Na última terça-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) promoveu audiência pública vinculada à Ação de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, com o objetivo de debater as isenções tributárias concedidas ao setor de agrotóxicos. O evento reuniu especialistas, representantes do poder público e de movimentos sociais para discutir os impactos do uso de agrotóxicos no Brasil, especialmente em relação à saúde, ao meio ambiente e à segurança alimentar.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a ADI questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
Sob condução do ministro e relator da ação, Edson Fachin, a audiência contou com exposição de representantes de diversas organizações da sociedade civil, parlamentares, representantes do Executivo e de institutos de pesquisa.
Durante a audiência, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) destacou que o agronegócio é responsável por envenenar a população, os alimentos e águas. Por isso, “a importância de tributar e não isentar de imposto o mercado de agrotóxicos”.
Entre os expositores, Maurício Terena, coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), trouxe à tona casos de populações indígenas afetadas pela contaminação por agrotóxicos. Ele destacou, em particular, os recentes conflitos em Terra Roxa, onde a disputa territorial pela demarcação de terras indígenas é marcada pelo uso frequente de agrotóxicos como armas químicas. Terena ressaltou a violência e os riscos que essas substâncias representam para as comunidades que já enfrentam desafios históricos de sobrevivência e dignidade.
Darcy Frigo, diretor executivo da Terra de Direitos, também foi enfático em sua fala, criticando o argumento de que os incentivos fiscais aos agrotóxicos seriam necessários para garantir a segurança alimentar da população brasileira. Frigo destacou que o agronegócio não é responsável pela alimentação do povo brasileiro, uma vez que 84% dos agrotóxicos utilizados no país são destinados à produção das quatro principais commodities de exportação — soja, milho, algodão e cana-de-açúcar — cujos preços são definidos pelo mercado internacional. Por outro lado, a agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais são responsáveis por grande parte da produção dos alimentos consumidos internamente, utilizando significativamente menos agrotóxicos. Ele ainda afirmou que a agricultura familiar é responsável por produzir 69,6% do feijão, 83% da mandioca, 45,6% do milho e 38% do café no Brasil.
Fernando da Cunha, Defensor Público da União, abordou o crescente número de processos relacionados a problemas de saúde causados pela exposição a agrotóxicos. Ele questionou o custo de uma vida para o poder público, sinalizando que a saúde da população e a proteção do meio ambiente não podem ser tratadas como questões secundárias.
A geógrafa Larissa Bombardi também contribuiu com dados alarmantes sobre os impactos da exposição a agrotóxicos, especialmente em bebês. Bombardi destacou que cinco dos principais agrotóxicos usados no Brasil são proibidos na União Europeia, devido aos riscos que representam tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente.
Adelar Cupsinski, assessor de Direitos Humanos da FIAN Brasil, em sua sustentação destacou os resultados de pesquisas realizadas pela organização em territórios onde atua, com foco na exigibilidade do direito humano à alimentação e nutrição adequadas. Segundo Cupsinski, todas as investigações realizadas revelaram a contaminação por agrotóxicos, apontando um risco significativo à saúde e à segurança alimentar. Cupsinski ressaltou que qualquer ação ou omissão que afete negativamente a produção ou o consumo de alimentos, especialmente quando contraria os princípios dos direitos humanos, configura uma violação desses direitos.
Representando o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), o engenheiro agrônomo Álvaro Delatorre defendeu a necessidade de uma transição para a produção orgânica, agroecológica e regenerativa. Ele afirmou que a agenda para o futuro deve incluir a soberania alimentar, a função social da terra e a democratização do acesso à terra.
Para o deputado estadual Renato Roseno (Psol-CE) é “uma questão de justiça ambiental, justiça fiscal e tributária que o agronegócio pague imposto [sobre os agrotóxicos] e ajude a financiar as políticas sociais e, sobretudo, a transição agroecológica”.
Durante as exposições, diversos participantes ressaltaram que a isenção fiscal concedida ao setor de agrotóxicos viola direitos fundamentais, como o direito ao meio ambiente saudável e o princípio da equidade geracional. É dever do Estado proteger as gerações futuras, adotando políticas públicas que promovam alternativas sustentáveis e seguras ao uso indiscriminado de agrotóxicos.
O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) manifestou-se oficialmente contra proposta de texto que altera a forma com que o direito à alimentação é mencionado no texto constitucional.
A Recomendação 13, de 15 de agosto de 2024, defende a rejeição do substitutivo aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 17/2023, que pretende incluir parágrafo no artigo 6º com o seguinte teor: “O direito social à alimentação observará os preceitos da segurança alimentar e nutricional, com a garantia de que todos, em todos os momentos, tenham acesso físico e econômico regular e permanente a uma alimentação adequada, saudável, cultural, social, econômica e ambientalmente sustentável”. Diretoras e diretor da FIAN Brasil publicaram artigo no mesmo sentido.
O CNDH e os dirigentes da FIAN alertam que a redação inverte a hierarquia entre os conceitos, e que é a segurança alimentar e nutricional que deve se submeter aos preceitos do direito humano à alimentação adequada.
Manifestação anterior do conselho recomendava a rejeição ao texto original da PEC, do senador Alan Rick (União-AC), que previa a substituição do termo “direito à alimentação” por “segurança alimentar e nutricional”.
A FIAN Brasil participa do CNDH por meio da diretora de Articulação, Míriam Balestro, que integra a Comissão Permanente de Direito à Alimentação do colegiado.
Partindo das bases conceituais e jurídicas do direito humano à alimentação adequada, o texto analisa propostas de emenda à Constituição que tramitam no Congresso Nacional, em particular a PEC 17, e como põem em risco essa conquista. É de autoria das diretoras da FIAN Brasil Míriam Balestro e Norma Alberto e do diretor Irio Conti.
Leia o artigo e a recomendação do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) no mesmo sentido.
Por Pedro Vasconcelos, assessor de advocacy da FIAN Brasil
No dia 16 de outubro é celebrado o dia mundial da alimentação. A data coincide com a criação da Agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em um período pós-guerra no qual a segurança alimentar global emergiu como questão fundamental a ser tratada pelos Estados. A partir deste marco, a chamada “Revolução Verde” da agricultura industrial foi levada nas décadas seguintes a diferentes países, incluindo o Brasil, como promessa de combate à insegurança alimentar e garantia de desenvolvimento.
Hoje, oitenta anos depois, a fome e a insegurança alimentar ainda são grandes desafios a nível mundial: mais de 700 milhões de pessoas ainda convivem com níveis de insegurança alimentar no planeta, e mais de 2,4 bilhões de pessoas não conseguem ter acesso a uma alimentação saudável (SOFI, 2024). Para comer, populações em todo o mundo dependem de sistemas alimentares altamente concentrados, com a oferta de alimentos pouco diversos, cada vez mais caros e intensivos em recursos naturais. Ao mesmo tempo, a desnutrição se soma à crise climática e de obesidade, em uma sindemia global que ameaça cada vez mais direitos fundamentais, em particular o direito humano à alimentação e à nutrição adequada (Dhana). Este direito é condição básica para a fruição de todos os direitos: sem comida adequada não podemos aprender, conviver, buscar o que queremos na vida, ter dignidade. Neste sentido, compete aos nossos tempos repensar, em um contexto de múltiplas crises e com urgência, as formas de produzir e distribuir alimentos.
A ideia corrente de alimentação saudável traz a perspectiva de comer o que nos faz bem do ponto de vista nutricional, da saúde física e do bem estar. Este certamente é um dos componentes essenciais do que o direito à alimentação considera como alimentação adequada. Um alimento saudável é adequado para nós na medida em que não possui substâncias adversas, ou seja, não nos faz mal. Entretanto, para além disso, a dimensão de adequação da alimentação se relaciona também a aspectos como sustentabilidade, cultura e acessibilidade.
Leia o artigo na íntegra aqui.
Por Adelar Cupsinski e Pedro Biondi
Para quem apoia ou acompanha essa luta, nada tem de intempestiva a retirada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) da “mesa de conciliação” – muitas aspas cabem – proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para resolver os conflitos possessórios entre comunidades e fazendeiros. São cinco séculos de expropriação e de ouvidos moucos das representações estatais, histórica e reiteradamente tendentes ao lado branco e proprietário.
O ato político manifesta a indisposição de legitimar um arranjo que reservava seis microfones, de um conjunto de 24, à articulação que representa esses povos. Frise-se que os indígenas, oriundos de culturas baseadas na oralidade, na coletividade e na confiança, vêm procurando jogar o jogo. Têm formado operadores do Direito – exemplo está na assessoria jurídica da Apib – e disputado cadeiras no Legislativo, como a ocupada hoje com brilho na Câmara dos Deputados por Célia Xakriabá (PSOL-MG). Mas a inviabilidade da escuta, muitas vezes expressão do racismo institucional, salta aos olhos em inúmeras situações.
Leia o artigo na íntegra no Portal Jota.
Nos dias 12 e 13 de setembro, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizou sua 82ª Reunião Ordinária, que foi precedida por um seminário sobre “Controle Social das Políticas Públicas para a Garantia do Direito à Alimentação Adequada”. O evento foi promovido pela Comissão Permanente Direito Humano à Alimentação Adequada e destacou a importância da alimentação saudável no contexto dos direitos humanos.
A presidenta do CNDH, Marina Dermmam, iniciou o seminário enfatizando a relevância do tema, ressaltando a defesa do conselho para que todos tenham acesso a uma alimentação de qualidade, isenta de substâncias nocivas, e que fortaleça a agricultura familiar, especialmente diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Na abertura dos debates, Heleno Manoel Gomes de Araujo Filho, membro da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), apresentou um levantamento de ações relacionadas à alimentação escolar. Ele destacou a ampliação da alimentação escolar para alunos do ensino médio e Educação de Jovens e Adultos (EJA), e relatou dados de uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) que indicaram melhorias com a inclusão de alimentos da agricultura familiar. Araujo Filho também sublinhou a necessidade de disseminar essas informações nos conselhos estaduais e municipais de educação.
Em seguida, Lavito Person Motta Bacarissa, Secretário Executivo da Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (CNODS), abordou a estrutura da comissão e o impacto das mudanças de governo em 2023 nas discussões sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Bacarissa destacou o desmonte de políticas durante a gestão anterior e a reintegração do Brasil ao Mapa da Fome. Ele mencionou o papel das câmaras temáticas da CNODS em fomentar políticas públicas voltadas para a alimentação saudável e a importância da participação da sociedade civil nesse processo.
Camila Sarmento, Conselheira Nacional de Saúde e coordenadora adjunta da Comissão Intersetorial de Alimentação e Nutrição (CIAN), discutiu o controle social das políticas públicas para garantir o acesso à alimentação adequada. Sarmento destacou avanços como o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos e abordou desafios relacionados à precarização do trabalho e à priorização do agronegócio em detrimento da agricultura familiar. Ela também criticou a Reforma Tributária por retrocessos, como a manutenção de descontos para agrotóxicos, e citou pesquisas da Fiocruz focadas na promoção da saúde.
O Secretário Executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf), Samuel Carvalho, destacou a importância da transição agroecológica. Carvalho afirmou que essa mudança deve ser priorizada para garantir que o conceito de “bem viver” guie as políticas públicas, assegurando que a alimentação adequada se torne uma realidade acessível para todos.
Elisabetta Recine, presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), enfatizou o papel crucial do monitoramento do direito humano à alimentação dentro da agenda central do Consea. A presidenta do Consea destacou que, embora a fome seja a manifestação mais extrema da negação desse direito, é fundamental assegurar que a alimentação seja fornecida de maneira adequada e digna.
Elisabetta também abordou o impacto das desigualdades geradas pela concentração da rede de abastecimento, destacando que o sistema alimentar atual, que não prioriza a vida, contribui para problemas graves, como o que tem sido observado na paisagem de muitas cidades cobertas por fumaça. A presidenta do Consea ressaltou ainda que a participação social tem sido essencial para influenciar o poder legislativo e garantir que as transformações necessárias estejam alinhadas com os direitos humanos e o bem comum. “Existem agendas que só a participação popular pode sustentar, ancoradas nos direitos humanos, no bem público e no bem comum”, concluiu.
O seminário serviu como um importante ponto de partida para a reunião do CNDH, estabelecendo uma base sólida para discussões sobre o direito à alimentação adequada e a necessidade de políticas públicas eficazes e inclusivas.
O evento contou com a breve presença da nova ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, que destacou a importância do diálogo entre o conselho e o governo para garantir a continuidade das políticas de direitos humanos.
“Vou precisar muito do conselho. Não podemos deixar que as políticas de direitos humanos sejam interrompidas. É essencial um bom diálogo, pois as pautas tratadas aqui são fundamentais para a construção de uma sociedade justa”, afirmou Evaristo.
Durante o seminário, Joana Costa, Diretora do Departamento de Monitoramento e Avaliação do SAGICAD do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social (MDS), enfatizou a relevância do Cadastro Único (CadÚnico) na identificação e apoio a famílias em situação de vulnerabilidade.
Lilian dos Santos Rahal, Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, abordou a reimplementação de programas de segurança alimentar em resposta ao grave cenário de fome que o Brasil enfrenta. Ela ressaltou que a recuperação da governança e a volta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) são cruciais para a participação social no combate à fome. Lilian falou ainda do papel da secretaria que representa frente à recente discussão da Reforma Tributária no Congresso Nacional e o apelo para que seja priorizada uma reforma “3S”, saudável, sustentável e solidária. A secretária foi questionada sobre a parceria entre a Coca-Cola e o MDS, destinada ao fortalecimento de pequenos negócios no Brasil. Ao que respondeu que a postura do ministério em relação à cesta básica é clara quando se demonstra envolvida na reforma tributária, mas o acordo visou uma área econômica que priorizou a empregabilidade. “Mas não incidimos sobre esse ponto. Ainda estamos aguardando o que virá desse acordo formalizado”, afirmou Lilian.
Arthur Reis Rimoldi, Diretor do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), discutiu o papel do CAF como porta de entrada para políticas públicas voltadas ao setor. Ele falou sobre o contexto atual da rede CAF, os desafios enfrentados e os planos futuros para unificar o cadastro com outros programas, visando melhorar a efetividade das ações de apoio à agricultura familiar.
Míriam Balestro, diretora de Articulação da FIAN Brasil, trouxe informações da missão climática do CNDH realizada em assentamentos do MST, em Eldorado do Sul e Nova Santa Rita, no Rio Grande do Sul, afetados pelas chuvas em novembro de 2023. A missão teve como objetivo verificar o impacto da emergência climática na produção de alimentos por pequenos agricultores.
Míriam iniciou sua fala destacando que, embora o Brasil possua um dos marcos legais mais eficientes para a defesa do direito à alimentação, a implementação desse direito ocorre de forma progressiva, por meio de políticas públicas, enquanto o direito de estar livre da fome deve ser implementado imediatamente, com políticas de urgência. “É o único direito gravado no sistema de direitos humanos que demanda imediata atenção, dada a urgência que a fome impõe”, afirmou Míriam.
Emiliano Maldonado, representando a Campanha Nacional Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, enfatizou a necessidade de uma produção alternativa e saudável de alimentos. Ele criticou o modelo de agronegócio que explora os recursos naturais, refletindo nas queimadas observadas em todo o país. “Continuamos a registrar novos agrotóxicos, mesmo após a troca de governo, com a aprovação do pacote do veneno”, alertou Emiliano, mencionando as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 e 7701 e as reivindicações contra o pacote que representa o que ele chamou de “colonialismo químico”. Ele também discutiu o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).
Na sequência, Fátima Aparecida Moura, representando a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), abordou o Plano Nacional de Agroecologia (Planapo) e a Carta Agroecologia nas Eleições elaborada pela ANA. Ela enfatizou a importância de aproveitar o momento atual para discutir e construir políticas públicas que promovam a agroecologia.
O evento reafirmou a urgência em fortalecer as políticas públicas de segurança alimentar e a importância do controle social na sua implementação, sublinhando o compromisso com os direitos humanos e a justiça social no Brasil. O seminário também levantou a necessidade de diversas ações, incluindo a reforma agrária e urbana, a garantia dos territórios indígenas e quilombolas para assegurar condições de vida e viabilizar arranjos produtivos, o incentivo à juventude no campo, a aprovação do Planapo em conjunto com o Pronara, o estímulo à produção de alimentos orgânicos e a inclusão da população em situação de rua no plano climático. Essas medidas visam promover uma abordagem mais integrada e sustentável nas políticas de segurança alimentar e desenvolvimento social.
As violações ao Direito Humano à Alimentação Adequada e a situação de insegurança alimentar da população brasileira atingiram índices alarmantes, sendo a presença da FOME uma violação gravíssima de Direitos Humanos.
Os casos submetidos à apreciação do Sistema Judiciário ainda são muito poucos diante do escândalo da fome. Esta situação pode e deve ser mudada. Encaminhar os casos de violação ao Sistema Judiciário é fundamental para a sobrevivência do próprio direito enquanto tal.
Frente à violação do Direito a Estar Livre da Fome e do Direito Humano à Alimentação Adequada, o Sistema Judiciário deve ser acionado. Quando há fome, duas situações são observadas, a política pública é inexistente ou falhou.
Por esta razão, o objetivo principal desta cartilha é mostrar a sociedade civil o caminho para buscar seu direito perante o Sistema Judiciário, informando como reconhecer o ciclo que envolve as violações e onde denunciar, possibilitando o exercício do controle social e a busca das reparações que se façam necessárias.
Esta cartilha proporciona uma aproximação dos leitores com conceitos que possibilitam a compreensão das violações, formas de exigibilidade do direito, explicações sobre o funcionamento das instituições (e suas responsabilidades), como formular representações perante o Sistema Judiciário, sendo também um elemento de capacitação e treinamento para o exercício do controle social sobre este Sistema.
O lançamento da cartilha acontece no dia 6 de setembro às 19h no Sindicato dos Aeroviários em Porto Alegre com a presença de Regina Tchelly, chef de cozinha, empreendedora social e fundadora do projeto Favela Orgânica.
No dia 26 de agosto, lideranças indígenas e pesquisadores debateram em audiência pública na Câmara dos Deputados a respeito da contaminação por agrotóxicos que tem afetado comunidades indígenas no país. Convocada pela deputada Célia Xakriabá, a audiência começou com um minuto de silêncio em homenagem a Tuiré Kayapó, ativista indígena notável por seu ativismo ambiental e seu confronto icônico com o presidente da Eletronorte na década de 80.
A pesquisadora Fernanda Savicki, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) apresentou estudo sobre a qualidade da água em Mato Grosso do Sul que apontava dados alarmantes em relação às amostras colhidas, onde foram encontrados compostos de alta toxicidade nas águas de nascentes, poços artesianos, torneiras e até mesmo na água da chuva na região de Caarapó, sendo destes, vários proibidos pela portaria n°888/2021 do Ministério da Saúde que estabelece os requisitos do padrão de qualidade para a água potável e na União Europeia.
Celso Japoty Alves, coordenador regional da Comissão Guarani Yvyrupa, relatou que as terras indígenas no oeste do Paraná estão severamente afetadas por agrotóxicos, dificultando a produção de alimentos. “Hoje é difícil colher um bom fruto por causa do veneno,” afirmou Japoty, que também entregou relatório com dados sobre a gravidade da situação nas comunidades.
O procurador da República de Dourados-MS, Marco Antônio Almeida, destacou a ausência de um monitoramento sistemático do uso de agrotóxicos no Brasil. Ele fez um apelo pela criação de um sistema de monitoramento eficaz e pela instalação de laboratórios de análise em regiões afetadas, sugerindo que isso poderia beneficiar a população em geral.
Nayara Côrtes, secretária-geral da FIAN Brasil, apresentou os resultados da pesquisa “Insegurança Alimentar e Nutricional nas Retomadas Guarani e Kaiowá”. A pesquisa tinha como objetivo atualizar os dados da situação socioeconômica, demográfica, de saúde e de insegurança alimentar e nutricional Kaiowá e Guarani realizado pelo estudo anterior (de 2013) nos territórios de Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá, incluindo nesta avaliação as comunidades de Apyka’i e Ñande Ru Marangatu.
Nayara sublinhou que a realização do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas é profundamente interdependente dos direitos à terra, território, água e meio ambiente equilibrado. Ela disse que é necessário uma regulação imediata para proteger os territórios indígenas da contaminação por agrotóxicos e sugeriu uma ação interministerial envolvendo os Ministérios da Saúde (MS), do Ministério Público Federal (MPF) e do Meio Ambiente (MMA) para definir regras de proteção. Ao final de sua fala, Célia Xakriabá destacou a importância das pesquisas para subsidiar atividades parlamentares.
Erileyde Domingues Kaiowá, liderança Guarani Kaiowá doTekoha Guyraroká, trouxe relatos fortes sobre a contaminação por agrotóxicos. “O que marca nosso território é a resistência,” afirmou Erileyde, ressaltando o impacto devastador dos produtos químicos nas comunidades. Célia Xakriabá comentou sobre a necessidade de uma economia que não prejudique as comunidades indígenas, apontando que tanto o povo quanto o Congresso precisam se “desenvenenar”.
Bruno Potiguara, diretor do Departamento de Gestão Ambiental Territorial e Promoção ao Bem Viver Indígena do Ministério dos Povos Indígenas, iniciou sua fala ressaltando a importância de reconhecer os sistemas alimentares indígenas para entender a insegurança alimentar. Potiguara destacou a relevância da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (Pngati) e as atuações do MPI em várias instâncias demonstrando a preocupação em relação à pauta apresentada, como na Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo),na Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) e no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Ele também mencionou a perda de sementes crioulas devido às mudanças climáticas, enfatizando que os indígenas pertencem à terra, mas não são seus proprietários.
Marcia Leopoldina Corrêa, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e professora do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT, apresentou dados sobre como o modelo de produção e consumo afeta a natureza e os direitos humanos. Corrêa destacou que a média brasileira de exposição a agrotóxicos é de 7,3 litros por habitante/ano, enquanto no Mato Grosso esse número chega a 65 litros por habitante/ano. Ela caracterizou os agrotóxicos como armas químicas, prejudicando a saúde e o modo de vida das comunidades, além de impactar negativamente a fauna e flora. Corrêa também mencionou comunidades, como o povo Xingu, que enfrentam toxicidade aguda e precisam migrar de suas aldeias. Ela concluiu sua intervenção destacando a necessidade de uma mudança agroecológica para garantir uma produção saudável de alimentos.
Ao final da audiência, a deputada Célia Xakriabá reforçou a urgência de medidas para proteger as comunidades indígenas dos impactos dos agrotóxicos e garantir a qualidade da água e a segurança alimentar nas regiões afetadas.
No dia seguinte à audiência, as deputadas Célia Xakriabá e Dilvanda Faro, representando a Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais, protocolaram um requerimento dirigido ao Poder Executivo. O documento solicita a assinatura de uma portaria interministerial para a declaração das terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos e transgênicos.
O veleiro do direito à alimentação precisa do vento da sociedade civil para se mover. Assim a diretora de Articulação da FIAN Brasil, Míriam Balestro, descreveu o papel das cidadãs e cidadãos na exigibilidade – a existência de condições para se exigir a realização de um direito. Ela participou do Encontro Nacional de Atuação do Ministério Público em Apoio Comunitário, Inclusão e Participação Sociais, Combate à Fome e à Pobreza. Na ocasião, a instituição lançou um grupo nacional para atuação nesse tema, o GNA-Social.
Em sua apresentação no evento, realizado dia 26 em Belo Horizonte, Balestro definiu o direito humano à alimentação adequada como “um ilustre desconhecido” no campo jurídico brasileiro. “Infelizmente, o sistema judicial é o que precisa correr mais para fazer a parte que lhe toca na realização desse direito, e mesmo na do direito de estar livre da fome”, disse, acrescentando que a Justiça “é a última porta a que podemos recorrer.”
Dentre os sistemas que compõem o Estado, a diretora apontou esse como o que menos sofre controle social no país. “E sem ele é difícil as coisas andarem”, ponderou, notando ainda a participação fundamental da sociedade na evolução dos direitos humanos como um todo. Ela destacou a necessidade de tanto os operadores do Direito como os movimentos sociais terem acesso a formação e informação nessa temática, e mencionou a cartilha recém-lançada pela Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável com esse objetivo. “Ninguém pode controlar, fiscalizar o que não conhece.”
A palestrante citou uma confusão entre os conceitos de direito à alimentação e segurança alimentar: “Esta diz respeito às políticas públicas que devemos fazer para a realização daquele.” Já a soberania alimentar, concluiu, existe quando um país ou localidade pode decidir o que, como e para quem produzir.
Outro ponto que Balestro abordou foram as dimensões do direito humano à alimentação adequada, listando os princípios da exigibilidade, da acessibilidade, da disponibilidade e da sustentabilidade. Quanto ao direito de estar livre da fome, lembrou seu caráter emergencial: “Ele tem que acontecer imediatamente. Um governo não pode dizer que está sem dinheiro para combater a fome. Ela atinge todos os outros direitos.”
No DNA
Míriam Balestro ressaltou que a exigibilidade do direito à alimentação está consagrada com sua inclusão (em 2010) no artigo 6º da Constituição Federal, que elenca os direitos fundamentais, com lastro na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc), em vigor desde 1976 e ratificado pelo Brasil em 1992.
Procuradora de Justiça aposentada, ela avaliou que atuar em prol da alimentação “está no DNA, na digital do Ministério Público”, em função da capacidade postulatória – a prerrogativa de representar a sociedade no sistema de justiça, fazendo a ponte entre quem sofre violações e o Estado. Listou, nesse sentido, instrumentos como a ação civil pública (ACP) e o termo de ajustamento de conduta (TAC), e recordou a existência de acordo entre os conselhos nacionais do Ministério Público (CNMP) e de Justiça (CNBJ) pela implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 2.
Participaram, também, da mesa, representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) Luiza Trabuco; e a coordenadora de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil Carolina Gonçalves.
Integrantes de órgãos públicos, organizações civis e movimentos sociais participaram de grupos de discussão que aprovaram recomendações para a atuação do GNA-Social. Em breve publicaremos o documento aqui.
Denúncia de comunidades
Movimentos de Minas Gerais estenderam sua bandeira no palco para marcar presença. O líder geraizeiro Adair Pereira de Almeida, o Nenzão, denunciou que as comunidades do norte do estado estão perdendo seus territórios – e sua segurança alimentar e nutricional – para o agronegócio e a mineração. “O eucalipto está tomando as áreas onde a gente cria gado. As mineradoras fazem pesquisa [de jazidas] sem nos consultar, desrespeitando a Convenção 169. Se o poder público não fizer nada, vamos ficar pior que os Yanomami”, alertou.
A FIAN Brasil documentou as violações no Vale das Cancelas e apoiou reportagens especiais do Brasil de Fato e da CartaCapital na região.