Em declaração conjunta, Cimi, FIAN Internacional e outras entidades denunciam à ONU genocídio indígena e ilegalidade do Marco Temporal

Na última terça-feira (4) o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e as instituições FIAN Internacional, Right Livelihood Award Foundation (RLAF), Vivat Internacional, Terra de Direitos e Justiça Global denunciaram, em declaração conjunta, o genocídio dos povos indígenas e apontaram a tese inconstitucional do Marco Temporal como uma das causas da violência contra os povos originários no Brasil.

Paulo Arantes, assessor internacional do Cimi, foi o porta-voz das denúncias durante diálogo com a subsecretária-geral das Nações Unidas e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu.

No discurso, Arantes mencionou a situação dos Guarani e Kaiowá, Yanomami, Ye’kwana, Karipuna e Wapichana destacando que, na recente visita ao Brasil, o que Nderitu viu “é fruto de uma dívida histórica, agravada pelo antigo governo federal, e vários governos estaduais, que negaram a pandemia, abandonaram todas políticas de proteção, disseminam discursos de ódio e, assim, legitimaram a violência, intensificaram conflitos mortais, negaram serviços básicos de saúde e alimentação e colocaram em risco a existência de diversos povos, levando a muitas mortes evitáveis”.

Disse ainda que “as atrocidades cometidas pela administração passada devem ter seus autores materiais e intelectuais identificados, processados e julgados de acordo com o direito internacional. As vítimas, suas famílias e comunidades devem obter reparação integral, incluindo a verdade sobre os fatos. A tese do Marco Temporal é de fato um fator de atrocidade.”

Por fim, o porta-voz solicitou à Nderitu a continuidade da adoção de medidas frente a situação problemática que encontrou no país e solicitou apontamentos a respeito do que o Brasil deve fazer para cumprir suas recomendações.

O diálogo fez parte da 53ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, que segue até este sábado (14) na sede das NAÇÕES UNIDAS em Genebra, Suíça.

Para acompanhar ou rever os diálogos, acesse: https://www.ohchr.org/en/hrbodies/hrc/home

Marco Temporal: Especialista da ONU recomenda ao STF e Senado a rejeição da tese que ameaça direitos dos povos indígenas no Brasil

Na terça-feira (13), em declaração oficial publicada na página do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, principal entidade vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU) no campo dos direitos humanos, o relator especial sobre os Direitos dos Povos Indígenas, José Francisco Calí Tzay, expressou preocupação com a aplicação da tese do Marco Temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso que envolve a disputa possessória de terras entre os indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani e o estado de Santa Catarina, em análise pela Suprema Corte desde 2021, após a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) interpor o Recurso Extraordinário 1017365.

O recurso discute se o 5 de outubro de 1988 – data em que foi promulgada a Constituição brasileira – deve ser adotado como parâmetro para definição da ocupação tradicional da terra por povos indígenas. O julgamento, que estava suspenso, foi retomado na última quarta-feira (7) e voltou a ser adiado após pedido de vista do ministro André Mendonça. Até o momento, são dois votos a favor (ministros Alexandre de Moraes e Nunes Marques) e um voto contra (do relator e ministro Edson Fachin).

Na declaração, Calí Tzay destaca que o julgamento do Marco Temporal “pode determinar o curso de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país”, por isto solicita ao STF que não aplique a tese mencionada no caso e decida “de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas”. A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais, lembra o relator.

O relator especial também disse estar preocupado com a aprovação do Projeto de Lei 490/07 no dia 30 de maio pela Câmara dos Deputados. Também enfatizou que, se a tese do Marco Temporal for aprovada pelo Senado, “todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 Terras Indígenas sob ameaça direta” o que segundo Calí Tzay agrava a situação ao “prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação, expondo os povos indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças de seus direitos sociais e culturais”.

FIAN Brasil

Leia íntegra da declaração (tradução livre)

“O Marco Temporal limita o reconhecimento das terras ancestrais dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. A tese do Marco Temporal teria sido usada para anular processos administrativos de demarcação de terras indígenas, como no caso da comunidade Guayaroka do povo indígena Guarani Kaiowá. Ela foi questionada em inúmeras ocasiões por organismos internacionais, povos indígenas e defensores dos direitos humanos por desrespeitar o direito dos povos indígenas às terras das quais foram violentamente expulsos, particularmente entre 1945 e 1988 – um período de grande turbulência política e violações generalizadas de direitos humanos no Brasil, incluindo a ditadura.

O julgamento pode determinar o curso de mais de 300 processos pendentes de demarcação de terras indígenas no país. Peço ao Supremo Tribunal Federal que não aplique a tese mencionada no caso e decida de acordo com as normas internacionais existentes sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Estou muito preocupado com a aprovação, no dia 30 de maio, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 490/07 que, se aprovado pelo Senado, aplicaria legalmente a tese do Marco Temporal.

Se a tese do Marco Temporal for aprovada, todas as terras indígenas, independentemente de seu status e região, serão avaliadas de acordo com a tese, colocando todas as 1393 terras indígenas sob ameaça direta. É particularmente preocupante que o Projeto de Lei 490/07 indique explicitamente que sua regulamentação seria aplicável a todos esses casos pendentes, agravando a situação ao prolongar ou potencialmente obstruir o processo de demarcação e expondo os povos indígenas a conflitos, contaminação relacionada à mineração, escalada da violência e ameaças de seus direitos sociais e culturais.

A adoção do Marco Temporal é contrária aos padrões internacionais. Espero que a decisão do Supremo Tribunal Federal esteja alinhada com as normas internacionais de direitos humanos aplicáveis e que proporcione a maior proteção possível aos povos indígenas do Brasil.

A decisão precisa garantir reparações históricas para os povos indígenas e evitar a perpetuação de mais injustiças. Peço ao Senado Federal que rejeite o projeto pendente.

Exorto o governo do Brasil a tomar todas as medidas para proteger os povos indígenas, suas culturas e tradições, de acordo com a Constituição Federal brasileira e as obrigações internacionais de direitos humanos.”

Confira aqui a declaração original.

Leia também:

ONU Brasil: Relator da ONU pede rejeição do Marco Temporal das terras indígenas no Brasil

FIAN Brasil: STF retoma julgamento sobre a legalidade do Marco Temporal nesta quarta (7)

STF: Ministro Alexandre de Moraes vota contra marco temporal para demarcação de terras indígenas

Representante da ONU visita o Brasil para apurar violência contra povos indígenas

FIAN Brasil participa de duas atividades relacionadas à missão oficial de Alice Wairimu Nderitu

Entre 1º e 12 de maio, a subsecretária-geral da Organização das Nações Unidas e assessora especial para Prevenção do Genocídio, Alice Wairimu Nderitu, esteve pela primeira vez em missão oficial no Brasil para apurar casos de violência cometidos contra povos indígenas, quilombolas e outras populações em situação de risco no país.

No dia 4 de maio, em Brasília, Nderitu conversou com representantes do poder público, da sociedade civil, de comunidades indígenas e da comunidade internacional em uma mesa de diálogos organizada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH). Na ocasião, o assessor de direitos humanos da FIAN Brasil, Adelar Cupsinski, entregou à subsecretária-geral documento acerca do trabalho da FIAN Brasil com os indígenas Guarani e Kaiowá.

Fruto de parceria com o Conselho Indigenista Missionário no Mato Grosso do Sul e pesquisadoras/es de referência, a publicação apresenta, entre outros temas, uma pesquisa* socioeconômica e de análise da situação de (in)segurança alimentar e nutricional, realizada em 2013, nas comunidades Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá.

Nas visitas de campo, sempre recebida por lideranças indígenas, Nderitu conheceu, entre outros, o povo Yanomami (RR) e os Guarani e Kaiowá que vivem na retomada do Tekoha Guapo’y, município de Amambai (MS).

Em relato preliminar, a sub subsecretária-geral declarou ter se sentido chocada com a extrema pobreza dos Guarani e Kaiowá. Destacou que as terras indígenas na região ainda não foram demarcadas e têm sido alvo de disputas, principalmente com grandes agricultores, em todo o MS. “A maioria dos indígenas foi expulsa de suas terras tradicionais, na maior parte dos casos de forma violenta. Alguns vivem às margens das rodovias em condições degradantes e desumanas, sem bens e serviços básicos, como água potável, alimentação, saúde e educação para os filhos. Eles são discriminados no acesso a serviços básicos”.

Desde 2005, após denúncia da morte de crianças indígenas por desnutrição, a FIAN Brasil acompanha sistematicamente as comunidades Guarani e Kaiowá. Para a secretária geral da FIAN Brasil, Nayara Côrtes, a triste situação ainda ocorre. “Em pleno 2023, voltam a circular fotos de crianças Guarani e Kaiowá desnutridas, que noticiam a morte de ao menos uma criança em razão da violação de um dos direitos mais básicos, do qual a vida depende: o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas”. A declaração foi feita durante encontro com Nderitu no MS, a convite do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Para saber mais sobre a missão, sugerimos a leitura das matérias produzidas pela Agência Brasil e pelo Cimi. Veja também as primeiras considerações de Alice Wairimu Nderitu sobre a visita de campo.

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* Pesquisa socioeconômica

A pesquisa O Direito Humano à Alimentação Adequada e à Nutrição do povo Guarani e Kaiowá foi realizada nas comunidades Guaiviry, Ypo’i e Kurusu Ambá e encontrou algum grau de insegurança alimentar e nutricional em todas as famílias investigadas.

Em 2021, a FIAN Brasil produziu uma nota técnica, com apoio de profissionais com ampla experiência de trabalho junto aos Guarani e Kaiowá, onde o diagnóstico apontou muitos problemas nos programas de assistência emergencial à alimentação e entraves relacionados a programas de transferência de renda que impactam na segurança alimentar nas aldeias, bem como problemas com a documentação civil.

Atualmente, a FIAN Brasil e a FIAN Internacional, em parceria com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Mato Grosso do Sul, e com um grupo de pesquisadores/as de referência no tema, vem realizando uma nova pesquisa, visando traçar os primeiros pontos para a atualização da pesquisa realizada em 2013 sobre as condições socioeconômica nutricional e de segurança alimentar e nutricional das três comunidades pesquisadas, acrescentando ao estudo duas comunidades – Apyka’i e Nhanderu Marangatu.

A análise das informações deve ser feita sob a perspectiva dos Direitos Humanos, em especial sob a ótica do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Porém, os estudos já realizados apontam para a falta de terra como um ponto central a ser resolvido pelo Estado brasileiro.

FIAN Brasil

Painéis trazem explicações de relatores da ONU sobre problemas nos sistemas alimentares

Para uso por comunidades, movimentos e organizações, a FIAN Internacional sintetizou em perguntas e respostas algumas das principais mensagens de documentos de três relatores especiais de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU): Michael Fakhri, David Boyd e Marcos Orellana. Cada seção da entidade criou materiais visuais pensando na realidade do seu país, sem esquecer o quadro global. E nós, da FIAN Brasil, montamos com a designer Patrícia Nardini dois painéis que você pode imprimir ou compartilhar, como carrosséis de redes sociais, no Facebook e no Instagram.

Baixe aqui os dois painéis. Cada um pode ser impresso como um A3 frente e verso, para dobrar em seis, ou como dois A3, para fixar como cartazes, ou, ainda, montado como um pôster A2 (formato maior) vertical.

São conteúdos que tratam dos problemas nos sistemas alimentares hegemônicos (ou seja, que predominam hoje), chamados industriais ou corporativos, pela abordagem do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Muitas dessas questões você já deve conhecer ou desconfiar, e é muito possível que sua comunidade já pratique os caminhos aqui descritos.

Estamos falando de práticas ligadas à agroecologia, à comida de verdade e à regeneração dos ecossistemas, que deveriam receber apoio dos governantes, legisladores e operadores da Justiça para estar no centro, e não nas bordas, dos modos de produzir, processar, comercializar, preparar e consumir alimentos, que deveriam ser condizentes com as necessidades das atuais e das futuras gerações. Temos que fazer pressão para uma transição com esse horizonte.

Sobre os/as especialistas

Os relatores e relatoras especiais são especialistas independentes a quem o Conselho de Direitos Humanos da ONU concede um mandato para vigiar, aconselhar, examinar e informar publicamente sobre uma questão específica (relatorias temáticas) ou sobre questões de direitos humanos em um determinado país (relatorias por países).

Eles/as visitam países para investigar denúncias de violações de direitos humanos e podem se dirigir aos Estados para pedir informações e formalizar recomendações. Também atuam na conscientização da população. Apresentam relatórios anuais ao Conselho de Direitos Humanos e, muitas vezes, à Assembleia Geral da ONU.

Michael Fakhri é o atual relator sobre o Direito à Alimentação; David Boyd, do Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável; e Marcos Orellana acompanha o tema das Substâncias Tóxicas.

Para mergulhar mais no tema  

Leia abaixo as perguntas e respostas preparadas pela FIAN Internacional, que aprofundam o assunto sem complicar a linguagem. E saiba mais sobre o poder das grandes empresas na história em quadrinhos A Captura Corporativa de Sistemas Alimentares.

O problema com o sistema alimentar industrial
e como “consertá-lo”

O sistema alimentar industrial (ou corporativo) prejudica as pessoas e o planeta e afeta nossa capacidade de alimentar a nós mesmos, nossas famílias e nossas comunidades de maneira saudável, sustentável e digna.

Os relatores especiais da ONU sobre o Direito à Alimentação, sobre o Direito a um Ambiente Seguro, Limpo, Saudável e Sustentável e sobre Substâncias Tóxicas descreveram os principais problemas com o sistema alimentar industrial (ou corporativo), em particular no que diz respeito à destruição ambiental e violações de direitos humanos relacionadas. Eles também delinearam o que os governos devem fazer para avançar em direção a práticas agroecológicas sustentáveis, saudáveis ​​e justas que apoiem o direito à alimentação e nutrição e os direitos humanos de forma mais ampla.

I
Qual é o problema com o sistema alimentar industrial?

“O mundo tem sido dominado por corporações em sistemas alimentares que usam a riqueza para gerar mais riqueza, em vez de usar a vida para gerar mais vida.” (Fakhri, p. 9)

Existem muitos problemas com a forma como os alimentos são produzidos, processados, distribuídos, preparados e consumidos em nossos sistemas alimentares. Estes incluem a destruição de ecossistemas, exploração de trabalhadores e alimentação e dietas insalubres.

O sistema alimentar industrial é dominado por corporações e é um dos principais contribuintes para a emergência climática, perda de biodiversidade, degradação do solo, esgotamento da água e poluição.

Esse sistema depende fortemente de produtos químicos e combustíveis fósseis e desloca e marginaliza as práticas agrícolas das comunidades camponesas que foram desenvolvidas ao longo de gerações e funcionam em harmonia com a natureza. Por meio de uma combinação de incentivos e políticas públicas e privadas, os pequenos produtores de alimentos estão cada vez mais dependentes de sementes comerciais, pesticidas e fertilizantes controlados por empresas poderosas. Essas empresas podem ditar preços e empurrar os camponeses para um sistema de “agricultura por contrato”, no qual perdem o poder de decisão sobre o que e como produzem. O sistema alimentar industrial também promove a apropriação de terras e recursos naturais, minando a capacidade das comunidades de se alimentarem.

Trabalhadores agrícolas e de alimentos são frequentemente explorados e expostos a pesticidas nocivos, e não são raros os casos de trabalho escravo e infantil.

O sistema alimentar industrial deixa as pessoas doentes com produtos alimentícios ultraprocessados agressivamente promovidos pela publicidade. Dietas não saudáveis ​​são responsáveis ​​por 10 milhões de mortes anualmente. Além disso, o uso indevido de antibióticos na pecuária e na aquicultura reduz o efeito desses medicamentos quando necessários para tratar humanos.

A cada dia, a indústria de alimentos ganha mais poder para moldar mercados e pesquisas e influenciar governos e políticas públicas a seu favor. Pode fazer isso com os bilhões que ganha com a exploração de recursos naturais e mão de obra barata.

Como o sistema alimentar industrial danifica nosso planeta?

O sistema alimentar industrial é um dos principais contribuintes para as mudanças climáticas, desde as emissões e a destruição de sumidouros de carbono (por exemplo, plantas que podem armazenar carbono para que ele não entre na atmosfera). É responsável por até 37% das emissões globais de gases de efeito estufa que aumentam a temperatura do nosso planeta e levam a catástrofes, como pragas, inundações e secas. Muito disso acontece por meio do desmatamento, quando as agroindústrias convertem florestas em terras para a agricultura produzir commodities de exportação, como carne bovina, soja e óleo de palma.

A intensificação industrial da agricultura é uma “prática extrativa” que perturba as bases de nossos ecossistemas com impactos duradouros para nossos filhos e seus filhos. Isso inclui o uso excessivo de água doce, em particular pela indústria pecuária, e a poluição da água potável por meio de pesticidas, fertilizantes e dejetos animais. A agricultura industrial também é responsável pela poluição do ar e pela degradação e erosão do solo – ameaçando a própria base de nossa alimentação.

O sistema alimentar industrial destrói a diversidade biológica promovendo monoculturas (o cultivo de uma única cultura em um campo de cada vez), ameaçando os sistemas de sementes crioulas e promovendo dietas baseadas em uma gama muito estreita de culturas. A superexploração, a poluição e a destruição de áreas de pesca resultaram em um terço dos peixes de água doce ameaçados de extinção. O uso de agrotóxicos causou uma perda maciça de insetos e aves que se alimentam deles, desequilibrando o funcionamento da natureza.

O sistema alimentar industrial e a poluição, a destruição ambiental e o desmatamento que o acompanham forneceram um terreno fértil perfeito para doenças zoonóticas – doenças que passam de animais para humanos – como a Covid-19. As más condições de trabalho e os abusos ambientais na indústria alimentar também contribuíram para a sua propagação.

O que isso significa para o direito das pessoas à alimentação e direitos conexos?

Os impactos ambientais do sistema alimentar industrial aprofundam as desigualdades existentes e causam múltiplas violações dos direitos humanos.

A poluição da água, do ar, do solo e dos alimentos com produtos químicos tóxicos usados ​​na agricultura industrial tem efeitos de longo alcance na saúde de camponeses, trabalhadores, comunidades vizinhas e consumidores, podendo causar mortes prematuras.

Os agrotóxicos envenenam regularmente trabalhadores e camponeses. São responsáveis ​​por cerca de 200 mil mortes por envenenamento agudo a cada ano. Eles têm sido associados a doenças graves, incluindo câncer, derrames, anomalias congênitas e distúrbios neurodegenerativos, como a doença de Parkinson, e são particularmente prejudiciais para mulheres e crianças. As crianças expostas a agrotóxicos – por exemplo, quando trabalham em fazendas, brincam em solo contaminado ou bebem água contaminada – podem sofrer danos graves em seu desenvolvimento cognitivo e físico.

A poluição da água e o uso excessivo de água pela agricultura industrial também levam à escassez de água para as comunidades locais. Isso tem impactos diretos em seus direitos à água e à saúde. Também afeta seu direito à alimentação e nutrição, pois prejudica sua capacidade de cultivar e preparar alimentos e pode levar a doenças transmitidas pela água que afetam sua nutrição e saúde. A capacidade das comunidades de cultivar alimentos para si mesmas e ganhar a vida também é severamente prejudicada por sua exposição a mudanças e condições climáticas severas, desastres naturais e destruição do meio ambiente, incluindo a degradação do solo.

II
Como os sistemas alimentares devem ser transformados para garantir o direito à alimentação e à nutrição?

“(…) transformar os sistemas alimentares que exploram milhões de trabalhadores, prejudicam a saúde de bilhões de pessoas e infligem trilhões de dólares em danos ambientais é moral e legalmente imperativo para respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos.” (Boyd, 2021, p. 26)

Não podemos mais confiar no foco no crescimento econômico para superar a fome e a desnutrição. O direito a um ambiente saudável é protegido por lei na grande maioria dos países. Sistemas alimentares saudáveis ​​e sustentáveis ​​são um componente central desse direito, conforme confirmado por vários tribunais e instituições nacionais de direitos humanos em todas as regiões. Transformar os sistemas alimentares para se tornarem saudáveis, sustentáveis ​​e justos é essencial para enfrentar a crise ambiental global.

A agroecologia aborda muitas fraquezas do sistema alimentar industrial. Questiona as dinâmicas de poder (incluindo aquelas entre mulheres e homens), destaca a importância do acesso e controle das pessoas sobre o conhecimento e os recursos e leva a melhorias concretas no Dhana.

Essa abordagem imita processos ecológicos e interações biológicas. Muitas vezes produz rendimentos mais elevados do que a agricultura industrial. Como menos produtos químicos são usados, causa menos danos ao meio ambiente. Também corrige danos causados ​​pelo sistema alimentar industrial: reduz as emissões de gases de efeito estufa, recupera a saúde do solo, protege a diversidade biológica e diminui o risco de pandemias. Além disso, apoia a construção coletiva do conhecimento, aproxima consumidores e produtores, garante meios de vida dignos para as pessoas que trabalham nos sistemas alimentares e promove a equidade social.

O que os governos devem fazer para transformar os sistemas alimentares?

“Os efeitos ambientais devastadores dos sistemas alimentares industriais e as dietas não saudáveis ​​associadas ao gozo de uma ampla gama de direitos humanos dão origem a amplos deveres dos Estados de prevenir esses danos. Os Estados devem aplicar uma abordagem baseada em direitos a todas as leis, regulamentos, políticas e ações relacionadas à alimentação, a fim de minimizar os impactos negativos sobre o meio ambiente e os direitos humanos”. (Boyd, 2021, p. 17)

Os governos devem reduzir o uso de agroquímicos e banir os mais perigosos. Eles deveriam parar de exportar agroquímicos proibidos em seus próprios países. Eles devem introduzir regulamentações mais fortes e impostos mais altos sobre agroquímicos. O dinheiro desses impostos deve ser usado para apoiar os produtores na redução de agrotóxicos e na transição para a agroecologia. Os países precisam monitorar cuidadosamente a poluição por agroquímicos e seus impactos na saúde das pessoas.

Antibióticos devem ser permitidos apenas para tratamento veterinário individual de animais. A pecuária intensiva precisa acabar. É preciso haver regulamentações mais fortes para a agricultura industrial para evitar a propagação de doenças zoonóticas.

Os governos devem fornecer apoio técnico para práticas agrícolas que restaurem a saúde do solo, incluindo o uso de fertilizantes orgânicos, rotação diversificada de culturas e compostagem.

Eles devem adotar e fazer cumprir as leis para impedir o desmatamento e a conversão em terras agrícolas, ao mesmo tempo em que fazem isenções apropriadas para produtores de pequena escala. Devem estimular a diversificação de cultivos e torná-la obrigatória em grandes monoculturas. Os sistemas alimentares devem fazer parte das estratégias de biodiversidade.

Os governos devem proteger os sistemas de sementes dos camponeses (os direitos dos camponeses de salvar, usar e trocar sementes e raças de gado adaptadas localmente) e garantir que as leis nacionais e internacionais não os prejudiquem. Eles devem reviver e apoiar as variedades tradicionais e os conhecimentos e práticas ancestrais relacionados. Da mesma forma, devem proteger e restaurar a biodiversidade do mar.

As regras do comércio internacional precisam ser reformadas e os acordos agrícolas injustos devem ser encerrados. Novas regras comerciais devem ser baseadas na lei de direitos humanos, garantir a equidade e apoiar a transição para sistemas alimentares sustentáveis ​​e agroecologia.

Os governos devem investir na infraestrutura dos mercados territoriais nos níveis local, nacional e regional. Devem também apoiar cooperativas de produtores e consumidores que facilitem a troca de conhecimento e a adoção de práticas agroecológicas. Eles devem corrigir qualquer viés existente nas políticas que privilegiam os supermercados sobre os mercados informais de agricultores.

Os governos devem proteger e melhorar os produtores de alimentos de pequena escala, especialmente as mulheres, o direito à terra e outros recursos naturais – inclusive por meio da reforma agrária.

Eles devem desenvolver diretrizes sobre nutrição que integrem preocupações de saúde e sustentabilidade e implementar programas nacionais de refeições escolares gratuitas que forneçam alimentos saudáveis ​​a todas as crianças. Os alimentos para essas e outras instituições públicas (como hospitais) devem ser comprados de produtores locais e preparados nas cozinhas das escolas.

Os governos devem proibir a promoção de produtos alimentícios e bebidas ultraprocessadas para crianças e impor impostos e etiquetas de advertência para que as pessoas consumam menos.

A governança dos sistemas alimentares precisa mudar fundamentalmente. Os direitos e meios de subsistência dos mais desfavorecidos – incluindo aqueles que não têm acesso à terra e alimentos saudáveis ​​e sustentáveis, ou cujo direito a um ambiente saudável é ameaçado ou violado – precisam ser priorizados. Eles devem ser capazes de participar quando os governos fazem novas políticas sobre alimentos. Especialmente a participação das mulheres precisa ser fortalecida. A transformação dos sistemas alimentares deve ser baseada nas próprias soluções das pessoas, e não imposta de cima por “especialistas”.

Os governos devem incorporar o direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana) e o direito a um ambiente saudável e sustentável nas leis nacionais com mecanismos para responsabilizar autoridades e empresas.

As declarações das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses (Undrop) e sobre os Direitos dos Povos Indígenas (Undrip) devem ser aplicadas quando os governos adotam novas leis e políticas. Da mesma forma, eles devem aplicar as Diretrizes sobre Posse e Pesca Sustentável em Pequena Escala para evitar a apropriação de terras, água e recursos naturais. Eles também devem garantir que os trabalhadores agrícolas e de alimentos sejam protegidos pelas leis trabalhistas.

O poder corporativo nos sistemas alimentares precisa ser reduzido, inclusive por meio de legislação que reverta a concentração excessiva. A conclusão das negociações de um acordo internacional para regular as corporações transnacionais também é fundamental para isso.

Os governos devem restringir o lobby corporativo e as doações da indústria de alimentos e suas associações empresariais, e outras tentativas de influenciar as políticas relacionadas aos sistemas alimentares.

A Captura Corporativa de Sistemas Alimentares

História em quadrinhos (HQ) originalmente produzida em parceria entre a FIAN Internacional e os irmãos artistas Zago Brothers. Ganhou versão em português por iniciativa da FIAN Brasil e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

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A HQ detalha como as grandes empresas do agronegócio, de finanças, de tecnologia e de alimentos usam seus recursos para ditar a lógica de produção e oferta de comida e produtos alimentícios. Também ilustra, de forma artística e intuitiva, os impactos negativos na saúde das pessoas e do planeta. Saiba mais.

FIAN manifesta à ONU preocupação com Cúpula de Sistemas Alimentares

Um apelo pela correção das rotas da Cúpula de Sistemas Alimentares, marcada para setembro. Esse foi o teor da declaração lida pela secretária-geral da FIAN Brasil, Valéria Burity, no diálogo interativo com o relator especial de Direito à Alimentação, na 46ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Burity falou em nome da FIAN Internacional e das seções nacionais da entidade.

A manifestação endossou as preocupações externadas pelo relator especial Michael Fakhri quanto à urgência de transformar o sistema alimentar, acrescentando que o informe produzido por ele reafirma vários dos resultados do monitoramento realizado pela Rede Global pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas.

A FIAN lembrou a carta de mais de 150 organizações apresentada pelo Mecanismo da Sociedade Civil (MSC) do Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) no começo de fevereiro. O documento alerta para a captura corporativa no processo de preparação da cúpula do tema, conjugada à falta de uma base sólida de direitos humanos; à ausência de um enfoque que realinhe os sistemas alimentares corporativos aos direitos das pessoas, dos povos e da natureza; e à ameaça de que as instituições públicas democráticas e o multilateralismo sejam postos em segundo plano pelo modelo de múltiplas partes interessadas (multistakeholder).

Na intervenção, a FIAN exorta os Estados-membros a reorientar radicalmente o curso do evento de setembro nas suas instâncias decisórias. “Não tem sentido para nossas organizações participar de uma cúpula assim”, alerta o texto, pedindo o fortalecimento dos atores e instituições comunitárias e públicas como vitais para o funcionamento dos sistemas alimentares e da democracia. “Também pedimos ao relator que considere a importância dos sistemas camponeses de sementes e dos povos indígenas e investigue o impacto da digitalização, tomando como exemplo o contexto da Covid-19”, finaliza a mensagem lida por Valéria Burity.

Ao lado da desmaterialização e da financeirização, a digitalização está transformando profundamente nossos sistemas alimentares, num processo que alguns chamam de “Quarta Revolução Industrial”. Uma das bases dela é uma fusão de tecnologias que apaga as fronteiras entre as esferas física, digital e biológica.

Desigualdades acentuadas

Ao falar ao Conselho de Direitos Humanos CDH na sessão de 2 de março, o relator Michael Fakhri observou que o mundo estava ficando para trás em realizar plenamente o direito à alimentação mesmo antes da pandemia, e que esta revelou as iniquidades do sistema alimentar e acelerou essa tendência. A seu ver, muitos Estados relutaram em considerar a crise de fome causada pelo contexto da Covid-19 uma questão de direitos humanos, e não houve uma ação coordenada para enfrentá-la.

Fakhri apresentou o relatório que descreve os rumos que pretende tomar durante sua gestão. Ele destacou mais três áreas temáticas prioritárias: sistemas alimentares e governança global; sementes e direitos dos agricultores; e o direito à alimentação em conflitos armados e crises prolongadas.

O Programa Mundial de Alimentos (PMA) estimou que o número total de pessoas que sofrem de fome aguda dobraria em 2020 para 265 milhões. Para o relator, não seria muito difícil desenvolver um plano internacional baseado nos direitos humanos que ajudasse a superar essa crise. Ele alertou que quase metade dos 3,3 bilhões de trabalhadores do mundo corriam o risco de perder seus meios de subsistência.

Em seu relatório, ele defende uma aliança entre o Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CSA) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) para enfrentar a crise da fome iminente. Com relação à Cúpula de Sistemas Alimentares, pontuou que ela estava priorizando soluções científicas e baseadas no mercado, e que era importante observar que organizações que representam milhões de pessoas protestaram porque os direitos humanos foram inicialmente excluídos da agenda.

Fakhri assinalou que agroecologia e direitos humanos andam de mãos dadas e devem estar no centro da cúpula. Ele pontuou, ainda, que muitos países começaram a envolver o direito à alimentação ao discutir a mudança climática, o que representaria uma oportunidade de colocar a questão na agenda da conferência das Nações Unidas sobre o clima, marcada para dezembro.

Leia mais  e assista à sessão do conselho da ONU (em inglês) e à declaração da FIAN (em espanhol).

Artigo | Construindo conjuntamente o futuro do direito à alimentação no Brasil com raízes profundas em tempos de tormenta

Significado dos avanços e desafios no vigésimo aniversário da FIAN Brasil

Ana María Suárez Franco – representante permanente da FIAN Internacional em Genebra

Com estas palavras quero fazer um breve reconhecimento ao trabalho da FIAN Brasil em seus 20 anos de luta pelo direito à alimentação. Eles certamente não abrangem todo o esforço valioso que colocaram em seu trabalho e os desafios que enfrentam. No entanto, esse olhar de fora visa juntar as vozes de muitas outras pessoas que comemoram esses 20 anos reconhecendo sua valiosa contribuição.

Quando comecei a trabalhar como estagiária na FIAN em 2002, a FIAN Brasília estava em Goiânia. Seu trabalho já era muito relevante, principalmente nas questões de acesso à terra e na defesa do direito à alimentação diante do despejo e do impacto das monoculturas e dos agrocombustíveis. Nesse tempo, se minha memória não me trair, o trabalho foi feito principalmente com os movimentos que lutavam pela terra. A FIAN Brasil também apoiou as comunidades quilombolas.

Mais ou menos entre 2009 e 2011 a FIAN Brasil teve várias mudanças relevantes. Eles passaram a trabalhar sobre o direito à alimentação de uma perspectiva mais abrangente, incluindo discussões sobre Governança Alimentar em nível nacional, participando de discussões em torno do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) e contribuindo para reuniões internacionais sobre o direito à alimentação e à nutrição do que no período foram organizados em Brasília e no exterior. Isso aconteceu em um momento em que as políticas e instituições públicas brasileiras deram grandes passos que constituíram um exemplo para o mundo no que se refere ao direito à alimentação. A partir dessa época também lembro como mudança relevante a mudança do escritório para Brasília, o que ampliou as possibilidades de interação com as autoridades nacionais.

Também de grande importância foi o início do acompanhamento das Comunidades Guarani e Kaiowá, a documentação de sua situação na perspectiva do direito à alimentação e à nutrição e a apresentação de uma petição perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a qual foi admitida e está em andamento. Nesse trabalho, que continua até hoje, a cooperação com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) tem gerado um grande aprendizado. Este apoio continua. Em estreita colaboração com o Cimi e com o Secretariado Internacional da FIAN, a FIAN Brasil tem contribuído para trazer as vozes que contam as realidades cruéis que vivem os Guarani e Kaiowá, incluindo suas reivindicações pela terra, contra o genocídio e as violações do direito à alimentação, perante o Sistema Internacional de Direitos Humanos da ONU e as autoridades europeias. Nesse contexto, apresentaram o caso ao Comitê Desc, ao Conselho de Direitos Humanos e aos três últimos relatores especiais de Direitos Humanos para o Direito à Alimentação e ao último relator para Pobreza Extrema e Direitos Humanos. Essas autoridades da ONU obtiveram, entre outras, várias recomendações ao Estado brasileiro, defendendo-o para respeitar, proteger e garantir os direitos das comunidades. O trabalho de advocacia no Parlamento Europeu resultou numa resolução de apoio às comunidades. Todas essas recomendações são instrumentos que fortalecem a luta pelo Tekoha dos Guaraní e Kaiowá. Uma luta que ainda representa um imenso desafio.

Em nível regional, nas Américas, a FIAN Brasil tem sido uma das seções-chave na formação da articulação regional, apoiando essa cooperação com suas ideias. Isso também implicou a definição e implementação de estratégias em nosso trabalho perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Eu, como representante permanente da FIAN Internacional em Genebra, valorizo ​​o papel que a FIAN Brasil desempenhou durante o processo de negociação da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Camponeses, Camponesas e Outras Pessoas que Trabalham em Zonas Rurais, bem como processos relacionados, incluindo as discussões do Comitê Desc para a adoção de um Comentário Geral sobre a Terra e os Desc [direitos econômicos, sociais e culturais], ou os esforços da sociedade civil para conduzir a transição para um mundo livre de agrotóxicos. Nesse contexto, a FIAN Brasil tem contribuído para manter nossos parceiros no Brasil informados sobre esses processos e para levar as análises e propostas do movimento pelo direito à alimentação no Brasil aos respectivos debates internacionais. Participou de negociações na ONU em Genebra, apoiou a participação de representantes das comunidades de base nesses espaços e liderou a elaboração de um estudo sobre Agrotóxicos e Direito à Alimentação, realizado pelas seções do FIAN na América Latina, que será publicado em breve.

A FIAN Brasil também desempenhou um papel útil e n a conexão entre o processo internacional no âmbito do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para a adoção de um Instrumento Vinculativo (um tratado) sobre Empresas Transnacionais e Outros Negócios em Direitos Humanos, participando dos debates e contribuindo para os debates em nível brasileiro.

Infelizmente os tempos mudaram e o ambiente político que apoiava o direito à alimentação e reconhecia as contribuições da sociedade civil e a importância da participação das comunidades de base na elaboração e monitoramento das políticas no Brasil foi deixado para trás. Hoje a sociedade brasileira vive um regime hostil e autoritário, que ignora os direitos humanos e ataca frontalmente os povos indígenas, as mulheres, a população LGTBI e os defensores dos direitos humanos. O Consea foi desmontado, medidas regressivas de direitos humanos foram adotadas e a militarização da sociedade instigou o pânico naqueles que antes defendiam as agendas dos Desc.

Acho que, nesse novo contexto, a FIAN Brasil tem um trabalho muito importante. Assim como fez quando mobilizou as ações que buscavam impedir o desmantelamento do Consea, infelizmente sem o efeito final pretendido, agora a FIAN Brasil deve continuar seu papel de guardiã atenta e defensora do direito à alimentação e direitos conexos. Isso implica em um grande investimento de energia no fortalecimento de alianças e na ampliação de convergências que permitam à sociedade civil brasileira criar uma massa crítica mais forte em defesa dos avanços que fez nos últimos anos. Um desafio titânico, mas fundamental!!! O trabalho também envolve a denúncia de situações de criminalização de defensores dos direitos humanos, incluindo líderes de comunidades de base que são atacados diretamente.

Embora as medidas regressivas já tenham começado, a Covid-19 acumula-se com as crises existentes e, em muitos casos, é usada pelos governos para justificar novas medidas regressivas. Esta nova crise, que aprofunda outras já existentes, também cria um novo desafio para a FIAN Brasil. Enquanto os olhos do mundo estão voltados para a crise da saúde, nosso trabalho como FIAN no Brasil e no mundo também exigirá chamar a atenção para os impactos que a pandemia está gerando sobre o direito à alimentação e à nutrição. Somos chamados a propor medidas de contenção e recuperação que avancem na transição para sistemas alimentares mais saudáveis, sustentáveis ​​e justos. É fundamental que a FIAN Brasil, junto com seus aliados, proponha e exija medidas que respeitem, protejam e garantam o Dhana, especialmente para as comunidades marginalizadas, incluindo povos indígenas, quilombolas, camponeses e pescadores artesanais, entre outros. Neste contexto, a FIAN Brasil tem o novo desafio de estar alerta, documentar e resistir a novas violações do direito à alimentação, ao mesmo tempo que aprende com as respostas inovadoras e solidárias das comunidades de base e dá-lhes visibilidade. Sem dúvida, para fazer este trabalho sem se colocar em perigo, também neste aspecto é imprescindível o fortalecimento de suas alianças atuais e a ampliação de suas convergências.

Em minha opinião, a FIAN Brasil também poderia se beneficiar com a adoção de abordagens inovadoras que continuam a se enquadrar no conceito holístico de direito à alimentação e apoio à luta dos movimentos sociais e comunidades de base, reconhecendo-os, como sempre fez, como agentes de mudança, titulares dos direitos humanos, que possuem o conhecimento e a força para continuar lutando pela realização do direito à alimentação. Levando em consideração os desafios apresentados pelas atividades das grandes corporações para a efetivação do direito à alimentação e os desafios gerados pela destruição ecológica e pelas mudanças climáticas, acredito que continuar e aprofundar o trabalho dessas lutas seria fundamental para o setor.

Quero também agradecer o excelente trabalho que o Conselho de Administração e a equipe da Secretaria Executiva da FIAN Brasil têm feito para alcançar tudo o que conquistaram até agora. É importante que continuem com o seu compromisso institucional, aproveitando a grande experiência adquirida ao longo destes 20 anos. Além disso, acredito que é fundamental que a FIAN Brasil continue a envolver jovens de diversas disciplinas e regiões do Brasil em sua equipe e a treiná-los em nossos valores fianistas, para garantir que a instituição se mantenha, fortaleça-se e continue a desempenhar um papel relevante no movimento de direitos humanos no Brasil, na região e no mundo. Esse aprendizado e treinamento permanente, no entanto, representa um grande desafio. Garantir a sobrevivência econômica das organizações para as quais trabalhamos um mundo mais justo é difícil em tempos de recessão. Esse desafio é maior também porque os fundos internacionais para organizações de direitos humanos, especialmente na América Latina, diminuem notavelmente. Assim, o trabalho para garantir os recursos que permitam ao setor dar continuidade ao seu trabalho também será essencial para garantir mais 20 anos de trabalho contra as injustiças.

Agradeço muito à FIAN Brasil por esses 20 anos de grande compromisso com o direito à alimentação e à nutrição.

Foto: Alex Del Rey/FIAN Internacional

Texto original (em espanhol)

Co-construyendo el Futuro del Derecho a la Alimentación en Brasil sobre Raíces Profundas en Tiempos Borrascosos: importancia avances y desafíos en el vigésimo aniversario de FIAN Brasil

Ana María Suárez Franco – Representante Permanente de FIAN Internacional en Ginebra

Con estas palabras quiero hacer un corto reconocimiento al trabajo de FIAN Brasil en sus 20 años de lucha por el derecho a la alimentación. Sin duda ellas no abarcan todo el valioso empeño que han puesto en su labor y en los desafíos que confrontan. No obstante, esta mirada desde afuera pretende unirse a las voces de muchas otras personas que celebran estos 20 años reconociendo su valioso aporte.

Cuando yo entré a trabajar como practicante a FIAN en 2002, FIAN Brasilia estaba en Goiânia. Su trabajo ya era muy relevante, especialmente en los temas de acceso a la tierra y la defensa del derecho a la alimentación frente al desalojo y el impacto de los monocultivos y los agro- combustibles. Durante esta época, si mi memoria no me traiciona, el trabajo se hacía principalmente con los movimientos que luchaban por la tierra. FIAN Brasil además apoyaba las comunidades Quilombola.

Más o menos entre 2009 y 2011 FIAN Brasil tuvo varios cambios relevantes. Pasaron a trabajar sobre el derecho a la alimentación desde una perspectiva más integral, incluyendo las discusiones sobre Gobernanza Alimentaria a nivel nacional, participando en las discusiones alrededor del Consea y contribuyendo a las reuniones internacionales sobre el derecho a la alimentación y la nutrición que en la época se organizaron en Brasilia y en el exterior. Esto sucedió en tiempos en los cuales las políticas públicas e instituciones brasileras tuvieron grandes avances que han sido ejemplo para el mundo en materia del derecho a la alimentación. De esta época también recuerdo como un cambio relevante el paso de la oficina a Brasilia, que amplió las posibilidades de interactuar con las autoridades nacionales.

También de gran importancia fue el inicio del acompañamiento a las Comunidades Guarani y Kaiowa, la documentación de su situación desde la perspectiva del derecho a la alimentación y la nutrición y la presentación de una petición ante la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, que ha sido admitida y se encuentra en curso. En este trabajo, que se extiende hasta hoy, la cooperación con Cimi ha generado un gran aprendizaje. Este apoyo continúa. En estrecha colaboración con Cimi y con el Secretariado Internacional de FIAN, FIAN Brasil ha contribuido a llevar las voces que cuentan las crueles realidades que viven los Guarani & Kaiowá, incluyendo sus demandas por la tierra, contra el genocidio y en cuanto a las violaciones a su derecho a la alimentación, ante el Sistema Internacional de Derechos Humanos de la ONU y las autoridades europeas. En este marco, han presentado el caso ante el Comité Desc, el Consejo de Derechos Humanos y ante los tres últimos Relatores Especiales de Derechos Humanos sobre el Derecho a la Alimentación y el último relator sobre Pobreza Extrema y Derechos Humanos. De estas autoridades de la ONU se han obtenido, entre otras, diversas recomendaciones al estado brasilero, avocándolo a respetar, proteger y garantizar los derechos de las comunidades. El trabajo de incidencia en el Parlamento Europeo dio como fruto una resolución en apoyo a las comunidades. Todas estas recomendaciones son instrumentos que fortalecen la lucha por el Tekoha de los Guaraní y Kaiowá. Una lucha que aún representa un inmenso desafío.

A nivel regional, en las Américas, FIAN Brasil ha sido una de las secciones clave en la conformación de la articulación regional, apoyando con sus ideas a dicha cooperación. Esto ha implicado también la definición e implementación de estrategias sobre nuestro trabajo ante el Sistema Interamericano de Derechos Humanos.

Yo, como representante permanente de FIAN Internacional en Ginebra, valoro el rol que FIAN Brasil jugó durante el proceso de negociación de la Declaración de Naciones Unidas sobre los Derechos de los Campesinos, Campesinas y Otras Personas que Trabajan en áreas Rurales, así como procesos relacionados, incluyendo los debates del Comité Desc hacia la adopción de una Observación General sobre Tierra y Desc, o los esfuerzos de la sociedad civil por impulsar la transición hacia un mundo libre de pesticidas. En este marco FIAN Brasil ha contribuido a mantener informadas a nuestras parceras en Brasil sobre dichos procesos y a llevar el análisis y las propuestas del movimiento del derecho a la alimentación en Brasil a los respectivos debates internacionales. En este marco FIAN Brasil ha participado en negociaciones en la ONU en Ginebra, ha apoyado la participación de representantes de las comunidades de base en esos espacios y ha liderado la elaboración de un estudio sobre Pesticidas y Derecho a la Alimentación, realizado por las secciones de FIAN en América Latina, que será publicado próximamente.

FIAN Brasil también ha jugado un rol útil en la conexión entre el proceso internacional en el marco del Consejo de Derechos Humanos de Naciones Unidas, para la adopción de un Instrumento Vinculante (un tratado) sobre Empresas Transnacionales y Otros Negocios con respecto a los Derechos Humanos, participando en los debates y contribuyendo a los debates a nivel brasilero.

Desafortunadamente los tiempos han cambiado y el ambiente de políticas que apoyaban al derecho a la alimentación y reconocían los aportes de la sociedad civil y la importancia de la participación de las comunidades de base en la elaboración y monitoreo de políticas en Brasil han quedado atrás. Ahora la sociedad brasilera se encuentra bajo un régimen hostil y autoritario, que desconoce los derechos humanos y ataca frontalmente a los pueblos indígenas, las mujeres, la población LGTBI y a las personas defensoras de derechos humanos. Se ha desmantelado el Consea, se han adoptado medidas regresivas en cuanto a los derechos humanos y la militarización de la sociedad ha infundido el pánico en quienes otrora han impulsado las agendas en materia de Desc.

Yo pienso que en este nuevo contexto FIAN Brasil tiene una labor muy importante. Así como lo hizo cuando movilizó las acciones que buscaron impedir el desmantelamiento del Consea, desafortunadamente sin el efecto final buscado, ahora FIAN Brasil deberá continuar con su rol de atenta guardiana y defensora del derecho a la alimentación y los derechos relacionados. Esto implica una gran inversión de energía en el fortalecimiento de alianzas y la ampliación de las convergencias que le permitan a la sociedad civil brasilera crear una masa crítica más fuerte defender los avances que ha logrado en los últimos años. Un desafío titánico, pero fundamental !!! Este trabajo también implica la denuncia de situaciones de criminalización a las personas defensoras de derechos humanos, incluyendo a las personas líderes de las comunidades de base que son directamente atacadas.

Si bien las medidas regresivas ya habían comenzado, el COVID-19 se ha acumulado con las crisis existentes y en muchos casos es utilizado por los gobiernos para justificar medidas regresivas adicionales. Esta nueva crisis, que profundiza otras preexistentes, también genera un nuevo desafío para FIAN Brasil. Mientras los ojos del mundo están enfocados en la crisis sanitaria, nuestro trabajo como FIAN en Brasil y en el mundo, también requerirá llamar la atención sobre los impactos que la pandemia está generando en el derecho a la alimentación y la nutrición. Estamos llamadas a proponer medidas de contención y recuperación que avancen en la transición hacia sistemas alimentarios más saludables, sostenibles y justos. Es fundamental que FIAN Brasil, junto con sus aliadas, proponga y exija medidas que respeten, protejan y garanticen el DHANA, especialmente para las comunidades marginadas, incluyendo los pueblos tradicionales, pueblos indígenas, comunidades quilombolas, campesinas y pescadoras, entre otras.  En este contexto, FIAN Brasil tiene el nuevo desafío de estar alerta documentar y resistir nuevas violaciones del derecho a la alimentación, mientras aprende de las respuestas innovadoras y solidarias de las comunidades de base y les da visibilidad. Sin duda, para hacer este trabajo sin ponerse en peligro, en este aspecto también el fortalecimiento de sus actuales alianzas y la ampliación de sus convergencias resulta fundamental.

En mi opinión FIAN Brasil podría también beneficiarse de la adopción de enfoques innovadores, que se sigan enmarcando dentro del concepto holístico del derecho a la alimentación y el apoyo a la lucha de los movimientos sociales y las comunidades de base, reconociéndolos, como siempre ha hecho, como agentes de cambio, titulares de derechos humanos, que poseen el conocimiento y la fuerza para seguir luchando por la realización del derecho a la alimentación. Teniendo en cuenta los desafíos que presentan las actividades de las grandes corporaciones para la realización del derecho a la alimentación y los desafíos que generan la destrucción ecológica y el cambio climático, creo que continuar y profundizar el trabajo desde estas luchas sería fundamental para la sección.

También quiero reconocer el gran trabajo que la Junta Directiva y el equipo del Secretariado Ejecutivo de FIAN Brasil ha hecho para alcanzar todo lo que han logrado hasta ahora. Es importante que sigan con su compromiso institucional, aprovechando la gran experiencia que han ganado durante estos 20 años. Más allá, creo que es fundamental que FIAN Brasil siga involucrando gente joven de diversas disciplinas y regiones de Brasil en su equipo y formándola en nuestros valores FIANistas, para asegurar que la institución permanezca, se fortalezca y siga jugando un rol relevante en el movimiento de derechos humanos en Brasil, en la región y en el mundo. Este permanente aprendizaje y capacitación, sin embargo, representan un gran desafío. Asegurar la supervivencia económica de las organizaciones que trabajamos por un mundo más justo se dificulta en tiempos de recesión. Este desafío es mayor, también porque los que los fondos internacionales para las organizaciones de derechos humanos, especialmente en América Latina, disminuyen notablemente. Así, el trabajo por asegurar los recursos que permitan a la sección continuar con su labor también será fundamental para asegurar otros 20 años de trabajo contra la injusticia.

Mil gracias FIAN Brasil por estos 20 años de gran compromiso por el derecho a la alimentación y la nutrición.

FIAN participa de apelo contra calote brasileiro à Opas

A importância da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) para o Sistema Único de Saúde (SUS) é o ponto central de carta aberta lançada por dezenas de organizações da sociedade civil, entre elas a FIAN Brasil – Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas. Trata-se de um alerta para os prejuízos na saúde pública do país, principalmente num momento de pandemia, se os governos Bolsonaro e Trump levarem adiante as ameaças de retirada e desfinanciamento – já em curso, na prática, na forma de diversos calotes aplicados nas instituições da Organização das Nações Unidas, o Sistema ONU.

O documento aponta o risco de insolvência da Opas, escritório regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), e a possibilidade de que deixe de intermediar aquisição de vacinas e medicamentos para o enfrentamento da Covid-19 nas Américas. Assinada inicialmente por 27 instituições, a manifestação pública já soma mais de 40 signatários, entre organizações não governamentais (ONGs), seções universitárias, fóruns e conselhos – como o Conselho Nacional de Saúde (CNS), que congrega dezenas de entidades.

Dirigido à sociedade, aos gestores da saúde pública e ao Legislativo, o apelo destaca que a atuação do organismo das Nações Unidas e a participação brasileira nele permitem que nossa população tenha acesso a diversos medicamentos a preços reduzidos, a pesquisas de excelência e aos resultados da cooperação de nossas universidades com centros de estudos de outros países. O grupo lembra que as compras intermediadas pela entidade são um possível caminho para solucionar a falta de anestésicos para entubamento de pacientes de Covid-19 nos estados.

“Qualquer agressão à Organização é uma ameaça ao sistema público brasileiro, especialmente para usuários em tratamento de câncer, de doenças autoimunes, de doenças reumáticas, de certas hepatites virais, assim como para o fornecimento de vacina”, enfatizam as signatárias.

Trabalho na Amazônia e arrecadação para combate à pandemia

A mensagem à sociedade e às autoridades públicas lembra o papel de destaque da Opas na cooperação regional e sua contribuição em vitórias para a saúde mundial como a erradicação do sarampo, da varíola, da rubéola e da poliomielite.

O braço regional da OMS anunciou recentemente, por exemplo, que trabalhará para intensificar o combate à Covid-19 em áreas indígenas da Amazônia com a coordenação de Organizações Indígenas da Bacia do Rio Amazonas (Coica), que inclui organizações indígenas da selva peruana, do leste da Bolívia, da Amazônia brasileira, equatoriana e colombiana. Para mobilizar mais recursos voltados a ações como essa, a Opas colocou no ar um novo portal de doações ao Fundo de Resposta à Covid-19.

As Américas são hoje o epicentro da pandemia. O novo coronavírus propagou-se para todos os 54 países e territórios do hemisfério.

Alimentação adequada e saudável na promoção de saúde

A carta assinada pela FIAN aponta, ainda, como fundamental sua importância na promoção de uma alimentação adequada e saudável. “É sabido que o avanço das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como diabetes e hipertensão, tem como fatores de risco as diferentes formas de má alimentação. O agravo das DCNTs é também uma das principais causas de mortes evitáveis no país, o que por sua vez, implica não apenas o comprometimento da qualidade de vida dos cidadãos brasileiros, mas traz impactos diretos ao SUS.”

As organizações ressaltam a necessidade de assegurar uma agenda de promoção da saúde para reverter as atuais tendências crescentes dos fenômenos elencados.

“Neste sentido, a Opas vem contribuindo ao longo das décadas com relatórios técnicos e recomendações, liderando discussões regionais e realizando ações concretas para a promoção de ambientes mais saudáveis”, sublinham. “Estes perpassam pelo fomento à amamentação nos primeiros anos de vida e estímulo ao consumo de alimentos in natura como fatores protetivos, até as diversas medidas para restrição ao consumo de ultraprocessados, com quantidades elevadas de sal, gorduras, açúcar e aditivos químicos, assim como seus estímulos pela publicidade excessiva ou ausência de rótulos informativos.”

Para saber mais sobre as relações entre sistemas alimentares, meio ambiente, cultura e saúde/doença, baixe gratuitamente o módulo 1 do nosso Curso Básico sobre o Direito Humano À Alimentação e à Nutrição Adequadas (Dhana). A publicação em formato PDF mostra as conquistas, os desafios e a base jurídico-constitucional desse direito humano fundamental.

Foto destacada: Opas

Especialistas da ONU pedem que Brasil abandone políticas de austeridade imediatamente

Abandonar imediatamente políticas de austeridade que estão colocando milhões de vidas em risco e aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza exacerbadas pela pandemia da Covid-19. É o apelo de dois especialistas em direitos humanos (DHs) da Organização das Nações Unidas (ONU) ao Brasil.

Juan Pablo Bohoslavsky, especialista independente em direitos humanos e dívida externa, e Philip Alston, relator especial sobre pobreza extrema, descrevem como “dramaticamente visíveis na crise atual” os impactos adversos da Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Sociais (EC 95).

Nota distribuída à imprensa hoje (29) alerta que só 10% dos municípios brasileiros contam com leitos de terapia intensiva e o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem nem a metade do número de leitos hospitalares recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

“Os cortes de financiamento governamentais violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, moradia, alimentação, água e saneamento e igualdade de gênero”, denuncia a declaração, endossada por cinco relatores especiais de DHs – entre eles e elas, Hilal Elver, responsável pelo tema do direito à alimentação – e pelo grupo de trabalho sobre discriminação contra mulheres e meninas.

“Economia para quem?”, questionam Bohoslavsky e Alston. “Não é permitido pôr em risco a vida e a saúde das pessoas, incluindo os profissionais de saúde, pelos interesses financeiros de alguns.”

Os dois também perguntam quem será responsabilizado quando pessoas morrerem por decisões políticas contrárias à ciência e ao aconselhamento médico especializado. E elogiam medidas adotadas pelo governo – por pressão popular, institucional e de parte da classe política – como a renda básica emergencial e o distanciamento social para evitar ou retardar o contágio.

“A crise da Covid-19 deve ser uma oportunidade para os Estados repensarem suas prioridades, por exemplo, introduzindo e melhorando os sistemas universais de saúde e proteção social, bem como implementando reformas tributárias progressivas”, defenderam os especialistas da ONU. “Os Estados de todo o mundo devem construir um futuro melhor para suas populações, e não valas comuns.”

Leia a declaração e saiba sobre a petição que pede a suspensão da EC 95 ao Supremo Tribunal Federal (STF), da qual a FIAN Brasil participa.

“Comunidades estão sendo envenenadas no Brasil”, denuncia relator da ONU

Baskut Tuncak, relator especial da ONU sobre substâncias tóxicas, conclui que a impunidade reina quando o assunto é crime ambiental no Brasil. Ao terminar sua missão pelo país, ele alerta que o Brasil está em um “trágico caminho de desmantelamento das instituições de proteção do meio ambiente”.

O especialista esteve no país por duas semanas em dezembro e apresentará no segundo semestre de 2020 seu informe final diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Em entrevista à coluna, o relator da ONU apresentou algumas de suas primeiras observações sobre um informe que promete colocar forte pressão sobre o governo.

Durante sua viagem, ele conta que autoridades e entidades insistiam em tratar de casos específicos como sendo “crimes ambientais”. “Mas não há punição e nem processo criminal”, alertou, sem entrar em detalhes sobre os casos que tratará em seu informe final. “A impunidade era total”, afirmou. Segundo ele, “uma sensação perversa de impunidade entre os criminosos que envenenam as pessoas, tomam suas terras e destroem o meio ambiente.”

Ao mesmo tempo, Tuncak alerta que há um movimento no Brasil para criminalizar quem luta pelo meio ambiente.

Ele ainda ressaltou o aumento nas taxas de desmatamento e o número de incêndios na Amazônia. Em sua avaliação, tais realidades podem ter uma “possível influência de sinalizações do governo sobre mudanças nos regimes de uso da terra, em prol de acelerar e aumentar a produção da agricultura e mineração”.

“É desanimador ver as autoridades desmantelando tantos canais de colaboração e até mesmo tentando criminalizar esses atores”, disse. “Uma mudança radical na relação entre governo e sociedade civil é crucial para melhorar o difícil cenário que eu observei,” alerta Tuncak.

O especialista indicou que, depois do rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, depois do vazamento de óleo e de uma “epidemia de envenenamentos por pesticidas”, ele esperava encontrar um governo que estivesse comprometido em adotar medidas rigorosas de controle ambiental. “Ao contrário, vemos ocorrer o oposto”, declarou. Para ele, o atual comportamento do governo Bolsonaro é preocupante.

“Pedi a visita em muitas ocasiões e finalmente ela foi aceita. Eu pensei que a demora era para permitir que o governo mostrasse o que havia feito desde Brumadinho. Mas fiquei muito decepcionando”, declarou. “Foram duas semanas muito difíceis”, insistiu.

Sem ministros

Segundo ele, a visita ocorreu sem que nenhum ministro o tenha recebido. O relator também contou que, depois de apresentar sua agenda pelo Brasil e as visitas, o governo apenas deu um retorno sobre o percurso faltando cinco dias para a missão, em dezembro.

Uma vez no Brasil, o relator diz que recebeu um apoio adequado dos departamentos técnicos do Itamaraty e do Ministério de Direitos Humanos. Mas não sentiu o mesmo entusiasmo do Ministério do Meio Ambiente.

Barragens

Tuncak esteve em Brumadinho e diz ter tido conversas “difíceis” com moradores e sobreviventes. Mas o que mais o chocou foi a resposta das autoridades e o fato de, um ano depois, o governo ainda depender dos dados da empresa responsável pelo local, a Vale.

Segundo ele, apesar de o governo e empresas terem negado reconhecer a situação por anos, está cada vez mais claro o impacto da exposição da população à lama tóxica em Mariana. “No entanto, as empresas responsáveis continuam abusando do seu poder impedindo que informações de saúde e segurança sejam publicadas”, denunciou.

“O Brasil está descumprindo sua obrigação constitucional de proteger os direitos humanos da exposição a substâncias tóxicas e resíduos perigosos, eliminando ministérios cruciais, restringindo o financiamento para funções essenciais, eliminando programas importantes, restringindo as instâncias de participação cívica e deixando de aplicar as leis e decisões judiciais que existem para proteger os direitos humanos de exposições tóxicas”, declarou ao final da visita.

Pesticidas

Outra constatação do relator se refere à aprovação de novos pesticidas pelo governo Bolsonaro, em 2019, e mesmo em 2018. No total, ele teria recebido a informação de que o total de novas aprovações chegaria a 800 produtos. Segundo ele, a explicação do Ministério da Agricultura visava minimizar o fato.

Mas o especialista conta que se reuniu com médicos e representantes de comunidades que indicaram a existência de um sério problema. “Existem comunidades envenenadas”, alertou. “E membros do governo apontaram implicitamente e mesmo explicitamente, em alguns momentos, que não tem recursos para monitorar”, lamentou.

O relator deu o exemplo da comunidade de Piquiá de Baixo que, segundo ele, “está envenenada há décadas”.

“O Brasil segue permitindo o uso de dezenas de pesticidas altamente perigosos, banidos por muitos outros países”, disse. “As ações ou falta de ação do governo liberou uma onda catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que envenenarão as gerações futuras, caso ações urgentes não forem tomadas para realinhar o Brasil com o caminho do desenvolvimento sustentável”, declarou.

Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida