Livro reúne atividades e materiais produzidos no projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade

A FIAN Brasil compilou num livro as atividades realizadas e materiais produzidos no projeto Crescer e Aprender com Comida de Verdade – pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas na Escola.

A iniciativa, executada ao longo de 2021, teve como objetivo contribuir para a promoção desse direito humano, conhecido pela sigla Dhana, no âmbito do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae).

O livro também destaca a linha do tempo dessa política pública e duas reportagens produzidas pelo portal O Joio e o Trigo no especial jornalístico Merenda não é lucro. Apresenta, ainda, cinco entrevistas inéditas sobre alimentação escolar e sobre como a soberania e segurança alimentar e nutricional atravessa os desafios do Brasil e do mundo. As entrevistadas e o entrevistado são Deborah Duprat, José Graziano, Maria Emília Pacheco, Sofía Monsalve e Tereza Campello.

Além de Crescer e Aprender com Comida de Verdade: um ano em defesa do direito à alimentação adequada no Pnae, a coleção de publicações do projeto inclui dois livretos e duas cartilhas.

Restrição aos ultraprocessados e apoio à agricultura familiar

O Crescer e Aprender, desenvolvido ao longo de 2021 com apoio da Global Health Advocacy Incubator (Ghai), teve como foco a restrição aos produtos alimentícios ultraprocessados e o incentivo a uma maior participação da agricultura familiar no fornecimento de alimentos para as escolas públicas. Foram ações de produção de conhecimento, formação, articulação, sensibilização e incidência, num contexto fortemente impactado pela pandemia de Covid-19 e pelo desmonte das políticas sociais, marcado ainda por tentativas de captura do cardápio escolar.  

As atividades envolveram estreita colaboração com a ACT Promoção da Saúde, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Universidade de São Paulo (USP), além do Joio, na produção de conteúdo. Um novo parceiro foi o Instituto Desiderata, que no período desenvolveu projeto focado na saúde de crianças e adolescentes, em âmbito municipal, no Rio de Janeiro.

Na iniciativa, a FIAN Brasil também contou com a parceria da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ) e do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição (Opsan) da Universidade de Brasília (UnB), entre outras organizações. As conversas com a FIAN Colômbia trouxeram conceitos e uma forma de olhar para programas de alimentação escolar alinhada ao Dhana e à soberania alimentar.

Importância reafirmada

Presente em todas as escolas da rede pública do país, o Pnae atende 40 milhões de estudantes e tem quase 70 anos de história. 

Todas as escutas, diagnósticos e interações reafirmaram a importância de defender essa que é uma das maiores políticas de alimentação escolar do mundo, que faz bem para a cidade e o campo e que foi a base para programas de vários países.

As atividades também trouxeram novos elementos para nossa atuação em 2022 e 2023, num projeto que buscará contribuir para o enfrentamento das desigualdades no Brasil a partir dos sistemas alimentares.

Especialistas defendem retomada do PAA em vez de troca pelo Alimenta Brasil

O Dhana e o Programa Alimenta Brasil: riscos e retrocessos nas compras públicas de alimentos da agricultura familiar é o título de nota técnica (NT) publicada pela FIAN Brasil nesta quarta-feira (23). A análise foi elaborada, a pedido da entidade, pelos professores Sílvio Isoppo Porto e Julian Perez-Cassarino e pela engenheira de alimentos Priscila Diniz.

Para os autores e a autora, retomar e fortalecer o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) seria mais efetivo que implementar o programa que o substituiu, do ponto de vista do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Acesse a NT 1/2022 da FIAN.

Proposto na Medida Provisória (MP) 1.061/2021, o Programa Alimenta Brasil foi instituído pela Lei 14.284/2021, com a aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. A lei cria também, no lugar do Programa Bolsa Família, o Programa Auxílio Brasil.

A nota técnica retoma o histórico das políticas de segurança alimentar e nutricional (SAN) no Brasil, destacando aquelas que abriram o mercado institucional para as aquisições da agricultura familiar. São lembradas medidas como a dispensa de licitação dentro de determinados limites de aquisição por família, e a articulação com o fornecimento a instituições de assistência social, “criando um círculo virtuoso econômico, social e ambiental nos âmbitos local e regional”.

Inovações

Porto, Perez-Cassarino e Diniz jogam luz sobre o PAA, criado em 2003, como primeiro programa nesse sentido. Entre as inovações são listadas: “i) recorte de público (agricultura familiar e assentados da reforma agrária, passando a incorporar também povos indígenas e povos e comunidades tradicionais); ii) compra sem processo de concorrência pública; ação direta de aquisição por parte do Estado; iii) preços pagos na aquisição, respeitando e levando em consideração as especificidades regionais e; iv) gestão compartilhada entre cinco ministérios”.

O trio ressalta que o PAA foi fundamental para a revitalização da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no contexto do Fome Zero, adquiriu mais de 500 tipos de alimentos diferentes e chegou a beneficiar em um ano mais de 18 mil entidades que atuavam no atendimento a pessoas em situação de insegurança alimentar.

Com o acompanhamento orçamentário, a NT 1/2022 mostra o crescimento do Programa de Aquisição de Alimentos entre 2003 e 2012, a redução – porém ainda em bons volumes – de 2013 a 2016 e o esvaziamento drástico a partir de 2016. A exceção, no passado recente, foi 2020, quando a mobilização popular de mais de 800 organizações levou os e as parlamentares a destinarem R$ 500 milhões extras a essa política. Em 2021, no entanto, o Orçamento do governo Bolsonaro previu cerca de R$ 100 milhões para a rubrica, 10% do montante aplicado em 2012.

Falta de transparência

De acordo com a análise, a execução do Alimenta Brasil pouco difere do que historicamente vem sendo feito no PAA, mas traz lacunas relevantes: a extinção da modalidade sementes e o apagamento das instâncias e espaços institucionais de diálogo com a sociedade civil, com brechas para uma enfraquecimento ainda maior na execução do programa ou seu aparelhamento para fins políticos.

“Claramente, essa iniciativa do governo não passa de ação política para tentar fortalecer sua imagem junto à opinião pública, como se estivesse promovendo uma inovação institucional em prol da inclusão produtiva e da produção e distribuição de alimentos às famílias em situação de insegurança alimentar”, concluem os autores. “Se a intenção do governo de fato fosse essa, em vez de desconstruir o PAA, bastaria ampliar os recursos financeiros destinados ao programa e garantir regularidade no aporte de dotação orçamentária, assegurando pelo menos R$ 1 bilhão ao PAA anualmente.”