Marco temporal: o Brasil em conflito com a jurisprudência da Corte IDH

Por Adelar Cupsinski e Pedro Biondi

Indígenas protestam em frente ao STF contra o marco temporal / Crédito: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

Para quem apoia ou acompanha essa luta, nada tem de intempestiva a retirada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) da “mesa de conciliação” – muitas aspas cabem – proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver os conflitos possessórios entre comunidades e fazendeiros. São cinco séculos de expropriação e de ouvidos moucos das representações estatais, histórica e reiteradamente tendentes ao lado branco e proprietário. 

O ato político manifesta a indisposição de legitimar um arranjo que reservava seis microfones, de um conjunto de 24, à articulação que representa esses povos. Frise-se que os indígenas, oriundos de culturas baseadas na oralidade, na coletividade e na confiança, vêm procurando jogar o jogo. Têm formado operadores do Direito – exemplo está na assessoria jurídica da Apib – e disputado cadeiras no Legislativo, como a ocupada hoje com brilho na Câmara dos Deputados por Célia Xakriabá (PSOL-MG). Mas a inviabilidade da escuta, muitas vezes expressão do racismo institucional, salta aos olhos em inúmeras situações.

Leia o artigo na íntegra no Portal Jota.

Movimento indígena enfatiza necessidade de derrubar decisão de Gilmar Mendes sobre marco temporal

Texto: Anna Beatriz Anjos/Agência Pública (apublica.org)
Foto: José Cícero/Agência Pública

O movimento indígena elegeu um desafio no encerramento da 20ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), a maior assembleia dos povos originários no Brasil: derrubar a mais recente decisão de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o marco temporal.

Em 22 de abril, durante o primeiro dia do acampamento, Mendes suspendeu todas as ações sob sua relatoria que tratam da lei que valida o marco temporal. Ela propõe que só sejam demarcadas terras ocupadas pelos indígenas na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988. A lei, aprovada no Congresso Nacional em 2023, foi patrocinada pela bancada ruralista.

Gilmar Mendes é relator de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) que pedem a derrubada da lei do marco temporal. Uma delas foi proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), organizadora do ATL, junto a partidos políticos. As lideranças esperavam que Mendes desse um parecer rejeitando o marco, já que o próprio STF havia declarado, em setembro do ano passado, que a tese é inconstitucional, num ato considerado como uma conquista histórica dos indígenas.

Contudo, Mendes não só manteve a vigência da lei como determinou a criação de uma câmara de conciliação para discutir a tese. Essa câmara será formada por entidades de defesa dos direitos indígenas e do agronegócio, partidos políticos, poderes Executivo e Legislativo, Procuradoria-Geral da República (PGR) e Advocacia-Geral da União (AGU). Cada uma das partes tem 30 dias para apresentar propostas para alcançar um consenso sobre o tema.

Por que isso importa?
A ação do ministro Gilmar Mendes contrariou decisão do próprio STF do ano passado e, segundo as lideranças indígenas, fortalece a tese do marco temporal. O marco é o maior obstáculo à demarcação de novas terras atualmente.

Agora, segundo a Apib, uma das prioridades do movimento nos próximos meses é trabalhar para tentar reverter a medida tomada por Mendes.

Há dois caminhos para isso, segundo Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib. Um deles é convencer outros ministros da Corte a rechaçar a decisão monocrática de Mendes. Ela foi encaminhada para apreciação dos demais via julgamento virtual. A carta final do ATL cobra que os juízes “não se acovardem” e “sejam contrários a essa decisão de morte”.

A segunda alternativa depende de o ministro Edson Fachin decidir pela inconstitucionalidade da lei em uma ação que pede sua derrubada, da qual ele é relator.

Indígenas avaliam que decisão de Gilmar Mendes é retrocesso

“O ministro Gilmar Mendes, acima de tudo, desprestigia o entendimento do colegiado do Supremo que já decidiu pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal”, destaca Terena, da Apib. “Isso traz uma insegurança jurídica enorme para os povos indígenas. A lei ainda está em vigência; os povos indígenas, no limbo jurídico; e a violência nos territórios, aumentando.”

A Apib avaliou a decisão de Mendes como um retrocesso que adiará ainda mais o já prolongado debate sobre o marco temporal, encarado pelos indígenas como a maior ameaça às demarcações. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, relatou em entrevista à Agência Pública no começo do mês que a lei tem atrapalhado a efetivação de novas demarcações pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Enquanto isso, o presidente da bancada ruralista no Congresso, deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), classificou a decisão de Mendes como “uma vitória”. “Se a Funai a partir de agora quiser demarcar, vai ter que cumprir a lei que nós aprovamos no Congresso”, disse em vídeo postado em suas redes sociais.

O avanço no reconhecimento dos territórios tradicionais pelo Estado é a pauta central do movimento indígena e do Acampamento Terra Livre desde o seu surgimento, em 2003. Embora seja um direito garantido pela Constituição, a demanda segue longe de ser plenamente atendida.

“No ano passado, em setembro, quando o Supremo declarou a inconstitucionalidade da tese, não achamos que não estaríamos aqui, no dia de hoje, novamente falando sobre esse assunto”, afirmou Terena no fim do acampamento.

Em declaração conjunta, Cimi, FIAN Internacional e outras entidades denunciam à ONU genocídio indígena e ilegalidade do Marco Temporal

Na última terça-feira (4) o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e as instituições FIAN Internacional, Right Livelihood Award Foundation (RLAF), Vivat Internacional, Terra de Direitos e Justiça Global denunciaram, em declaração conjunta, o genocídio dos povos indígenas e apontaram a tese inconstitucional do Marco Temporal como uma das causas da violência contra os povos originários no Brasil.

Paulo Arantes, assessor internacional do Cimi, foi o porta-voz das denúncias durante diálogo com a subsecretária-geral das Nações Unidas e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu.

No discurso, Arantes mencionou a situação dos Guarani e Kaiowá, Yanomami, Ye’kwana, Karipuna e Wapichana destacando que, na recente visita ao Brasil, o que Nderitu viu “é fruto de uma dívida histórica, agravada pelo antigo governo federal, e vários governos estaduais, que negaram a pandemia, abandonaram todas políticas de proteção, disseminam discursos de ódio e, assim, legitimaram a violência, intensificaram conflitos mortais, negaram serviços básicos de saúde e alimentação e colocaram em risco a existência de diversos povos, levando a muitas mortes evitáveis”.

Disse ainda que “as atrocidades cometidas pela administração passada devem ter seus autores materiais e intelectuais identificados, processados e julgados de acordo com o direito internacional. As vítimas, suas famílias e comunidades devem obter reparação integral, incluindo a verdade sobre os fatos. A tese do Marco Temporal é de fato um fator de atrocidade.”

Por fim, o porta-voz solicitou à Nderitu a continuidade da adoção de medidas frente a situação problemática que encontrou no país e solicitou apontamentos a respeito do que o Brasil deve fazer para cumprir suas recomendações.

O diálogo fez parte da 53ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que segue até este sábado (14) na sede das NAÇÕES UNIDAS em Genebra, Suíça.

Para acompanhar ou rever os diálogos, acesse: https://www.ohchr.org/en/hrbodies/hrc/home

Marco Temporal: Especialista da ONU recomenda ao STF e Senado a rejeição da tese que ameaça direitos dos povos indígenas no Brasil

Na terça-feira (13), em declaração oficial publicada na página do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, principal entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) no campo dos direitos humanos, o relator especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, expressou preocupação com a aplicação da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso que envolve a disputa possessória de terras entre os indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani e o estado de Santa Catarina, em análise pela Suprema Corte desde 2021, após a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) interpor o Recurso Extraordinário 1017365.

O recurso discute se o 5 de outubro de 1988 – data em que foi promulgada a Constituição brasileira – deve ser adotado como parâmetro para definição da ocupação tradicional da terra por povos indígenas. O julgamento, que estava suspenso, foi retomado na última quarta-feira (7) e voltou a ser adiado após pedido de vista do ministro André Mendonça. Até o momento, são dois votos a favor (ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques) e um voto contra (do relator e ministro Edson Fachin).

Na declaração, Calí Tzay destaca que o julgamento do Marco Temporal “pode determinar o curso de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país”, por isto solicita ao STF que não aplique a tese mencionada no caso e decida “de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas”. A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais, lembra o relator.

O relator especial também disse estar preocupado com a aprovação do Projeto de Lei 490/07 no dia 30 de maio pela Câmara dos Deputados. Também enfatizou que, se a tese do Marco Temporal for aprovada pelo Senado, “todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta” o que segundo Calí Tzay agrava a situação ao “prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação, expondo os povos indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças de seus direitos sociais e culturais”.

FIAN Brasil

Leia íntegra da declaração (tradução livre)

“O Marco Temporal limita o reconhecimento das terras ancestrais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A tese do Marco Temporal teria sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da comunidade Guayaroka do povo indígena Guarani Kaiowá. Ela foi questionada em inúmeras ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, particularmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas de direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura.

O julgamento pode determinar o curso de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a tese mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Estou muito preocupado com a aprovação, no dia 30 de maio, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a tese do Marco Temporal.

Se a tese do Marco Temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 terras indígenas sob ameaça direta. É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, agravando a situação ao prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expondo os povos indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças de seus direitos sociais e culturais.

A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais. Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja alinhada com as normas internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos povos indígenas do Brasil.

A decisão precisa garantir reparações históricas para os povos indígenas e evitar a perpetuação de mais injustiças. Peço ao Senado Federal que rejeite o projeto pendente.

Exorto o governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os povos indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”

Confira aqui a declaração original.

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Tese político-jurídica é inconstitucional e ameaça os direitos dos povos indígenas no Brasil

Nesta quarta-feira, 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) retoma o julgamento sobre a legalidade do Marco Temporal, uma tese político-jurídica inconstitucional segundo a qual os povos indígenas no Brasil só teriam direito às terras sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Porém, é sempre importante lembrar: a história dos povos indígenas não começou em 1988.

Sobre o assunto, no final de maio a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (Cidh) reiterou a preocupação com o possível reconhecimento jurídico do Marco Temporal pelo STF. Em comunicado à imprensa, a Cidh reafirma que a aplicação dessa tese contraria os padrões universais e interamericanos de direitos humanos, colocando em risco a própria existência dos povos originários no país.

“No contexto da possível apreciação dessa tese pelo STF, agendada para o dia 7 de junho, e seu nocivo efeito sobre todos os casos de demarcação de terras ancestrais já concluídos e futuros, a CIDH reafirma que sua aplicação contraria disposições da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH) e da Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas”, destaca o comunicado.

Em paralelo, a Câmara dos Deputados tenta acelerar o plano de tornar a aplicação do Marco Temporal um mecanismo legal. Para se ter uma ideia, no último dia 30 e em regime de urgência, deputadas e deputados aprovaram o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que dentre outros assuntos transfere do Poder Executivo para o Poder Legislativo a competência para realizar demarcações de terras indígenas. Foram 283 votos a favor e 155 votos contra.

Dentre os parlamentares que votaram a favor estão os membros da bancada ruralista e do agronegócio, que querem a utilização da tese como critério para todos os trâmites que envolvem terras indígenas e, desta forma, inviabilizar a demarcação dos territórios originários que ainda não tiveram seus processos finalizados.

No dia da votação, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou nota em que classificou a aprovação do Marco Temporal pelos parlamentares federais como um “genocídio legislado”. “O PL 490 representa um genocídio legislado porque afeta diretamente povos indígenas isolados, autorizando o acesso deliberado em territórios onde vivem povos que ainda não tiveram nenhum contato com a sociedade, nem mesmo com outros povos indígenas, cabendo ao Estado brasileiro atuar também pela proteção dos territórios onde vivem estes povos”, diz o documento.

Também em nota, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) destacou que ao determinar a aplicação “da nociva e inconstitucional tese do Marco Temporal, o PL inviabiliza as demarcações dos territórios indígenas, legaliza o genocídio contra os povos em isolamento voluntário ao permitir o contato com esses povos, flexibiliza o usufruto exclusivo dos territórios para a exploração de terceiros e extingue o direito de consulta aos povos segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”.

Para se tornar lei o texto precisa ser analisado e votado pelo Senado Federal, ainda sem data definida.

Aporte jurídico

Ao manifestar preocupação com a aprovação do PL 490/2007, a FIAN Brasil relata que a justificativa das deputadas e deputados para a aprovação da normativa foi fundamentada na aplicação da tese do Marco Temporal, em 2009, durante julgamento do caso Raposa Serra do Sol. “Embora os direitos territoriais das comunidades indígenas daquela localidade tenham sido resguardados, a decisão dos ministros do STF gerou muitos conflitos”, explica o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski.

A tese político-jurídica foi utilizada para anular processos administrativos de demarcação, a exemplo de áreas pertencentes aos Guarani e Kaiowá, e vem sendo questionada pelos povos indígenas em muitas ocasiões.

Cupsinski explica que as organizações indígenas, apoiadas por indigenistas, defensores de direitos humanos e ambientalistas, argumentam que o Marco Temporal “desconsidera os direitos dos povos originários sobre aquelas áreas de onde foram violentamente retirados, especialmente durante os anos da ditadura militar, momento em que os direitos humanos foram violados”. O assessor de direitos humanos esclarece que a Constituição brasileira seguiu a tese jurídica do “indigenato”, que consiste no direito inato e congênito dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas.

Por estas razões e com o intuito de pacificar as disputas sobre os direitos indígenas, a Suprema Corte brasileira reconheceu a repercussão geral da matéria, no Recurso Extraordinário 1017365 SC, pautado para julgamento nesta quarta-feira, 7 de junho. O caso envolve a disputa possessória entre os indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani e o estado de Santa Catarina e chegou até o Supremo Tribunal Federal através de um recurso manejado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A FIAN Brasil, apoiada pela FIAN Internacional, participa do processo judicial na qualidade de amicus curiae (amigo da Corte) e apresentou um memorial aos ministros do STF defendendo os direitos dos povos indígenas.

Um dos pontos do documento afirma que o direito humano à alimentação foi incorporado ao artigo 6º da Constituição Federal de 1988 como direito fundamental social, por meio da Emenda Constitucional 64/2010. Para Adelar Cupsinski, a decisão do Estado brasileiro “rompeu com o paradigma assistencialista destinado à alimentação, ao reconhecê-la enquanto direito fundamental, assumindo a responsabilidade em adotar estratégias para efetivar a segurança alimentar e nutricional”.

O direito fundamental à alimentação também está implícito no artigo 194, o qual determina ações públicas para a garantia dos direitos relativos à saúde, previdência social e assistência social, assim como no artigo 196, que eleva a saúde à condição de “direito de todos e dever do Estado”.

Sobre o assunto, o assessor de direitos humanos destaca que “este direito ainda precisa ser lido em consonância com o multiculturalismo reconhecido pela Constituição Federal de 1988. O multiculturalismo se expressa pelo dever que o texto constitucional incumbiu ao Estado de proteger o patrimônio histórico e cultural dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Por estas razões, o Estado brasileiro precisa assegurar os direitos territoriais dos povos indígenas, nos termos da Constituição Federal de 1988 e dos tratados internacionais de que participa”, conclui Cupsinski.

Quer saber mais sobre o Marco Temporal?

No livro O Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas: Enunciados Jurídicos, vários textos abordam o Dhana do ponto de vista dos povos indígenas. Especialmente dois enunciados trazem elementos para o debate atual: “Terra e território como elementos centrais para a garantia do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais”, de Olivier De Schutter, Valéria Burity e Felipe Bley Folly (p. 87); e “O direito constitucional à retomada de terras indígenas originárias” (p. 99), de Eloy Terena e Roberta Amanajás.

A questão também é tratada no episódio 4 do podcast baseado no livro.

Em 2017, a FIAN Brasil e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançaram a campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”, na qual indígenas e organizações parceiras explicam o Marco Temporal, falam de sua inconstitucionalidade e comentam as ameaças da tese às garantias constitucionais dos povos indígenas. São cinco episódios curtinhos que você pode escutar aqui.

FIAN Brasil

Violências contra povos Guarani e Kaiowá são debatidas em audiência pública em Dourados

“A violência vem de toda parte, do jornal local, do governo local, do governo Temer, da sociedade em geral”. A fala é da indígena Jaqueline Gonçalves ao comentar as violações sofridas pelos povos Guarani e Kaiowá, durante a audiência pública realizada na tarde desta quarta-feira, 29 de agosto, no auditório do Ministério Público Federal em Dourados (MS), que discutiu o impacto de atividades empresariais nos povos indígenas.

O tema da audiência faz parte de uma pesquisa realizada pela Repórter Brasil, com o apoio da FIAN Internacional, que analisou os impactos de empresas do agronegócio, principalmente multinacionais, ligadas à indústria da soja e da carne nos povos indígenas Guarani e Kaiowá.

“O sistema jurídico internacional não permite, atualmente, que as empresas multinacionais sejam devidamente responsabilizadas por violações de direitos. Isso precisa mudar”, destacou o assessor sênior da FIAN Internacional, Flávio Valente.

A pesquisa aponta que o agronegócio de grãos, no caso a soja, é um dos principais fatores de pressão sobre comunidades guaranis no Mato Grosso do Sul. “São comuns relatos sobre disputa por terras com sojicultores, contaminação de cursos d’água por pesticidas, danos à saúde, mortandade de animais, prejuízos às roças causados pela fumigação aérea de herbicidas, e tráfego de caminhões pesados nas áreas das aldeias”, destaca trecho do documento.

De acordo com a pesquisa, a Coamo, maior cooperativa agroindustrial do país, “mantem entre seus cooperados diversos fazendeiros que possuem terras inseridas em áreas reivindicadas por indígenas”. A Coamo exporta para mais de 20 países e possui entre “seus clientes no estrangeiro, a Amaggi International, subsidiária da trading brasileira Amaggi – que tem entre seus sócios o atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi –, a trading belga Vanden Avenne Commodities, o conglomerado Cofco Group, maior processador de alimentos da China, e a japonesa Zen-Noh , uma das maiores organizações de cooperativas do mundo”. Além destas, companhias dos Estados Unidos e Holanda prestam serviços à Coamo no exterior, entre estas a norte-americana Cargill, que em 2017 “levou os grãos da cooperativa a portos localizados na Alemanha, Estados Unidos, França e Holanda”.

Almudena Abascal, da FIAN Alemanha, falou sobre o Tratado Vinculante sobre Direitos Humanos e Empresas que está em discussão no Conselho de Direitos Humanos da ONU. “Existe um processo ocorrendo em nível internacional para aumentar as responsabilidades de empresas por violações de direitos humanos, e isso não vai parar”.

Almudena Abascal

A audiência pública foi organizada pela Aty Guasu, MPF, CIMI, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas, Repórter Brasil e Heks/Eper.

Missão

A audiência pública foi uma das atividades da Missão Guarani e Kaiowá realizada pelo CIMI – Conselho Indigenista Missionário, FIAN Internacional, FIAN Brasil, FIAN Alemanha, Repórter Brasil e Heks/Eper, que entre os dias 22 a 29 de agosto percorreu a região para avaliar a situação de violações de direitos humanos  sofridas por estes povos.

 

Ascom FIAN Brasil

 

Consea recomenda que STF julgue improcedente ADI 3239

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) enviou no início de dezembro uma recomendação ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que julgue totalmente improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade – 3239, dirigida contra o Decreto 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. A recomendação do Conselho foi aprovada em sessão plenária do dia 29 de novembro.

No documento, o Conselho reforça que o Decreto 4.887/2003 é fundamental para a garantia do Direito à Alimentação Adequada das comunidades remanescentes de quilombos e considera que o Decreto se “configura como principal instrumento administrativo que viabiliza a execução da política pública de titulação dos territórios quilombolas”. A recomendação aponta ainda como grave a imposição da teoria do “marco temporal” para as comunidades remanescentes de quilombos no Brasil, que “inviabiliza o exercício da garantia constitucional a titulação das terras quilombolas”.

Leia a Recomendação AQUI

Julgamento

No dia 9 de novembro, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomaram a votação da Ação que questiona o decreto presidencial sobre regulamentação fundiária das terras ocupadas por comunidades remanescentes de quilombos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239 foi ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra o Decreto nº 4.887/2003. O ministro Dias Toffoli, que estava com o voto-vista, proferiu seu voto e julgou pela constitucionalidade parcial do Decreto, por considerar que somente devem ser titularizadas áreas que estavam ocupadas por remanescentes de quilombos em outubro de 1988 (data da promulgação da Constituição Federal) salvo no caso de esbulho ou ato ilícito que suspenda a posse. Na ocasião, o julgamento foi suspenso com um pedido de vistas do Ministro Fachin, que devolveu o processo em 24 de novembro. A presidenta do STF, Ministra Carmen Lucia,  recolocou o processo para votação que acontecerá no dia 08 de fevereiro de 2018.

 

STF nega por unanimidade pedido de indenização do estado do Mato Grosso por demarcação da União de terras indígenas

Em sessão extraordinária, realizada na manhã desta quarta-feira, 16 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou duas ações relacionadas à demarcação de terras indígenas no Mato Grosso. Tanto na Ação Cível Originária (ACO) 362, quanto na ACO 366, o estado do Mato Grosso pedia indenização à União por desapropriação indireta de terras incluídas no Parque Nacional do Xingu e nas reservas indígenas Nambikwára e Parecis.

A discussão central das duas matérias era saber se as terras compreendidas no Parque Nacional do Xingu e das reservas indígenas Nambikwára e Parecis são tradicionalmente ocupadas por povos indígenas. Relator do processo, o ministro Marco Aurélio julgou improcedente os pedidos do Estado do Mato Grosso e o condenou a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios no valor de R$ 50 mil reais. “As terras são de tradicional ocupação indígena, assim como muitas outras áreas adjacentes na região”, argumentou o Ministro em seu parecer. Confira o voto do Ministro AQUI.

Os demais ministros do STF acompanharam o voto do relator e também julgaram improcedente as ações. A Procuradoria Geral da República também se manifestou pela improcedência das duas ações, reconhecendo o direito originários dos povos indígenas às terras em questão. Uma das grandes preocupações para o julgamento das ações seria o uso da tese do marco temporal, no entanto os ministros não a colocaram em questão. A tese do marco temporal, elaborada pela 2ª turma do STF, impõe a promulgação da Constituição Federal de 88 como um marco para o reconhecimento do direito ao território de povos indígenas do país.

Para o assessor jurídico da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Luiz Eloy Terena, o STF reafirmou mais uma vez o entendimento de que as terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas são um direito originário. “Para os povos indígenas é um momento importante, é uma decisão importante. O ministro Barroso deixou claro que a tese do marco temporal (aplicada no julgamento da terra indígena Raposa Serra do Sol, em 2009) não é vinculante e não se aplica as terras indígenas do Brasil, o que para nós é um precedente importante e é uma forma do STF dar um recado ao Legislativo e Executivo de que os direitos dos povos indígenas são originários e não devem ser mitigados em nome de interesses políticos e econômicos”, destacou.

Embora a tese do marco temporal não tenha sido ventilada durante o julgamento no STF, em julho um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) foi chancelado pelo presidente Michel Teme. O parecer obriga que os órgãos do governo federal a adotarem genericamente, a tese do marco temporal para qualquer caso de demarcação no país. A medida pode paralisar mais 700 processos de demarcação em andamento.

Adiamentos
Na terça (15/08) a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang, movida pela Funai contra o estado do Rio Grande do Sul foi retirada de pauta.

Já o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3239, movida pelo partido Democratas (DEM), que questiona o Decreto nº 4.887/2003 – que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, também foi retirado de pauta em razão de licença médica do ministro Dias Toffoli, que no último julgamento pediu vistas do processo.

 

Ascom Fian Brasil/ Foto: Nelson Jr./SCO/STF 

Nossa história não começa em 1988! Marco Temporal não!

O STF não pode legitimar o genocídio e as violações cometidas contra os povos indígenas no último século. Participe desta luta e diga você também: #MarcoTemporalNão. A história dos povos indígenas não começou em 1988 e não pode ser interrompida!

 

No dia 16 de agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgará três ações que podem ser decisivas para os povos indígenas no Brasil. As decisões dos ministros sobre o Parque Indígena do Xingu (MT), a Terra Indígena Ventarra (RS) e terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci poderão gerar consequências para as demarcações em todo o país. Por isso, os indígenas reforçam, a partir de hoje, uma série de mobilizações por seus direitos.

Uma das principais bandeiras dos grupos interessados em limitar os direitos territoriais indígenas, com forte representação no Congresso Nacional e no governo federal, tem sido o chamado “marco temporal” – uma tese político-jurídica inconstitucional, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito às terras que estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988. Os ruralistas querem que o ‘marco temporal’ seja utilizado como critério para todos os processos envolvendo TIs, o que inviabilizaria a demarcação de terras que ainda não tiveram seus processos finalizados.

Em meio às negociações de Temer para evitar seu afastamento da presidência, os ruralistas do Congresso conseguiram emplacar sua pauta no governo federal. Temer assinou, em julho, um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) obrigando todos os órgãos do Executivo a aplicar o “marco temporal” e a vedação à revisão dos limites de terras já demarcadas – inclusive visando influenciar o STF.

Na prática, o marco temporal legitima e legaliza as violações e violências cometidas contra os povos até o dia 04 de outubro de 1988: uma realidade de confinamento em reservas diminutas, remoções forçadas em massa, tortura, assassinatos e até a criação de prisões. Aprovar o “marco temporal” significa anistiar os crimes cometidos contra esses povos e dizer aos que hoje seguem invadindo suas terras que a grilagem, a expulsão e o extermínio de indígenas é uma prática vantajosa, pois premiada pelo Estado brasileiro. A aprovação do marco temporal alimentará as invasões às terras indígenas já demarcadas e fomentará ainda mais os conflitos no campo e a violência, já gritante, contra os povos indígenas.

Afirmar que a história dos povos indígenas não começa em 1988 não significa, como afirmam desonestamente os ruralistas, que eles querem demarcar o Brasil inteiro. Os povos indígenas querem apenas que suas terras tradicionais sejam demarcadas seguindo os critérios de tradicionalidade garantidos na Constituição – que não incluem qualquer tipo de “marco temporal”!

Por isso o movimento indígena e as organizações de apoio aos povos na sociedade civil pedem a revogação imediata do Parecer 001/2017 da AGU e diz: Marco Temporal Não!

Entenda as ações no STF
A Ação Civil Originária (ACO) 362, primeira na pauta, foi ajuizada nos anos 1980 pelo Estado de Mato Grosso (MT) contra a União e a Funai, pedindo indenização pela desapropriação de terras incluídas no Parque Indígena do Xingu (PIX), criado em 1961. O Estado de Mato Grosso defende que não eram de ocupação tradicional dos povos indígenas, mas um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) defende a tradicionalidade da ocupação indígena no PIX, contrariando o pedido do Estado de MT.

Já a ACO 366 questiona terras indígenas dos povos Nambikwara e Pareci e também foi movida pelo Estado do Mato Grosso contra a Funai e a União. Semelhante à 362, ela foi ajuizada na década de 1990, pede indenização pela inclusão de áreas que, de acordo como o Estado de MT, não seriam de ocupação tradicional indígena. Neste caso, a PGR também defende a improcedência do pedido do Estado de MT.

A última que será julgada no dia 16, é a ACO 469, sobre a Terra Indígena Ventarra, do povo Kaingang. Movida pela Funai, ela pede a anulação dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo Estado do Rio Grande do Sul sobre essa terra. A ação é simbólica dos riscos trazidos pela tese do “marco temporal”: durante a política de confinamento dos indígenas em reservas diminutas, os Kaingang foram expulsos de sua terra tradicional, à qual só conseguiram retornar após a Constituinte, com a demarcação realizada somente na década de 1990. Desde então, a Terra Indígena Ventarra está homologada administrativamente e na posse integral dos Kaingang. Sem relator, a ação tem parecer da PGR favorável aos indígenas e está com pedido de vistas da ministra Cármen Lúcia, que deve ser a primeira a votar.

Fonte: APIB

Programa 2: Como o Marco Temporal afetou os Guarani Kaiowá?

Ouça e compartilhe a segunda edição do programa “Seu Direito É Nossa Pauta”, um boletim de áudio da Articulação do Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Fian Brasil.

Em cinco programas, vamos falar de uma ameaça que pode influenciar a vida de todos os povos indígenas no Brasil.

Neste programa, falamos como o povo Guarani Kaiowá, a segunda maior etnia do país, que foi afetada pela tese do Marco Temporal.

 

 

Saiba Mais:

 FIAN Brasil e APIB lançam campanha “Seu Direito É Nossa Pauta”