Seminário em Bruxelas debate Violação de Direitos Humanos dos Povos Indígenas do Brasil

O “Seminário da Sociedade Civil União Europeia-Brasil em Direitos Humanos”, que acontece na cidade de Bruxelas, Bélgica, neste dia 26 de abril, reunirá representantes de organizações brasileiras e europeias para um diálogo sobre a situação vivida pelos povos indígenas, população privada de liberdade, migração e discriminação Racial e intolerância religiosa.

O evento é preparatório ao Diálogo oficial entre a União Europeia e o Brasil sobre direitos humanos, que ocorre no dia 27 de abril, também em Bruxelas. Para o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Cleber Buzatto, que representa a entidade no Seminário, “trata-se de uma importante oportunidade de fortalecer o engajamento e a articulação da sociedade civil brasileira e europeia a fim de que os direitos humanos sejam melhor protegidos e promovidos em ambas realidades geográficas”.

As conclusões do Seminário da sociedade civil serão levadas e consideradas como parte do Diálogo Bilateral, que contará com a participação do corpo diplomático da União Europeia, representada pela Comissão Europeia, e do Brasil, representado pelo Ministério das Relações Exteriores.

Em sua 6ª. Rodada, pela primeira vez o tema “Povos Indígenas” entrou na pauta do Diálogo Oficial bilateral EU-Brasil sobre direitos humanos.  A visibilidade internacional relativa à situação caótica enfrentada pelos povos indígenas no Brasil certamente contribuiu para a inclusão do tema na pauta do Diálogo bilateral neste ano de 2017. “Os povos indígenas, seus direitos e aliados estão sob violento e sistemático ataque por parte de setores político-econômicos vinculados ao agronegócio no Brasil. O agronegócio produz commodities e a União Europeia importa parte dessa produção”, denuncia Buzatto.

Para o missionário indigenista, “é importante que a sociedade civil e a Comissão Europeia estejam cientes das violações de direitos humanos dos povos indígenas, quilombolas, populações tradicionais e camponeses decorrentes da produção dessas commodities no Brasil e como sua importação e consumo, pelos Europeus, pode estar contribuindo nesse processo”.

Na ocasião, serão apresentados casos concretos de violações de direitos humanos de povos indígenas no Brasil, a exemplo do que ocorre com os Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. O massacre de camponeses em Colniza, no Mato Grosso, ocorrido no último 19 de abril, também será retratado no Seminário. Por fim, serão aportadas recomendações a serem adotadas pela União Europeia e seus Estados Membro e pelo Estado brasileiro.

Do Brasil, além do Cimi, participam, dentre outros, representantes da Associação Nacional de Organizações Não Governamentais (Abong), Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Movimento Nacional de População de Rua e FASE. Da Europa, dentre outros, participam representantes da Anistia Internacional, FIAN Internacional, AVSI Fundation e Povo Saami.

Fonte: CIMI

Dentro do pacote de austeridades do governo Temer, MP 759 é “assalto ao patrimônio público federal”

Não há dúvidas sobre o grave cenário de retrocessos nas políticas públicas e retiradas de direitos implantados no país, desde que o presidente Michel Temer assumiu a Presidência da República – primeiro como presidente interino em razão do afastamento de Dilma para início do processo de impeachment e depois com a consumação do golpe, quando assumiu como Presidente de fato em agosto de 2016. Desde então, diversos são os projetos de leis, medidas provisórias, propostas de emendas constitucionais direcionados, severamente, contra a população brasileira, atentando principalmente contra direitos constitucionais, como o direito à alimentação.

Considerada como uma das ofensivas desse Governo para travar de vez a reforma agrária no país e legalizar a grilagem de terras, a Medida Provisória  (MP) 759 foi apresentada no apagar das luzes de 2016 sob a justificativa de “facilitar a regularização fundiária de terras urbanas e rurais” e desde o dia 11 de abril tramita na Câmara dos Deputados.

Movimentos sociais, pesquisadores e o Ministério Público Federal já se posicionaram contrários à medida que é encarada como uma ameaça à soberania nacional.

Para a integrante do Movimento de Mulheres Camponesas, Juçara Ramos, na MP 759 a regularização deixa de ser utilizada como um processo complementar à reforma agrária e na forma como se apresenta, se traduzirá na “maior anti-reforma agrária já vista e na maior usurpação do patrimônio público, atingindo toda a população do campo e da cidade, no momento em que expõe, a toda sorte, quase 50% do Território Nacional”. Ainda segundo Ramos, a MP 759 não só aprofunda a concentração da terra, como também “transfere para mãos privadas um patrimônio público que gira em torno de 310 milhões de hectares de terras, patrimônio pertencente ao povo brasileiro”.

Sob o impacto da MP na vida das mulheres camponesas Juçara Ramos destaca que, embora não existam ainda dados específicos para avaliar esse impacto deve-se levar em consideração que “todas as crises ou decisões do Governo em prol do capital, como é o caso em pauta, a principal atingida é sempre a mulher, portanto esse impacto pode não ser visível, mas ele existe. Provavelmente várias famílias de micros, pequenos e pequenas ocupantes de terras públicas serão expulsas por grileiros na ânsia da acumulação do capital e da concentração da terra. E nessas expulsões toda a família sofre, sendo que a mulher, os idosos e as crianças são as partes frágeis desse processo”, destaca.

Também em entrevista à FIAN Brasil, a advogada e pesquisadora, mestra em Direito Urbanístico e Ambiental, Patrícia Menezes, destacou que a MP 759 é uma componente estrutural do golpe à democracia e soberania nacional e permitirá um verdadeiro assalto ao patrimônio público federal (terras, águas e florestas). “A MP visa legalizar a ocupação irregular em áreas públicas e privadas para aquelas pessoas que não são de baixa renda, num verdadeiro favorecimento e anistia a grileiros, desmatadores e invasores de alto padrão”.

Confira a entrevista com Patrícia Menezes abaixo:


Proposta em dezembro de 2016 pelo governo Temer, a Medida Provisória 759 foi apresentada sob a justificativa de facilitar a regularização fundiária de terras urbanas e rurais. Na sua avaliação, qual a concepção ideológica dessa MP?

No apagar das luzes de 2016, em 22 de dezembro, foi publicada a MP 759 que destrói toda a construção de anos de trabalho em regularização fundiária ao impor, entre outros destaques a revogação da disciplina nacional de Regularização Fundiária de Assentamentos Urbanos (Capítulo III da Lei nº. 11.977/2009), a alteração das regras de Regularização Fundiária e Venda de Imóveis da União, do Programa Terra Legal na Amazônia, da Regularização Fundiária Rural, e a alteração das regras da Política Nacional de Reforma Agrária.

A MP é uma componente estrutural do golpe à nossa democracia e soberania, na medida em que permite um verdadeiro assalto ao patrimônio público federal – terras, águas e florestas – essenciais à manutenção do modo de vida de diversos povos e comunidades tradicionais da Amazônia e litoral brasileiro, como indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores que vivem em territórios ainda não reconhecidos, bem como para a preservação da natureza no bioma amazônico e da Mata Atlântica, sem falar de recursos naturais como madeira e minérios.

Este ato do Governo Temer inverte a lógica do Estado de Direito, ao prever privilégio àqueles que não cumprem a função social da propriedade (ex. proprietários desapropriados para fins de Reforma Agrária) ou que grilam áreas públicas como negócio, e em detrimento da população mais vulnerável e pobre que vive e mora em áreas públicas e privadas e tem na regularização fundiária um direito.

A MP visa legalizar a ocupação irregular em áreas públicas e privadas para aquelas pessoas que não são de baixa renda, num verdadeiro favorecimento e anistia a grileiros, desmatadores e invasores de alto padrão. Ao que parece, a regularização das moradias de alto padrão do entorno do lago em Brasília e de condomínios de média e alta renda no Distrito Federal são um dos principais motivadores da MP promulgada de forma açodada, cheia de inconstitucionalidades e inconsistências jurídicas e até erros de redação.

Quais são as principais inconstitucionalidades desta Medida Provisória?

A MP 759/2016 que está vigente com força de lei, desconstrói os regimes jurídicos construídos democraticamente nas últimas décadas que regem: a regularização fundiária rural, a regularização fundiária urbana, regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal e regime sobre os imóveis da União em especial sobre o regramento da alienação de imóveis da União.

A MP coloca em cheque a função socioambiental do patrimônio público federal (terras, águas e florestas) em prol de uma privatização que atenta contra direitos do povo brasileiro e nossa soberania. Nem mesmo a função arrecadatória dos imóveis da União é disciplinada de forma eficiente, pois a liquidação é tamanha. A norma jurídica está cheia de inconsistências jurídicas, vícios de competência e inconstitucionalidades – apontadas inclusive em nota técnica do MPF – e tem baixa eficácia, pois remete indevidamente muitos assuntos que devem ser regulados por lei à regulamentação do Poder Executivo.

 

Mais de 700 emendas foram apresentadas no Congresso Nacional à MP, e este cenário pode ainda piorar. Dentre tais emendas apresentadas à MP estão as do Deputado Federal Nilson Leitão (PSDB/MS). O deputado propõe alterar a Lei nº 5.709, de 7 de outubro de 1971, e com isto liberar a venda de terras rurais para pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior – o que atualmente é vedado para evitar a concentração fundiária em poder de estrangeiros e empresas brasileiras com maior parte do capital estrangeiro. No mesmo sentido, o Projeto de Lei nº 4.059/2012 que tramita em regime de urgência, apoiado pelo atual Governo.

Este é um dos aspectos mais perigosos da presente proposta, a venda a estrangeiros de terras públicas federais na Amazônia e Zona Costeira Brasileira, em detrimento do cumprimento da função socioambiental do patrimônio da União e acirrando ainda mais os conflitos fundiários com povos e comunidades tradicionais especialmente. Conflitos que alcançaram o maior número de assassinatos em 2016, nos últimos 13 anos, segundo a CPT.

Outro risco é aumentar de 1.500 para 2.500 hectares o limite das áreas rurais passíveis de regularização na Amazônia, apesar de não haver nenhum interesse público na privatização de extensas áreas públicas de floresta, relevantes para as comunidades tradicionais e conservação. Atendendo apenas o interesse de grandes grileiros ou desmatadores.

Você acredita que essa MP pretende dificultar o avanço da Reforma Agrária no país, de que forma?

Primeiro, a MP ao prever o pagamento em dinheiro, em plena crise política e econômica, para a desapropriação para fins de reforma agrária padece de constitucionalidade por violar o art. 184 da CF/88 que prevê expressamente que a desapropriação para fins de reforma agrária se dará mediante prévia e justa indenização paga em títulos da dívida agrária. Aqui temos uma inversão de prioridades, em relação ao investimento de recursos públicos. Outro aspecto problemático da MP em relação à Reforma Agrária é que a MP viola a distribuição de competências entre os entes da Federação prevista na Constituição Federal de 1988. Assim um tema de interesse da União, federal, que é a Reforma Agrária, é municipalizado, na medida em que se atribui aos municípios o papel de seleção de beneficiários. Ora, a Reforma Agrária é assunto de interesses nacional que muitas vezes contraria interesses dos coronéis que comandam o Poder Local e Regional.

Uma das críticas à medida é de que ela dá carta branca ao governo para vender terras públicas, inclusive aquelas onde já existem acampamentos ou assentados da Reforma Agrária, ou mesmo áreas ocupadas por famílias de baixa renda nas cidades, quais os impactos dessa medida nas comunidades tradicionais, como ribeirinhos, quilombolas e povos indígenas?

A permissão da avaliação e alienação em massa dos terrenos de marinha fora da faixa de segurança em qualquer área urbana, no litoral brasileiro, autorizada pela MP, somada a deturpação dos critérios para a regularização fundiária do Terra Legal, na Amazônia e fora dela, são as principais ameaças da MP à função socioambiental do patrimônio da União. Pois áreas da União ocupadas e utilizadas tradicionalmente por povos e comunidades tradicionais, como ribeirinhos na Amazônia, pescadores no Litoral, mas ainda não reconhecidas e regularizadas, e até mesmo, área de presença de índios isolados não contatados na Amazônia Legal, correm o risco de serem destinadas, regularizadas em favor de grileiros, especuladores, desmatadores e estrangeiros, por exemplo, interessados na exploração madeireira, de minérios ou em investimentos turísticos.

Por Flávia Quirino/Ascom FIAN Brasil

 

Relatório da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma Dhesca

A plenária de abertura do 14º Acampamento Terra Livre (ATL), que já reúne em Brasília cerca de 3 mil indígenas, de cem povos diferentes e de todas as regiões do país, foi palco do lançamento do Relatório da Relatoria de Direitos Humanos e Povos Indígenas da Plataforma de Direitos Humanos – Dhesca Brasil na noite desta segunda-feira (24).

A publicação, elaborada a partir das principais atividades realizadas pela Relatoria em conjunto com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e outras instituições, é integrada pelo Relatório da Missão ao Brasil da Relatora Especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, o Relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) sobre a situação dos povos indígenas no sul do Brasil e o Relatório da Coalizão de Defesa dos Direitos Indígenas para a Revisão Periódica Universal (RPU/ONU).

Além de apresentar o contexto político com os marcos legais em que o trabalho foi desenvolvido, o documento discute assuntos estruturais como violência e discriminação contra povos indígenas; megaprojetos; medidas legislativas e administrativas e o dever de consultar (ou a necessidade de garantir espaços de participação e consulta diferenciados para os povos indígenas nas tomadas de decisões que lhes afetem); demarcação de terras; saúde, educação e serviços sociais; atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o acesso à justiça.

“No plano do legislativo brasileiro, observamos uma série de Projetos de Lei que tramitam sem qualquer consulta e visam diretamente à retirada de direitos dos povos indígenas, especialmente aqueles relacionados aos direitos territoriais e à proteção de recursos naturais”, aponta o texto de introdução ao Relatório. Entre os principais projetos, estão a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215 (que transfere ao legislativo a prerrogativa de conduzir as demarcações das terras indígenas, titulação de comunidades quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental) e o Projeto de Lei n.º 1218, que determina que sejam consideradas terras tradicionalmente ocupadas pelos índios apenas aquelas que foram demarcadas até cinco anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988.

O relatório também chama atenção para a Portaria nº 80, editada pelo Ministério da Justiça e Cidadania, com o intuito de inviabilizar as demarcações de terras indígenas e anular procedimentos já em curso ou concluídos, a partir da exigência de critérios que contrariam a Constituição.

Instrumento de luta

Na atividade de lançamento, que contou com as participações de representantes da APIB, Rede de Cooperação Amazônica (RCA), Plataforma Dhesca e Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) – instituições parceiras na realização das atividades reportadas pela relatoria –, a relatora Erika Yamada destacou que o documento, produzido conjuntamente com povos e organizações indígenas, pode se tornar mais um instrumento de luta, principalmente no que se refere a reverberar internacionalmente o atual quadro de retrocessos que o Brasil enfrenta. “A sociedade brasileira, indígena e não indígena, está olhando para o exemplo de mobilização e unificação de lutas que vocês trazem, de resistência, para que não haja retrocessos e para que nossa Constituição não seja jogada no lixo. A informação que chega para os países fora do Brasil, na ONU, nem sempre leva toda a verdade. Há lideranças indígenas em retomada sendo atacadas e mortas, há crianças e mães sofrendo com a discriminação e o racismo, além de todos os ataques à Funai e às leis que protegem os direitos dos povos indígenas. Esses informes são recebidos com muito alerta. É um momento sério de ataques aos Direitos Humanos, especialmente aos dos povos indígenas”.

As estratégias de ações de denúncia internacionais que vêm sendo executadas por um amplo conjunto de entidades indígenas e indigenistas brasileiras foram elencadas por Luis Donisete Grupioni, da RCA. “Uma dessas oportunidades é neste ano, em que o Brasil será avaliado pela ONU. O governo brasileiro enviou um documento, as entidades da sociedade civil mandaram outro e a ONU produziu um terceiro. Os outros países vão ler esses documentos e haverá uma sessão na semana que vem em Genebra em que serão feitas sugestões para melhorar a situação dos Direitos Humanos dos indígenas. Queremos que os países façam recomendações para pressionar governo, Ministério Público e outros órgãos. O governo não pode assumir compromissos e não cumprir”, afirmou.

Continuidade

O integrante da Plataforma Dhesca e presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), Darci Frigo, apresentou o funcionamento da rede e anunciou a continuidade do trabalho da relatoria de direitos indígenas a partir da manutenção do mandato da relatora Erika Yamada. “Como o relatório traz uma série de recomendações, entendemos que o mandato deve ser estendido para que, junto a organizações indígenas, possamos garantir seu monitoramento”.

Confira a íntegra do documento: Relatório DH e Povos Indígenas – INTERNET (2)

Fotos: Leonardo Prado/ISA

Fonte: Plataforma DHESCA

“Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”

Tese que visa a restringir o direito dos indígenas à demarcação de suas terras foi um dos focos do seminário do MPF

 A oficina “Diálogos entre o Direito Constitucional, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Antropologia” aconteceu, ontem (24/4), no auditório da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Com a participação do Ministério Público Federal (MPF), lideranças indígenas, pesquisadores e entidades da sociedade civil, a atividade integra o seminário “Povos indígenas e os direitos originários”, proposta pelo MPF com apoio dada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), do Instituto Socioambiental (ISA) e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

“Nós estamos defendendo direitos que foram consagrados com o custo de vidas”, afirma Joênia Wapichana, advogada indígena que integrou uma das mesas do seminário. “Nossos direitos originários são imprescritíveis, por isso o marco temporal é inconstitucional”, alertou.Uma das pautas em discussão foi o “marco temporal”, uma das principais ameaças aos direitos constitucionais indígenas. Esta tese jurídica propõe uma interpretação restritiva dos direitos indígenas, ao definir que só poderiam ser consideradas terras tradicionais aquelas que estivessem sob posse dos indígenas na data de 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

Bandeira de grupos anti-indígenas, como a bancada ruralista, o marco temporal vem sendo utilizado como instrumento para anular a demarcação de Terras Indígenas no Poder Judiciário, especialmente a partir de decisões da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Diversos juristas e o próprio MPF vêm se manifestando seguidamente pela inconstitucionalidade do marco temporal.

A tese do “marco temporal” foi utilizada no processo que decidiu a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), em 2009. Depois disso, foi utilizada pela Segunda Turma do STF para anular a demarcação das Terras Indígenas (Tis) Guyraroka, do povo Guarani e Kaiowá, e Limão Verde, do povo Terena, ambas no Mato Grosso do Sul.

“Em nenhum desses processos houve a presença das comunidades indígenas. Claramente se diz que eles não têm possibilidade de agir por si sós, estão representados pela Funai, o que mostra o quanto há de desconhecimento ou de intencionalidade da recusa dos direitos que vêm com a Constituição de 1988”, criticou a procuradora federal dos Direitos do Cidadão Deborah Duprat.

O “marco temporal” também foi incorporado ao relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, aprovado na Comissão Especial da Câmara, outra das principais ameaças aos direitos indígenas no Poder Legislativo. O relator da proposta foi o então deputado e agora ministro da Justiça, o ruralista Osmar Serraglio (PMDB-PR).

Um dos principais problemas da tese é que ela desconsidera todas as expulsões e retiradas forçadas sofridas pelos povos indígenas antes e durante a Ditadura Militar e ignora o fato de que, até então, os indígenas não tinham sequer sua autonomia reconhecida pelo Estado brasileiro. O marco temporal considera que poderiam ser demarcadas terras que não estivessem sob posse dos indígenas em outubro de 1988, mas que estivessem sob disputa – física ou judicial – naquela data. A tese desconsidera que, antes da Constituição de 1988, os indígenas eram “tutelados”, o que significava, entre outras coisas, que dependiam da ação do Estado para exigir seus direitos perante à Justiça.

O risco representado pelo marco temporal é agravado pelo fato de que, até a década de 1980, muitas comunidades tinham sua identidade negada pelo Estado brasileiro, de modo que não haveria como comprovar sua posse nas áreas em questão.

“O direito dos indígenas às suas terras não pode se perder se o Estado não teve aptidão ou não soube defender esse direito indígena por todos os seus meios e modos”, criticou Deborah Duprat. “O marco de 1988 é algo que não existe no texto constitucional e não se pode inferir do texto sequer por interpretação, porque nós estamos diante de uma constituição que amplia direitos e não podemos retroceder”, concluiu.

“Precisamos dizer que é absolutamente incoerente, absolutamente incompatível com a ideia de reconhecer como originários os direitos dizer que eles desapareceram em 5 de outubro de 1988 se não estivessem os índios ali”, afirmou o subprocurador-geral da República e coordenador da Sexta Câmara do MPF, Luciano Maia.

Fonte: Mobilização Nacional Indígena