do encontro foi oferecer instruções sobre como registrar e realizar denúncias em caso de intoxicação por agrotóxicos aplicados por fazendeiros e empresas que atuam na região.

As oficinas foram realizadas pela FIAN Brasil, em parceria com a Comissão Pastoral da Terra (CPT) do Norte de Minas, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Josenópolis, além de lideranças e membros do conselho e das diversas associações de geraizeiras e geraizeiros que vivem na região norte de Minas Gerais.

FIAN Brasil

Fotos: Leonardo Pillon 

Pela segunda vez, Bolsonaro negligencia alimentação escolar no orçamento federal

Em contexto de inflação e agravamento da fome, programa fica sem reajuste pelo quinto ano consecutivo; proposta será analisada pelo Congresso, enquanto sociedade civil pressiona por mais recursos

O governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) deixou de prever reajuste ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) ao apresentar o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o Congresso Nacional na quarta-feira (31). A versão enviada ao Legislativo mantém o represamento das verbas destinadas ao Pnae, que não são corrigidas desde 2017. O valor indicado no projeto é inferior a R$ 4 bilhões (R$ 3.961.907.292,00) e muito semelhante ao de 2022. O PLOA ainda será analisado pelos deputados/as e senadores/as. Além disso, organizações da sociedade civil pressionam para que haja mais recursos para o programa.

Essa é a segunda vez que Bolsonaro, em menos de um mês, nega-se a atualizar os recursos destinados para a alimentação escolar. Em uma deliberação anterior, ele vetou em 12 de agosto o reajuste aprovado pelos congressistas no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 – uma recomposição de 34% que cobria a defasagem dos últimos cinco anos. Ao justificar, na ocasião, o presidente argumentou que destinar mais recursos à alimentação escolar poderia drenar verbas de outros programas e estourar o “teto de gastos” do Poder Executivo previsto pela Emenda Constitucional nº 95[1]. Dezenas de organizações estão mobilizadas pela derrubada do veto, que depende de apreciação convocada pelo presidente do Congresso Nacional (e do Senado), Rodrigo Pacheco (PSD).

As decisões de Bolsonaro atingem em cheio uma das principais políticas públicas voltadas a garantir o direito humano à alimentação e nutrição adequadas, em um contexto no qual 33,1 milhões de pessoas passam fome diariamente no país, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil[2].

A alimentação escolar adequada é fundamental para um expressivo número de famílias brasileiras nessa situação. Para boa parte delas, as refeições na escola são a principal fonte de comida saudável de seus filhos. Estima-se que quase 40 milhões de estudantes são atendidos atualmente pelo Pnae[3] e que a insegurança alimentar grave, quando não se sabe o que haverá para comer de um dia para o outro, saltou de 9,4% das crianças de até 10 anos de idade em 2020 para 18,1% em 2022[4].

Além disso, a garantia da alimentação e nutrição adequadas está associada ao desenvolvimento cognitivo e permanência na escola para milhões de estudantes.

“Ao conjugar segurança alimentar, acesso à educação, desenvolvimento local e garantia de desenvolvimento biopsicossocial para as próximas gerações, a alimentação escolar é um exemplo de política pública que traz em seu desenho a própria definição de interesse público”, afirma a assessora de Segurança Alimentar do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), Gabriele Carvalho, que coordena o projeto Equidade e Saúde nos Sistemas Alimentares, iniciativa da FIAN Brasil com foco nas compras públicas.

O ÓAÊ é uma articulação de organizações da sociedade civil para fiscalizar o cumprimento do Pnae e tem como secretaria executiva a FIAN Brasil e o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).

Alimentação saudável

Ao mesmo tempo que protege da fome crianças de adolescentes de famílias mais socialmente vulneráveis, o Pnae é uma importante fonte de renda para a agricultura familiar. A lei que estabelece o programa[5] prevê que 30% do valor repassado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) deve ser utilizado para a compra direta dessa modalidade de produção rural.

A agricultura familiar é a principal responsável pela produção de boa parte dos principais alimentos in natura consumidos pela população brasileira. Responde por 80% do valor da mandioca produzida, 42% do feijão e algumas frutas, como 69% do abacaxi, de acordo com informações do último Censo Agro realizado pelo IBGE[6].

“O fornecimento de alimentos da agricultura familiar para a alimentação escolar garante renda para diversas famílias de agricultoras e agricultores em todo o país. É uma ferramenta essencial para a garantia do direito à alimentação, sobretudo da alimentação saudável, indissociável à garantia de outros direitos, como o próprio direito à educação”, acrescenta Carvalho.

Por que corrigir

O reajuste vetado por Bolsonaro é cerca de 15 vezes inferior ao que foi sancionado para a execução de emendas de relator, também conhecidas como “RP9” ou “orçamento secreto”. Ou mais de 30 vezes inferior ao impacto orçamentário da PEC 1/22, que determina um conjunto de benefícios temporários, ao longo de 2022, e são entendidos pelo governo como necessários em um estado de emergência.

“Se existiu no passado recente a possibilidade de crédito extraordinário para viabilizar o atendimento a situações emergenciais, consideramos pertinente trazer também esta possibilidade para a alimentação escolar – que não é uma inimiga do orçamento público, muito pelo contrário: é um instrumento poderoso de combate a emergências”, afirma o assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos.

“Os e as parlamentares demonstraram sensibilidade para o tema, tanto que o reajuste fez parte de um acordo entre diversos partidos. Acreditamos que vão ouvir a sociedade e derrubar esse veto, evitando que essa vitória do direito à alimentação seja cancelada por uma canetada”, conclui.