Ida à Alemanha intensifica articulações internacionais contra os agrotóxicos

Pedro Vasconcelos (2o à esq.) no Parlamento alemão com Almudena Abascal (FIAN Alemanha), Silke Bollmohr (PAN Alemanha) e Marian Henn (FIAN Alemanha)

O assessor de Advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos, esteve na Alemanha em outubro para atividades de incidência internacional no tema dos agrotóxicos. Participou de articulações e expôs a situação brasileira, com ênfase nas contradições entre a postura dos fabricantes europeus em seus países e em outros mercados – o chamado “duplo padrão” (double standards).

Ao lado da seção Ásia e Pacífico da Pesticides Action Network (PAN) – principal rede mundial da área –, a FIAN Brasil liderou a elaboração de carta de 274 entidades do Sul global em apoio à proposta alemã de proibir a exportação de “agrotóxicos altamente perigosos” (hazardous pesticides).

Chama-se de incidência o conjunto de ações dirigidas pela sociedade civil ao Estado para que cumpra suas obrigações em relação a direitos. A viagem foi apoiada pela FIAN Alemanha.

“Além de apoiar a proposição legislativa, as atividades em Berlim tiveram como principais objetivos apresentar o estado do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas [Dhana] no Brasil, com ênfase nessa questão, para parlamentares, membros do governo federal e organizações parceiras; e estreitar as relações com essas entidades”, explica Vasconcelos. Leia entrevista à Fundação Heinrich Böll.

Com membros da FIAN Alemanha, da PAN Alemanha e da Inkotta Netzwerk, o assessor participou de reunião no Parlamento alemão com parlamentares e assessorias dos Partido Socila-Democrata (SPD) e dos Verdes, que compõem a atual coalizão governamental.

“Apresentei preocupações relatadas no Brasil com as violações de direitos humanos associadas ao uso indiscriminado de agrotóxicos”, conta Vasconcelos. “Ressaltei o peso político ruralista e os efeitos disso para leis e políticas públicas, incluindo o lobby que exercem, com o apoio de empresas alemãs, por meio de institutos e confederações.” Os interlocutores e interlocutoras comprometeram-se a pressionar por uma maior transparência da atuação de suas transacionais no Brasil, bem como uma contestação pública do projeto de lei conhecido como “Pacote do Veneno” (PL 1.459/2022).

A resistência à proposição, encabeçada pela Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, conseguiu evitar a votação no plenário do Senado este ano. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados e pelos senadores/as da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA).

Agenda com ministérios

Pedro Vasconcelos também se reuniu com representantes de três ministérios alemães: Agricultura (BMEL), Relações Exteriores (AA) e Cooperação e Desenvolvimento (BMZ).

Aproveitando a presença de responsável pelo Brasil na pasta alemã de Relações Exteriores, o representante abordou o estado do direito à alimentação e à nutrição adequadas e os impactos dos agrotóxicos altamente perigosos no país.

“Fomos questionados sobre eventuais aplicações errôneas das substâncias tóxicas e sobre a necessidade de regular isso. Argumentamos que estamos em processo de regular práticas como a pulverização aérea, mas que a responsabilidade também é de quem exporta substâncias perigosas sabendo como elas são utilizadas”, relata o assessor.

“Ressaltamos que o problema geral está relacionado ao modelo agroexportador, exigente em insumos e com impactos severos no meio ambiente e na saúde. Este modelo gera benefícios e prejuízos desiguais entre Norte e Sul global, levantando questões fundamentais de justiça e responsabilidade. Desta constatação reafirmamos a importância de levar adiante e incentivar transições justas nos sistemas alimentares.”

Regulação das transnacionais

O assessor de Advocacy também participou, na Suíca, de discussões voltadas à criação de um instrumento legalmente vinculante (LBI) que regule internacionalmente as relações entre empresas, principalmente transnacionais, e os direitos humanos. Leia mais.

FIAN contribui em discussão de tratado sobre empresas e direitos humanos

De 22 a 29 de outubro, a FIAN Internacional, a FIAN Brasil e outras seções nacionais participaram de discussões voltadas à criação de um instrumento legalmente vinculante (LBI) que regule internacionalmente as relações entre empresas, principalmente transnacionais, e os direitos humanos. As atividades foram realizadas em Genebra, Suíça.

A proposta é discutida desde 2014 no Grupo de Trabalho (GT) para um Tratado Internacional Vinculante para Empresas e Direitos Humanos, instância intergovernamental atualmente presidida por uma delegação do Equador, em que a FIAN Internacional tem status consultivo. 

Dezenas de organizações da sociedade civil estiveram presentes e ativas na 8ª sessão de negociação do GT. Debates e acordos de definição da incidência das diferentes coalizões ocorreram previamente, com encontros presenciais nos dias 22 e 23. 

Sucessivos abusos e violações de direitos humanos ocorrem em todo o mundo pela ação de empresas transnacionais. Abarcando diversas atividades em extensas cadeias de valor, a responsabilização dessas corporações e a resposta às demandas de comunidades afetadas representam desafios de regulação nos planos nacional e internacional.

“O principal instrumento internacional vigente para prevenir e reparar este tipo de violação são os Princípios Orientadores da ONU para Empresas e Direitos Humanos [UNGPs], balizados pelo mote de ’proteger, respeitar e reparar’”, explica o assessor de Advocacy Pedro Vasconcelos, que representou a FIAN Brasil. “Em sentido semelhante, alguns Estados têm implementado medidas orientadoras no âmbito da responsabilidade corporativa, como exemplificam o surgimento de cada vez mais leis nacionais de devida diligência – due diligence. Entretanto, entende-se em diferentes contextos que o fato de muitas destas regulações serem apenas orientadoras e não vinculantes dificulta sua efetiva implementação.”

Durante a 8ª sessão, ao lado de representantes de outras seções da FIAN, Vasconcelos trabalhou na elaboração de pareceres para declarações em cada discussão de acordo com decisões internas e deliberações das três redes de que a entidade participa: Global Campaign, Treaty Alliance e Escr-Net. Participou também de eventos paralelos temáticos (side events) e de reuniões com cada rede.

O assessor também leu uma declaração de contribuição para o preâmbulo do instrumento vinculante, ressaltando a primazia dos direitos humanos sobre outros acordos internacionais. A manifestação também defendeu a inclusão da Declaração da ONU sobre os Direitos dos Camponeses (Undrop, na sigla em inglês) como exemplo de parâmetro de legislação internacional democraticamente adotada. Enfatizou, ainda, a importância da cooperação internacional no tema, citando como exemplo a atuação de empresas produtoras de agrotóxicos que afetam comunidades em outros países. 

“Articulei, pela FIAN Brasil, uma declaração conjunta com Cimi [Conselho Indigenista Missionário], FIAN Internacional, Apib [Articulação dos Povos Indígenas do Brasil], Red Iglesias y Mineria e Campanha Global para o Artigo 6º”, acrescenta Vasconcelos. “A declaração afirma a importância de incorporar a aplicação do princípio da precaução como chave na relação entre Estados, empresas e direitos humanos, atentando principalmente para povos indígenas, povos e comunidades tradicionais [PCTs], camponeses e riscos de degradação ambiental.”

Agrotóxicos

O assessor de Advocacy também esteve na Alemanha para atividades de incidência internacional no tema dos agrotóxicos. Participou de articulações e expôs a situação brasileira, com ênfase nas contradições entre a postura dos fabricantes europeus em seus países e em outros mercados. Leia mais.

FIAN Brasil solicita ao MPF e à DPU medidas em favor do povo indígena Yanomami, que sofre situação de fome, desnutrição e grave violação de direitos

Na última quinta-feira (15), a FIAN Brasil encaminhou petição ao Ministério Público Federal (MPF) e à Defensoria Pública da União (DPU) em que solicita providências urgentes quanto ao cumprimento das obrigações do Estado brasileiro para com o povo indígena Yanomami, que enfrenta o aumento da desnutrição e da fome na maior reserva indígena brasileira, situada na Floresta Amazônica. São aproximadamente 30 mil indígenas e 300 comunidades na região.

A petição, assinada pela secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, e pelos assessores de direitos humanos Adelar Cupsinski e Nayara Côrtes, alerta que informações da Hutukara Associação Yanomami e do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do Distrito Sanitário Especial Yanomami e Ye’kuana (Dsei-Y), e que estão no noticiário, evidenciam “um quadro inaceitável de intenso sofrimento destas comunidades”, em situação de desnutrição (e de outras doenças desenvolvidas/agravadas a partir dela), mortalidade infantil, contaminação dos alimentos e das pessoas por metais pesados em razão da mineração, e total falta de proteção ao território e as formas de sobrevivência e de alimentação tradicional. O documento também registra a inadequação dos serviços públicos de atendimento aos povos indígenas.

A partir de ampla fundamentação jurídica, base e marcos legais, e de um arcabouço normativo nacional e internacional relacionado à promoção e proteção do Dhana – Constituição Federal de 1988, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Lei 11.346/2006, Comentário Geral 12/1999, Diretrizes Voluntárias 2004, dentre outros mecanismos –, e da observação dos aspectos que fundamentam a realização do direito à alimentação (disponibilidade, acessibilidade, adequação e sustentabilidade), a FIAN Brasil apresenta apontamentos sobre em quais aspectos o Dhana da comunidade Yanomami tem sido violado.

O documento também faz uma abordagem sobre a relação entre o acesso ao território ancestral e a realização do direito à alimentação dessas populações indígenas, “pois é através da terra, considerada sagrada, que estes povos garantem sua subsistência. Considerando a interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, o grave estado de insegurança alimentar e nutricional enfrentado por estas comunidades Yanomami pode estar associado à falta de proteção real ao seu território tradicional”.

Reivindicações

A petição pede ao MPF e à DPU o retorno sobre três pontos. No primeiro deles, solicita informações sobre possíveis ações já adotadas no enfrentamento da situação descrita, incluindo aspectos relacionados à garantia da proteção ao território e ao direito à alimentação.

Solicita a adoção de medidas e exigências junto ao Poder Executivo, capazes de efetivar a “apuração e a superação do quadro de violações de direitos como garantia de proteção ao território, às formas tradicionais de acesso aos alimentos e ações emergenciais para enfrentamento da desnutrição do Povo Yanomami”, levando em conta os ritos e a alimentação tradicional local.

Por fim, o documento exige das autoridades competentes a realização de uma agenda de estudos profissionais das diferentes áreas atuantes no tema (nutrição, antropologia, saúde, entre outras), “sobre os fatores multicausais da situação de fome e outras formas de má nutrição do povo Yanomami com propostas de soluções de curto, médio e longo prazo”. A petição recomenda que estes estudos abordem uma metodologia que atenda a diversidade da situação de saúde e de insegurança alimentar e nutricional dos Yanomami.

Outras manifestações

Durante a II Plenária da Área de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e do Direito Humano à Alimentação, também na quinta (15), a coordenadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (Opsan/UnB) e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elisabetta Recine, apresentou um alerta sobre a situação “absurdamente desesperadora e terrível que o povo Yanomami está vivendo”, ao falar sobre o enfrentamento ao racismo institucional e seus efeitos na vida de povos indígenas, populações negras e demais povos e comunidades tradicionais no campo da soberania e segurança alimentar.

“A questão do enfrentamento de todo o nível de violência contra o povo Yanomami é absolutamente urgente. Dentre todas as urgências ligadas aos povos originários, talvez o povo Yanomami seja o povo que precise neste momento de uma atenção principal e prioritária”, disse Recine.

Relatório anual do Cimi, publicado em agosto deste ano, retrata agravamento das violências contra os povos indígenas no Brasil, com ataques a direitos e desmonte dos órgãos de fiscalização e assistência.

Sobre nós

A FIAN Brasil é a seção brasileira da FIAN Internacional, organização não governamental de direitos humanos que trabalha há 30 anos pela realização do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). No Brasil, acompanha, desde 2000, situações de violações ao Dhana que afetam povos indígenas e outras comunidades tradicionais, além de outros grupos em situação de vulnerabilidade.

FIAN Brasil

Foto: Carsten ten Brink. Disponível em flickr.com