Nota do Consea sobre o projeto “Alimento para todos”

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), órgão consultivo e de assessoramento da Presidência da República, tem recebido consultas nos últimos dias sobre o chamado Projeto “Alimento para Todos”, lançado em 8 de outubro do corrente ano pela Prefeitura de São Paulo e a Plataforma Sinergia, conforme notícias veiculadas nos meios de comunicação.

Pelas informações disponíveis, o Poder Público Municipal pretende distribuir a grupos sociais em situação de vulnerabilidade um produto alimentar processado a partir de alimentos em vias de perda de validade de consumo e/ou fora de padrões de comercialização, resultando em um granulado com composição ainda não divulgada.

A Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006), regida pelo princípio do Direito Humano à Alimentação Adequada, explicita que todas e todos devem estar livres da fome por meio de uma alimentação adequada. A dignidade e respeito aos valores humanos e culturais são condições inegociáveis em qualquer ação desta natureza.

Somando-se a isto o Guia Alimentar, publicação oficial do Ministério da Saúde com as diretrizes sobre alimentação saudável, enfatiza que a dimensão cultural e social da alimentação é fundamental para o exercício e expressão da cidadania de todas e todos e recomenda que os alimentos in natura ou minimamente processados sejam a base da alimentação de brasileiros e brasileiras.

O Consea defende as linhas e diretrizes do Guia Alimentar, bem como o conceito de “comida de verdade”, construído com ampla participação social e consolidado na 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, encontro que teve a participação de 2 mil pessoas em Brasília, em novembro de 2015.

Na 5ª Conferência, os delegados e as delegadas participantes aprovaram um “Manifesto à Sociedade Brasileira” sobre aquilo que avaliam como “Comida de Verdade”. Segundo o documento, “a comida de verdade é saudável, garante o direito à alimentação de qualidade, promove hábitos alimentares saudáveis e não está sujeita a interesses de mercado” (clique aqui para o Manifesto).

Assim sendo, considerando esses aspectos e tendo em vista a urgência que o assunto requer, o Consea solicitou à Secretaria do Trabalho e Empreendedorismo  da Prefeitura de São Paulo, responsável pela Política Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, e ao Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional informações, documentos oficiais e técnicos sobre este Programa, de maneira a exercer sua função legítima e institucional de controle social e monitoramento das políticas públicas, e convoca a todas e todos a analisarem o atendimento aos princípios da dignidade humana e realização do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e da Segurança Alimentar e Nutricional nesta ação.

Brasília (DF), 13 de outubro de 2017

Cimi lança nesta quinta, 05, relatório ‘Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016’

As disputas políticas e o recrudescimento da ofensiva sobre os direitos indígenas em 2016 refletiram-se em graves ações de violência e violações em aldeias em todo o país. Esta é uma das constatações do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016, uma publicação do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que será lançado nesta quinta-feira, 5 de outubro, às 14h30, na nova sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.

Chama atenção novamente neste Relatório a quantidade de casos de suicídio, assassinato, mortalidade na infância e de invasões e exploração ilegal de bens comuns, principalmente madeira. O desrespeito do Estado ao direito dos indígenas de viverem nas suas terras ancestrais é um dos focos centrais da publicação, que traz um resumo da situação geral das terras indígenas no Brasil, atualizado no dia 25 de setembro de 2017. Uma extensa tabela que apresenta os 836 territórios não demarcados, divididos por estado, e a situação de cada um deles no procedimento demarcatório é um dos destaques desta publicação.

Os dados do Relatório abrangem diferentes tipos de violência e violações, como conflitos relativos a direitos territoriais, ameaça de morte e desassistência nas áreas de saúde e educação, dentre outros. As informações sobre assassinatos também poderão ser visualizadas no mapa digital da plataforma Caci – Cartografia de Ataques Contra Indígenas, mapeadas de acordo com o município e a terra indígena em que ocorreram.

Estarão presentes no evento cerca de quarenta indígenas dos estados do Maranhão, dos povos Apanikrã Kanela, Krepun, Memortumré Kanela, Krenyê e Gavião, e de Roraima, Macuxi e Wapichana. Dom Roque Palosci, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho, Dom Leonardo Steiner, secretário-geral da CNBB, Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi, e Roberto Liebgotti, coordenador do Cimi Regional Sul e um dos responsáveis pela elaboração do relatório, irão compor a mesa de debates no evento.

Cabe ressaltar que, oportunamente, o lançamento será realizado no aniversário de 29 anos da promulgação da Constituição Federal. Desse modo pretende-se explicitar, além do desrespeito aos direitos originários dos indígenas estabelecidos pela Carta Magna, a inconstitucionalidade do “marco temporal”. Esta tese político-jurídica restringe o alcance do direito à demarcação das terras indígenas, já que vincula este direito à presença física, e não tradicional, das comunidades nos seus territórios ao dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

 

Serviço

 

O quê: Lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – Dados 2016

Quando: 5 de outubro (quinta-feira), às 14h30

Onde: Sede nova da CNBB – SGAN 905, Bloco C (em frente ao autódromo)

 

Assessoria de Comunicação CIMI

Uma crise alimentar mundial que nunca desapareceu

A crise de 2007 e 2008, que aumentou o número de pessoas afetadas pela fome para um bilhão e comprometeu ainda mais os direitos humanos, nunca desapareceu. Esta é a mensagem do Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição 2017.

 

Lançado esta semana na Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (UN FAO), o Observatório do Direito à Alimentação e à Nutrição celebra sua décima edição e analisa que durante a última década de crise alimentar mundial, o número de pessoas famintas atingiu seu auge. Hoje, apesar de algum progresso, muitos dos problemas que levaram a esta crise persistem e continuam a afetar milhões.

Isto se confirma pelo relatório anual ‘O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional’ (SOFI) que anunciou, depois de ter diminuído em mais de uma década, que a fome global aumentou novamente afetando 815 milhões de pessoas em 2016 – 11% da população global. Apesar destes números não representarem o quadro completo da insegurança alimentar, ajudam a perceber o caminho que o mundo está a seguir. A proliferação de conflitos violentos, como no Iémen, e choques relacionados com o clima, exemplificados com as catástrofes do Caribe e Américas, estão em parte por detrás destas tendências. E tudo isto é acentuado pelo sistema econômico dominante.

Intitulado “Vencer a crise alimentar mundial”, este número do Observatório mostra, com dez artigos e imagens-chave, a contínua crise múltipla em que o mundo está preso. Das mudanças climáticas às injustas regras do comércio global através das grandes fusões de empresas do agronegócio, até o papel das mulheres na transformação dos sistemas alimentares e do direito à alimentação em situações de emergência, o Observatório realça a complexidade por trás desta crise.

Quando o desastre aparece sem avisar 

O Observatório afirma que a crise, a qual era bastante multifacetada e multidimensional, “teve profundos efeitos na subsistência e vida das pessoas, em suas relações com a alimentação, e também com a saúde pública e bases sociais das comunidades – efeitos que ainda hoje são sentidos”. A crise foi, sem dúvida, o resultado da convergência complexa de fatores de longo e curto prazo, como as autoras e autores exploram nesta edição. Mas para muitas, principalmente no movimento de soberania alimentar, não foi sem avisar que esta crise apareceu, mas foi sim o resultado inevitável dos sistemas econômicos e políticos dominantes que colocaram em primeiro lugar os lucros em vez da manutenção do ambiente e dos direitos humanos.

O Observatório destaca a existência de um sistema alimentar global homogêneo, que é impulsionado por concentração de poder de corporações transnacionais que reduzem alimentos a mercadorias comercializáveis. O espaço rural é a área principal onde estes conflitos se realizam, geralmente de forma violenta, enquanto que em contextos urbanos é alarmante a existência e prevalência de doenças não transmissíveis relacionadas com dietas, que continuam a aumentar em todo o mundo. “Esta insustentabilidade tem sido evidente na exploração sistemática do trabalho agrícola, na persistente poluição dos recursos naturais, na concentração de poder econômico e riqueza, que deixaram os produtores e produtoras de alimentos cronicamente endividados, e no aumento dos níveis de desigualdade no acesso a recursos alimentares e de produção”, indica o Observatório.

Para uma saída, é necessário mover o sistema

Nas recomendações para ultrapassar a crise, a publicação assinala a necessidade de transformações sistemáticas e de se passar a um modelo de produção, distribuição e consumo sustentáveis baseados na justiça social, ambiental e de gênero e na garantia de todos os direitos humanos. Para concluir, “para ter os meios para alimentar a humanidade no futuro, precisamos, urgentemente, de criar sistemas alimentares locais e regionais que lutem contra a concentração de poder dos mercados nacionais e internacionais”.

Em comentário à publicação, Soledad García Muñoz, a primeira Relatora Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), afirma: “Para compreender a crise, é necessário ter uma análise honesta e introspectiva do sistema alimentar dominante, bem como do aparato sociopolítico que o sustenta. Para superar esta crise, é preciso alcançar uma melhor distribuição da riqueza e do poder e acreditar que uma mudança é possível. Isto precisa de ser acompanhado pelo reforço dos direitos humanos e de todos os mecanismos que os promovem de boa fé. Afinal, como o Observatório foca, este é o resultado de nossas lutas por justiça social e será o alicerce para as gerações futuras”.

Acesse o Observatório aqui.

Tekohá É Vida

Num mundo profundamente desligado da natureza, Tekohá é Vida realçará as lutas dos povos indígenas Guarani e Kaiowá e tem como objetivo aumentar a compreensão das abordagens não-dominantes e mais sustentáveis da mãe natureza.

Numa época de crescente comercialização de bens comuns, como terra e outros recursos naturais, o acesso e o controle de territórios ancestrais pelos povos indígenas está cada vez mais em risco. Apesar de serem reconhecidos pela legislação internacional e apresentados em várias leis nacionais, os direitos das comunidades indígenas estão a ser pisoteados por atividades comerciais, com a cumplicidade e fracasso dos governos. E, para além de tudo isto, as abordagens à terra dadas pelos indígenas, que possuem uma ligação genuína com a natureza, e a manutenção sustentável num mundo de destruição ambiental, parecem ser desconsideradas.

Os povos indígenas Guarani e Kaiowá, que representam cerca de 60 mil pessoas no Brasil (cerca de 45 mil apenas no sul do estado Mato Grosso do Sul), sofrem cada vez mais os atos de violência e expulsão das suas terras tradicionais. Desde 1920, têm sido constantemente expulsos dos seus territórios ancestrais, os quais são essenciais à sua identidade, autodeterminação e dignidade humana.

Em Guarani, sua língua indígena, Tekohá é o termo utilizado para se referir a seus territórios. Tekohá significa muito mais do que simplesmente terra. O prefixo teko – representa as normas e costumes da comunidade, enquanto que o sufixo – ha tem a conotação de lugar. Tekohá é o lugar físico – incluindo terra, floresta, campos, cursos de água, plantas e remédios – onde o modo de vida dos povos indígenas Guarani e Kaiowá se desenvolve. A terra é uma extensão dos povos indígenas e da sua fonte de vida. Citando as suas palavras: a terra são eles e elas, e eles e elas são a terra.

Tekohá é vida é lançado como uma iniciativa para realçar as lutas dos povos indígenas Guarani e Kaiowá na recuperação do acesso e controle das suas terras ancestrais. Num mundo cada vez mais alienado e desligado da natureza é importante aumentar a compreensão das abordagens não-dominantes e mais sustentáveis da mãe natureza.

Diversas iniciativas de defesa de seus direitos e sensibilização serão realizadas na esperança demonstrar às pessoas a realidade em que os Guarani e Kaiowá vivem.

Da FIAN Internacional

Poder dos Alimentos é tema de Simpósio no Rio de Janeiro

Nos dias 29 e 30 de setembro, foi realizado no Rio de Janeiro, o Simpósio “O Poder dos Alimentos: um diálogo entre saberes e fronteiras”. Organizado pelo IESP – Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, o Simpósio teve como objetivo discutir as lutas políticas, a produção, distribuição e consumo de alimentos.

O evento foi dividido em temas, almejando em cada deles uma representação de olhares distintos, entre disciplinas acadêmicas e da prática política e cotidiana. Um primeiro eixo temático trata da alimentação como direito humano e discute os conceitos de segurança alimentar e soberania alimentar, bem como as lutas pelo reconhecimento dos direitos dos camponeses.

O segundo eixo discute as implicações desta concepção de alimentação como direito humano para se repensar as esferas da produção, distribuição e consumo, tendo em vista o predomínio de uma visão mercantilizada sobre o alimento.

O terceiro eixo temático, por sua vez, se refere às relações entre alimentação, meio ambiente e saúde, considerando-se a qualidade dos alimentos, a saúde do trabalhador e do consumidor, a preservação da agrobiodiversidade, bem como a produção de alimentos para além da agricultura. Já o quarto eixo traz para o centro do debate as desigualdades e injustiças em torno da alimentação, entre elas gênero, etnia, raça e espaços geográficos. Por fim, o quinto eixo temático discute a politicização da alimentação, em suas variadas facetas, as antigas e novas alianças em torno do tema, incluindo a solidariedade transnacional e os desafios, sobretudo em relação às conjunturas políticas nacional e internacional.

A secretária geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, participa da mesa “Alimentação como direito: segurança alimentar e soberania alimentar em contexto de crise”, que acontece na manhã do dia 29.

Confira a programação completa AQUI.

FIAN Brasil participa da 4ª Plenária do Consea

A 4ª Reunião Plenária Ordinária do Consea realizada no dia 27 de setembro discutiu sobre a Agricultura Familiar e Compras Públicas, com foco principal no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que teve cortes no orçamento do Governo Federal acima de 2 bilhões de reais. O corte no PAA representa, para especialistas, um desmonte da agricultura familiar no país.

Durante a Plenária foram ouvidos representantes da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário (Sead) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

No dia 26 de setembro, a FIAN Brasil participou da reunião da Comissão Permanente 4 – Direito Humano à Alimentação Adequada do Consea, que além da pauta da Plenária debateu sobre o conceito de DHAA para DHANA e contou com uma apresentação do Comentário Geral no 12 – O direito humano à alimentação (art.11) (Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais do Alto Comissariado de Direitos Humanos/ONU – 1999).

Mais informações sobre a 4ª Plenária do Consea, acesse aqui.

Nota da sociedade civil sobre a Revisão Periódica Universal do Brasil na ONU

As organizações da sociedade civil brasileira presentes no processo de Revisão Periódica Universal do Brasil nas Nações Unidas (ONU) manifestam sua posição sobre o processo e sobre os resultados. Esta é terceira avaliação da situação dos direitos humanos no Brasil. No dia 21 de setembro, durante a 36ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o Estado brasileiro aceitou 242 e tomou nota de quatro, das 246 recomendações feitas por 103 países.

As organizações entendem que a aceitação das recomendações é uma demonstração da necessidade de avançar na realização dos direitos humanos no Brasil. Contudo, questionam sobre o real compromisso do governo brasileiro perante a ONU e à sociedade nacional com relação à implementação. Recomendações adotadas nos dois ciclos avaliativos anteriores ainda não foram efetivadas, dentre elas por exemplo as demarcações de terras indígenas Guarani e Kaiowá. Frente à crise política, o rompimento democrático e as graves medidas de austeridade econômica que atingem a toda a população e, particularmente, os mais pobres e vulneráveis torna-se inviável transformar os compromissos anunciados em ação.

As organizações manifestam profundo desacordo com a intervenção do Estado brasileiro na sessão do Conselho por não corresponder à realidade. O governo se recusa a reconhecer o cenário de graves violações de direitos humanos no Brasil e os inúmeros desafios para o futuro. Para a missão brasileira na ONU todos os retrocessos em direitos trabalhistas, as reduções nos gastos sociais e o ajuste fiscal não comprometem as políticas para a realização dos direitos humanos no Brasil. Para as organizações, tais reformas e cortes orçamentários aprofundarão as desigualdades e as violações.

O futuro anunciado pelo governo é de que 2018 será de retomada de um “ciclo virtuoso de crescimento”, porém é muito difícil de acreditar que as recomendações feitas no RPU tenham condições de efetivação se forem mantidas medidas como a Emenda Constitucional nº 95/2016, a realização da Reforma da Previdência e a proposta de orçamento público federal para 2018 que diminui drasticamente os recursos públicos para áreas fundamentais. O orçamento 2018 proposto pelo governo corta em áreas como o direito à cidade (moradia, saneamento, mobilidade), que terá 86% menos recursos que em 2017; a assistência social, que terá 98% a menos; a ciência e tecnologia, que terá 27% a menos; o meio ambiente, que terá 18% a menos; a promoção da igualdade racial, que terá 74% a menos e a garantia dos direitos das mulheres, que terá 34% a menos. E mais, mesmo com a possibilidade do Brasil voltar ao Mapa da Fome, há redução prevista para o Bolsa Família em 11%, e de 85% para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e para a implantação do Programa de cisternas no semiárido, projeto recém premiado na ONU. Aprofundando o quadro de violações dos direitos dos povos indígenas, em 2018 a Funai sofrerá um corte de mais de 90%, comparado a 2013.

Durante o período de consideração das recomendações pelo Estado brasileiro, entre maio e agosto, houve uma consulta pública online e foi realizada uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados com a presença do Ministério dos Direitos Humanos e do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, é incerto o quanto o governo brasileiro levou em consideração esses processos durante a tomada de decisão em relação às recomendações recebidas no âmbito da RPU e, apesar do compromisso feito pelo MDH, até o momento não foi divulgado o resultado da consulta pública. Infelizmente, o governo brasileiro também não divulgou publicamente a resposta enviada às Nações Unidas no dia do seu envio, cabendo somente à ONU a publicação em seu site, em inglês, da resposta enviada pelo Brasil, o que acabou por restringir o amplo acesso dessa resposta pela sociedade brasileira. Por isso, a sociedade civil considera insatisfatório o processo de informação, consulta e participação social. O diálogo propagado pelo governo foi limitado e, ademais, conselhos de participação e controle social existentes não foram envolvidos no processo. Em Genebra, a missão diplomática apenas cumpriu formalidades.

Por tudo isso, a sociedade civil brasileira que acompanhou o processo do RPU sai deste momento com uma certeza: somente fazendo respeitar os mecanismos democráticos é que o governo poderá engajar-se efetivamente na agenda de promoção e proteção dos direitos humanos. Até lá o Brasil segue sendo um país extremamente desigual, violento e que discrimina e marginaliza amplos segmentos que conformam a sociedade.

Não aceitamos que os mais pobres paguem as contas dos custos do ajuste estrutural. Não aceitamos retrocessos em direitos humanos. Nenhum direito a menos. Todos os direitos para todas as pessoas. Demarcações já. Mais direitos, mais democracia.

Genebra, 22 de setembro de 2017.

 

Assinam a nota:

Anistia Internacional Brasil

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Conectas Direitos Humanos

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Grande Assembleia dos Guarani-Kaiowa (Aty Guasu)

Instituto Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH)

Justiça Global

Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

Observatório Nacional das Políticas de Aids (ABIA)

Plataforma de Direitos Humanos (DhESCA Brasil)

Rede de Cooperação Amazônica (RCA)

Rede Internacional pelo Direito Humano à Alimentação (FIAN Brasil e FIAN Internacional)

Rede Internacional de Direitos Humanos (RIDH)

Mulheres Guarani e Kaiowá realizam Kuñangue Aty Guasu

A 5ª Kunhaguê Aty Guasu – Grande Assembleia das mulheres Guarani e Kaiowá, realizada entre os dias 18 a 22 de setembro, no Tekohá Kurusu Ambá, localizado no município de Coronel Sapucaia (MS), contou com a presença de mais de 600 pessoas e reuniu representantes todos os Tekohá do Mato Grosso do Sul. A Aty das mulheres também contou com a presença de diversas organizações de direitos humanos, como a FIAN Brasil e FIAN Internacional, movimentos sociais e universidades, além de representantes da ONU Mulheres e Ministério Público Federal.

Na Assembleia, as mulheres discutiram e encaminharam todas as pautas que afetam seus direitos como terra, educação, saúde, segurança, acesso a programas sociais, órgãos públicos, entre outros. No estado de Mato Grosso do Sul, o povo Guarani e Kaiowá tem uma população de mais de 45 mil indígenas.

Ao final da Kunhaguê Aty Guasu as mulheres aprovaram documentos que foram encaminhados às autoridades e um documento final, onde enfatizam que: “Há 517 anos nós mulheres indígenas lutamos pelos nossos direitos, nossas terras foram invadidas pelos fazendeiros, temos um governo omisso a nossa causa indígena, os retrocessos aos nossos direitos só cresce, a violência contra nosso povo tem sido cada vez maior. O governo brasileiro e seus poderes legislativo, executivo e judiciário a cada momento criam novas propostas de lei que de forma inconstitucionais atinge
diretamente a vida dos povos indígenas, desconsiderando 100% a nossa realidade. Hoje a nossa luta o nosso grito é pela demarcação de nossas terras tradicionais, pois, dela fomos expulsos obrigados a viver em confinados em Reservas Indígenas com espaço limitados, o que nos resta e viver amontoado em minúsculos espaços de terra, isso nos expõe á vários problemas sociais que atingem e desestruturam o nosso povo Guarani e Kaiowá”.

A próxima Kunhaguê Aty Guasu está prevista para acontecer em 2018.

ENQUANTO HOUVER SOM DA MBARAKA E DO TAKUAPU VAI TER LUTA!
DEMARCAÇÃO JÁ!

 

Cercados, Guarani Nhandeva temem ataque de pistoleiros em retomada no Mato Grosso do Sul

Após a retomada de uma fazenda localizada dentro do perímetro da Terra Indígena Ypo’i/Triunfo, no município de Paranhos (MS), fronteira com o Paraguai, indígenas do povo Guarani Nhandeva foram cercados por pistoleiros e, com medo de ataques e mortes, pedem a presença da Polícia Federal. A retomada ocorreu no início desta semana e o grupo está isolado e sem alimentação.

“Precisamos de apoio o mais rápido possível. Estamos cercados e passando perigo”, denuncia uma das lideranças da retomada, não identificada por razões de segurança. “Parte do grupo foi dividido pelos pistoleiros que estão nos cercando. Ficamos sem comunicação com o pessoal que está na retomada”.

Os pistoleiros chegaram logo após a retomada e permanecem cercando os Guarani Nhandeva, que, sem sinal de telefone, estão com dificuldades de comunicação. Segundo informações dos indígenas, a tensão tem aumentado na retomada e nenhuma autoridade chegou ainda na área. Eles temem que ataques possam ocorrer à noite e, por isso, reforçam que a presença da Polícia Federal é urgente.

Assassinatos, água envenenada e cárcere privado: um histórico de violência e violações

A Terra Indígena Ypo’i/Triunfo foi uma das incluídas no Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) celebrado entre Ministério Público Federal (MPF) e Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2007, após diversas tentativas dos indígenas de retornarem para seus tekoha e sucessivas expulsões por parte de fazendeiros.

O TAC estabeleceu o ano de 2009 para que a Funai publicasse os Relatórios Circunstanciados de Idenficação e Delimitação (Rcid) de um conjunto de terras Guarani e Kaiowá, no sul do Mato do Grosso do Sul, sob pena de multa diária de mil reais em caso de descumprimento do prazo. Atualmente, essa multa já soma uma cifra milionária e segue crescendo a cada dia.

No final daquele ano, com o prazo da publicação vencido e sem perspectiva de verem a demarcação de Ypo’i/Triunfo concluída, os Nhandeva resolveram retomar uma fazenda incidente sobre sua terra tradicional. No dia seguinte à retomada, foram brutalmente atacados por pistoleiros, que despejaram os indígenas e assassinaram os irmãos Rolindo e Genivaldo, ambos professores, cujos corpos desapareceram.

Os indígenas conseguiram retornar e permanecer na área retomada, garantida por decisão da Justiça. A violência e as violações, entretanto, continuaram: fazendeiros envenenaram o córrego que era a única fonte de água dos indígenas, e seu direito de entrar e sair da área retomada foi restrito pelo fazendeiro, que os cerrou por mais de 100 dias atrás das porteiras da fazenda.

Em 2015, uma nova retomada foi feita, e desde então os Guarani Nhandeva seguem vivendo em pequenas áreas de mato retomadas dentro da terra indígena. Após anos de luta, finalmente, em 19 de abril do ano passado, Dia do Índio, o Rcid de Ypo’i/Triunfo foi publicado pela Funai, reconhecendo aos indígenas os 19,7 mil hectares desta área.

Desde 2016, os indígenas aguardam a publicação da Portaria Declaratória da área pelo Ministério da Justiça, para proceder com a demarcação da área e encerrar a situação crítica de vulnerabilidade em que vivem. Foi nesse contexto que, sem mais aguentar esperar, resolveram realizar a retomada que está agora cercada por jagunços.

“Não queremos que se repita o que aconteceu com Rolindo e Genivaldo”

O assassinato dos irmãos Rolindo e Genivaldo Vera segue vivo na memória dos Guarani Nhandeva de Ypo’i/Triunfo. O corpo de Genivaldo foi encontrado nove dias depois do ataque, a trinta quilômetros do local do ataque, e o de seu irmão jamais foi localizado.

“Por isso estamos pedindo que a Polícia Federal venha aqui urgente garantir a nossa segurança. Por causa da demora da Polícia Federal que os professores Rolindo e Genivaldo Vera foram assassinados aqui nessa mesma região”, afirma outra liderança, ressaltando que eles também esperam a Funai e pedem que a informação “chegue até o presidente” do órgão.

 

Por Tiago Miotto/Cimi e Rafael de Abreu
Fonte: CIMI

NOTA PÚBLICA: Ameaças e violência em comunidades do Cerrado piauiense

Conjunto de entidades que formam a  Articulação Piauiense dos Povos Impactados pelo MATOPIBA, com o apoio de organizações nacionais e internacionais, denunciam ameças e o clima de insegurança e medo vivido pelas comunidades do Cerrado no Piauí. Confira:

NOTA PÚBLICA: Ameaças e violência em comunidades do Cerrado piauiense

As entidades que compõem a Articulação Piauiense dos Povos Impactados pelo MATOPIBA (APIM), com o apoio de organizações nacionais e internacionais, vêm a público denunciar o clima de ameaças, insegurança e medo que reina em boa parte das comunidades do Cerrado piauiense, principalmente nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Santa Filomena, Gilbués, Bom Jesus, Currais e Monte Alegre, para onde o capital avança com devastação ambiental e opressão junto às famílias das comunidades locais, para se apropriar dos bens naturais abundantes no bioma.

Fomos informados que, no dia 19 de setembro de 2017, o senhor Adaildo José da Silva, morador do povoado Morro D’água, no município de Baixa Grande do Ribeiro (PI), ao sair de sua casa para levar os filhos para a escola, foi vítima de uma emboscada, em que foi ameaçado de morte com o uso de um facão e agredido física e verbalmente pelo senhor Valdimar Delfino dos Santos a serviço de quem se apresenta como proprietário da área. Vale destacar que esta é mais uma das ameaças que o camponês sofre, pois desde o ano passado já registrou pelo menos quatro Boletins de Ocorrência denunciando as ameaças sofridas, bem como recebeu uma notificação extrajudicial para que abandone a terra em que nasceu, foi criado e que até hoje vive.

Nem mesmo a presença da Caravana Internacional em Defesa do Cerrado, ocorrida no período de 05 a 11 de setembro de 2017, que percorreu a região e constatou violações de direitos à vida e que colheu abundantes depoimentos sobre ameaças, intimidações e agressões que os camponeses sofrem diariamente para cederem lugar ao agronegócio, foi suficiente para cessar as ameaças às famílias camponesas. Uma das comunidades visitadas foi a de Melancias, no município de Gilbués, próxima da localidade Morro D’água, onde vive o senhor Adaildo.

Desde 2004, na terra em que Adaildo vive, tem se apresentando como suposto proprietário um advogado de Brasília, Bauer Souto Santos. Ele diz ter adquirido naquele ano a propriedade e que nela encontrou a família de Adaildo, com quem teria feito um comodato verbal, pelo qual ele poderia permanecer na área.

Mesmo com o suposto acordo verbal, começaram as pressões para que o posseiro abandonasse a área. Pressões que se converteram em ameaças e que têm se repetido com frequência, haja vista os quatro Boletins de Ocorrência que o senhor Adaildo se viu obrigado a registrar.

No dia 31 de julho de 2017, o advogado Bauer Souto encaminhou ao posseiro uma notificação extrajudicial, dando-lhe o prazo de 30 dias para desocupar a fazenda sob alegação de que ele estaria favorecendo que terceiros ocupassem a área, ameaçando-o de entrar com processo judicial contra ele.

Diante da situação de total insegurança em que a família do senhor Adaildo e tantas outras da região vivem, as entidades da APIM manifestam publicamente total solidariedade e apoio a essas famílias, repudiam todas as formas de opressão contra os camponeses e reivindicam das autoridades competentes providências no sentido de garantir a integridade física e as condições de vida com dignidade às famílias camponesas.

Teresina, Piauí, 22 de setembro de 2017.