Impacto de MP sobre direito à alimentação volta a ser tema de discussão na Câmara

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados realizou audiência pública no dia 25 de abril para discutir o impacto da Medida Provisória 870/19 sobre o direito humano à alimentação.

A MP, editada pelo governo Bolsonaro para reduzir o número de ministérios de 29 para 22, extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). O órgão tinha o papel de propor diretrizes para assegurar o direito a uma alimentação adequada.

Solicitada pelo deputado Padre João (PT-MG), a audiência pública contou com a participação da subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat; da então presidente do Consea, Elisabetta Recine; da diretora-executiva da Oxfam Brasil, Kátia Drager Maia, da representante da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (FIAN Brasil), Valéria Burity; da presidente da Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (Abrasco), Gulnar Azevedo e Silva; do representante da FAO no Brasil, Rafael Zavala; e do representante do Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional.

“Falo em nome de inúmeras, de milhares de pessoas que estão nessa agenda. Não me coloco na função de presidente [do Consea] pois não quero ser viúva desse processo. Quero estar no presente e o presente é que a Medida Provisória 870 extinguiu sim o Consea e, mais do que extinguiu, ela [MP] acabou com uma lei que foi aprovada nesta Casa por unanimidade por reconhecer que o direito humano à alimentação adequada é mais do que urgente. Um país como o Brasil não pode mais conviver nem com fome, nem com má alimentação” disse Elisabetta Recine, professora da UnB, integrante do Grupo Temático Alimentação e Nutrição em Saúde Pública (GTANSC/Abrasco).

Desde o anuncio da MP 870 que extinguiu o Consea foram inúmeras as mobilizações, incidências e debates que organizações ligadas ao Direito Humano à Alimentação têm promovido e participado. A FIAN Brasil integra este conjunto. São inúmeras atividades, entre elas a petição internacional com mais de 35 mil assinaturas de pessoas de todo o mundo que pedem pela volta do Consea.

“O direito humano à alimentação adequada significa não apenas erradicar a fome, como produzir, consumir e aproveitar os alimentos de forma saudável e sustentável”, observou Valéria Burity. Representante da Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas, ela ressaltou que o Consea foi essencial, por exemplo, na formulação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar (11.346/06) e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, de 2011.

Representante da FAO no Brasil – a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura –, Rafael Zavala destacou que o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) teve papel essencial nas políticas de combate à fome promovidas pelo Brasil nos últimos 15 anos e que poderia auxiliar também no enfrentamento da obesidade. Segundo Zavala, hoje menos de 5% da população brasileira ainda sofrem de insegurança alimentar, mas mais de 18% são ou estão obesos.

A subprocuradora-geral da República Deborah Duprat afirmou que, graças à política que o Consea ajudou a implementar, o Brasil conseguiu sair do mapa da fome em 2014, e hoje a FAO estimula países africanos a reproduzir o modelo brasileiro. Conforme Duprat, a MP desmonta o Consea, ao revogar dispositivos da legislação que tratam de sua composição e atribuição, sem que nenhuma estrutura seja criada para substituí-lo.

O Consea era um órgão consultivo diretamente ligado à Presidência da República – um espaço de participação da sociedade civil na formulação e avaliação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional. Criado em 1993, pelo então presidente Itamar Franco, o Consea foi revogado no governo Fernando Henrique Cardoso com a criação do Programa Comunidade Solidária. O conselho foi reorganizado em 2003, no primeiro governo Lula.

A audiência pública está disponível na íntegra AQUI!

Com informações da Câmara dos Deputados. Crédito foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Nota do ATL: Resistimos há 519 anos continuaremos resistindo

Nós, mais de 4 mil lideranças de povos e organizações indígenas de todas as regiões do Brasil, representantes de 305 povos, reunidos em Brasília (DF), no período de 24 a 26 de abril de 2019, durante o XV Acampamento Terra Livre (ATL), indignados pela política de terra arrasada do governo Bolsonaro e de outros órgãos do Estado contra os nossos direitos, viemos de público manifestar:

  • O nosso veemente repúdio aos propósitos governamentais de nos exterminar, como fizeram com os nossos ancestrais no período da invasão colonial, durante a ditadura militar e até em tempos mais recentes, tudo para renunciarmos ao nosso direito mais sagrado: o direito originário às terras, aos territórios e bens naturais que preservamos há milhares de anos e que constituem o alicerce da nossa existência, da nossa identidade e dos nossos modos de vida.
  • A Constituição Federal de 1988 consagrou a natureza pluriétnica do Estado brasileiro. No entanto, vivemos o cenário mais grave de ataques aos nossos direitos desde a redemocratização do país. O governo Bolsonaro decidiu pela falência da política indigenista, mediante o desmonte deliberado e a instrumentalização política das instituições e das ações que o Poder Público tem o dever de garantir.
  • Além dos ataques às nossas vidas, culturas e territórios, repudiamos os ataques orquestrados pela Frente Parlamentar Agropecuária contra a Mãe Natureza. A bancada ruralista está acelerando a discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em conluio com os ministérios do Meio Ambiente, Infraestrutura e Agricultura. O projeto busca isentar atividades impactantes de licenciamento e estabelece em uma única etapa as três fases de licenciamento, alterando profundamente o processo de emissão dessas autorizações em todo o país, o que impactará fortemente as Terras Indígenas e seus entornos.
  • O projeto econômico do governo Bolsonaro responde a poderosos interesses financeiros, de corporações empresariais, muitas delas internacionais, do agronegócio e da mineração, dentre outras. Por isso, é um governo fortemente entreguista, antinacional, predador, etnocida, genocida e ecocida.

Reivindicações do XV Acampamento Terra Livre diante do cenário sombrio, de morte, que enfrentamos, nós, participantes do XV Acampamento Terra Livre, exigimos, das diferentes instâncias dos Três Poderes do Estado brasileiro, o atendimento às seguintes reivindicações:

  • Demarcação de todas as terras indígenas, bens da União, conforme determina a Constituição brasileira e estabelece o Decreto 1775/96. A demarcação dos nossos territórios é fundamental para garantir a reprodução física e cultural dos nossos povos, ao mesmo tempo que é estratégica para a conservação do meio ambiente e da biodiversidade e a superação da crise climática. Ações emergenciais e estruturantes, por parte dos órgãos públicos responsáveis, com o propósito de conter e eliminar a onda crescente de invasões, loteamentos, desmatamentos, arrendamentos e violências, práticas ilegais e criminosas que configuram uma nova fase de esbulho das nossas terras, que atentam contra o nosso direito de usufruto exclusivo.
  • Exigimos e esperamos que o Congresso Nacional faça mudanças na MP 870/19 para retirar as competências de demarcação das terras indígenas e de licenciamento ambiental do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e que essas competências sejam devolvidas ao Ministério da Justiça (MJ) e à Fundação Nacional do Índio (Funai). Que a Funai e todas as suas atribuições sejam vinculadas ao Ministério da Justiça, com a dotação orçamentária e corpo de servidores necessários para o cumprimento de sua missão institucional de demarcar e proteger as terras indígenas e assegurar a promoção dos nossos direitos.
  • Que o direito de decisão dos povos isolados de se manterem nessa condição seja respeitado. Que as condições para tanto sejam garantidas pelo Estado brasileiro com o reforço das condições operacionais e ações de proteção aos territórios ocupados por povos isolados e de recente contato.
  • Revogação do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU).
  • Manutenção do Subsistema de Saúde Indígena do SUS, que é de responsabilidade federal, com o fortalecimento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a garantia da participação e do controle social efetivo e autônomo dos nossos povos e as condições necessárias para realização da VI Conferência Nacional de Saúde Indígena. Reiteramos a nossa posição contrária a quaisquer tentativas de municipalizar ou estadualizar o atendimento à saúde dos nossos povos.
  • Efetivação da política de educação escolar indígena diferenciada e com qualidade, assegurando a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos territórios etnoeducacionais. Recompor as condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena, na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado.
  • Implementação da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI) e outros programas sociais voltados a garantir a nossa soberania alimentar, os nossos múltiplos modos de produção e o nosso Bem Viver.
  • Restituição e funcionamento regular do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) e demais espaços de participação indígena, extintos juntamente com outras instâncias de participação popular e controle social, pelo Decreto 9.759/19. O CNPI é uma conquista nossa como espaço democrático de interlocução, articulação, formulação e monitoramento das políticas públicas específicas e diferenciadas, destinadas a atender os direitos e aspirações dos nossos povos.
  • Fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.
  • Arquivamento de todas as iniciativas legislativas anti-indígenas, tais como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00 e os Projetos de Lei (PL) 1610/96, PL 6818/13 e PL 490/17, voltadas a suprimir os nossos direitos fundamentais: o nosso direito à diferença, aos nossos usos, costumes, línguas, crenças e tradições, o direito originário e o usufruto exclusivo às terras que tradicionalmente ocupamos.
  • Aplicabilidade dos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que inclui, entre outros, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas. Tratados esses que reafirmam os nossos direitos à terra, aos territórios e aos bens naturais e a obrigação do Estado de nos consultar a respeito de medidas administrativas e legislativas que possam nos afetar, tal como a implantação de empreendimentos que impactam as nossas vidas.
  • Cumprimento, pelo Estado brasileiro, das recomendações da Relatoria Especial da ONU para os povos indígenas e das recomendações da ONU enviadas ao Brasil por ocasião da Revisão Periódica Universal (RPU), todas voltadas a evitar retrocessos e para garantir a defesa e promoção dos direitos dos povos indígenas do Brasil.
  • Ao Supremo Tribunal Federal (STF), reivindicamos não permitir e legitimar nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal).

Realizamos este XV Acampamento Terra Livre para dizer ao Brasil e ao mundo que estamos vivos e que continuaremos em luta em âmbito local, regional, nacional e internacional. Nesse sentido, destacamos a realização da Marcha das Mulheres Indígenas, em agosto, com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”.


Brasília – DF, 24 a 26 de abril 2019

APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil