Informe mostra impactos dos agrotóxicos na América Latina e no Caribe

A FIAN lançou nesta terça-feira (27) o informe Agrotóxicos na América Latina: violações contra o direito à alimentação e à nutrição adequadas.

Com 108 páginas, a publicação reúne dados e relatos sobre os impactos dessas substâncias no Brasil e em mais sete países latino-americanos e caribenhos: Colômbia, Paraguai, Equador, Honduras, Guatemala, México e Haiti.

O relatório mostra como os agrotóxicos impactam a saúde humana e o meio ambiente, e como isso impede a realização plena do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana). Também identifica um padrão na estratégia das corporações na região.

O lançamento contou com a participação do relator especial para Substâncias Tóxicas e Perigosas da ONU, Marcos Orellana, e da geógrafa Larissa Bombardi, autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. Foram apresentados testemunhos sobre comunidades atingidas de Brasil, Haiti e Paraguai. A documentação do caso brasileiro, em que pulverização aérea foi usada como arma para expulsão de posseiros de área rural em disputa em Pernambuco, será entregue a Orellana e possivelmente a relatores/as especiais de outros temas. 

A mediação coube a Valéria Burity, da FIAN Brasil, e o informe foi apresentado por Juan Carlos Morales González, da FIAN Colômbia, e pelo pesquisador Leonardo Melgarejo. Mais de 700 pessoas participaram.

Confira como foi o debate e acesse a publicação em português, espanhol ou inglês.

No dia 5 o relatório terá novo momento de divulgação global: um seminário no qual a FIAN Internacional vai apresentar também os resultados de estudo sobre experiências de transição para comunidades e sistemas alimentares livres de agrotóxicos.

Múltiplos impactos

Agrotóxicos na América Latina parte da conceituação do direito humano à alimentação e à nutrição adequadas (Dhana), consagrado em tratados internacionais, para mostrar como esse direito é violado na região.

O Dhana deve ser considerado em suas duas dimensões: o direito de estar livre da fome e o direito à alimentação e à nutrição adequadas. Esse direito não se restringe a uma condição biológica. Portanto, é preciso falar de todo o processo alimentar (o conjunto de processos sociais, econômicos e culturais nos quais a alimentação está envolta), visando que ele esteja direcionado para a promoção da dignidade humana e garantindo a sustentabilidade socioambiental desse processo.

Assim, a garantia efetiva do Dhana relaciona-se à garantia, para toda população, do consumo, por seus próprios meios e de forma emancipatória, de alimentos adequados, saudáveis, nutritivos e culturalmente aceitáveis, sem discriminação por motivos de raça, de etnia, de gênero, de geração, ou de questões econômicas e sociais. Os dados e relatos apresentados no informe mostram como o uso dessas substâncias afeta todas essas dimensões do Dhana.

Estado capturado por corporações

Os dados e os relatos trazidos pelas FIANs evidenciam que existe uma captura do Estado por parte das grandes corporações. Há tolerância, aquiescência e até protagonismo de nossos Estados diante das diferentes formas de violência que permitem que agrotóxicos sejam usados sem controle. Há, assim, a violação sistemática e deliberada das obrigações estatais para com o Dhana e direitos relacionados, priorizando o lucro em lugar do respeito aos direitos humanos, à sustentabilidade ambiental e à própria democracia. A agenda legislativa e várias mudanças regulatórias ocorrem para favorecer essa situação e os interesses das empresas.

Por padrão, houve aumento do uso e comercialização de agrotóxicos na última década. O produto de maior uso é o herbicida glifosato, classificado como cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (Iarc). Esse aumento está associado também ao aumento das lavouras geneticamente modificadas (GM), no contexto da venda de pacotes tecnológicos. Seguem-se a esse modelo a simplificação dos hábitos alimentares e a destruição de práticas e de saberes culturais. Os impactos sobre a saúde e o meio ambiente concentram-se nos países exportadores de commodities (basicamente soja, milho, algodão e colza) dominadas por essas transnacionais.

Violência e desregulação

A flexibilização das legislações é agravada por perseguições e mortes de ativistas, criminalização de movimentos sociais, legalização de crimes e abafamento de reações. Os conflitos de interesses associados a tais desvios da comunidade científica e política expressam-se na omissão ou na culpa direta de agências responsáveis pelo controle da qualidade dos alimentos, dos insumos e da proteção à saúde e ao ambiente, estabelecendo um ciclo vicioso no qual o agravamento de problemas soma-se a decisões que recrudescem suas causas.

O uso de agrotóxicos proibidos na Comunidade Europeia cresce em nossa região, onde registra-se que, atualmente, pelo menos um terço dos produtos mais vendidos corresponde a praguicidas altamente perigosos, vetados em seus países de origem.

Também tem ocorrido aumento no número de intoxicações aliado à subnotificação dessa questão. As informações sobre intoxicação e altas taxas de enfermidades relacionadas ao emprego de agrotóxicos, apesar da ausência de espaços de denúncia para tais casos, são bastante numerosas em praticamente todos os países que participam deste informe.

Na Guatemala, por exemplo, houve registro de resíduo do agrotóxico DDT no leite materno em volume 185 vezes superior ao limite considerado tolerável pela OMS, enquanto na Colômbia agrotóxicos representaram 28,67% das intoxicações por substâncias químicas em 2014. Esses dados se agravam pela ausência de políticas públicas aplicadas à análise e ao monitoramento de resíduos desses princípios ativos.

Recomendações

Agrotóxicos na América Latina aponta os Estados onde estão localizadas as sedes das empresas fabricantes dessas substâncias como os grandes responsáveis por seus danos. A FIAN identifica graves deficiências nos mecanismos universais e regionais de direitos humanos ao propor medidas vinculativas para reverter e punir o uso crescente de desses produtos e suas consequências.

A entidade defende que os países da região estabeleçam moratórias sobre culturas geneticamente modificadas ou outros modelos agroprodutivos altamente exigentes de agrotóxicos e observem o princípio da precaução em qualquer decisão sobre o assunto. O relatório enfatiza a necessidade de estruturar mecanismos de nacionais de justiciabilidade, reparação, indenização e não repetição acerca de violações dos direitos de populações, comunidades e indivíduos. Propõe também que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos incorpore e aplique o enfoque das obrigações extraterritoriais ao analisar a situação em nossos países.

Pesticides in Latin America: Violations against the right to adequate food and nutrition

Pesticides in Latin America: Violations against the right to adequate food and nutrition. The 2020 Regional Report has been carried out by FIAN Brasil in partnership with FIAN Colombia and in collaboration with the other FIAN sections and groups in the region (Paraguay, Ecuador, Honduras, Guatemala, Mexico and Haiti), in addition to FIAN International.

Download the publication.

FIAN e outras entidades da Rede Global pelo Dhana manifestam apoio a Larissa Bombardi

A partir de proposta da FIAN Brasil, a FIAN Internacional e 11 seções da entidade divulgaram nota pública de apoio à professora Larissa Bombardi e contra a perseguição a pesquisadores e pesquisadoras.

A manifestação defende a liberdade de pesquisa, o direito de informação e a democracia. É assinada por mais 22 organizações da Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição (GNRtFN) – entre elas o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) – e três coletivos latino-americanos de agricultura familiar.

Bombardi, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), anunciou em março a decisão de deixar o país em razão das intimidações que vem sofrendo há anos. Elas buscam interromper seus trabalhos sobre os impactos dos agrotóxicos nos direitos humanos e no meio ambiente, além de suas investigações sobre a ligação entre sistemas alimentares corporativos e pandemias como a que vivemos agora.

Participação em lançamento da FIAN

Autora do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, Bombardi participará do lançamento do informe regional Agrotóxicos na América Latina: Violações Contra o Direito à Alimentação e à Nutrição Adequadas, previsto para o dia 27, com transmissão ao vivo. A publicação é uma iniciativa da FIAN Brasil realizada em parceria com a FIAN Colômbia e com a colaboração das seções, coordenações e grupos da FIAN no Paraguai, no Equador, em Honduras, na Guatemala, no México e no Haiti.

A geógrafa tem recebido apoio massivo de entidades acadêmicas e organizações civis. Leia, abaixo, a manifestação organizada pela FIAN.

Nota de apoio das seções da FIAN à professora Larissa Bombardi, do Departamento de Geografia da USP

As seções da FIAN que assinam esta nota repudiam as ameaças sofridas pela professora Dra. Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo, em razão de suas pesquisas sobre agrotóxicos e seus impactos nos direitos humanos e no meio ambiente no Brasil, sendo um de seus principais trabalhos como pesquisadora o atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia. Bombardi também tem alertado como sistemas alimentares corporativos apresentam graves externalidades e podem estar associados a pandemias, como a que vivemos agora.

Reconhecemos a qualidade técnica e relevância do seu trabalho, especialmente em um momento de grave crise ambiental e sanitária que afeta a população mundial. 

É inaceitável que pesquisadores e pesquisadoras sejam perseguidos/as e criminalizados/as em decorrência de seus trabalhos científicos. Essa é uma violação à liberdade de pesquisa, ao direito de informação da sociedade e à democracia.

Declaramos que estamos atentos/as à gravidade desta situação e incansavelmente solidários/as à professora Larissa Mies Bombardi.

Assinam:

FIAN Internacional
FIAN Brasil
FIAN Colômbia
FIAN Equador
FIAN Índia
FIAN Indonésia
FIAN Nepal
FIAN Portugal
FIAN Sri Lanka
FIAN Suécia
FIAN Suíça
FIAN Uganda

Outros membros da Rede Global pelo Direito à Alimentação e à Nutrição (GNRtFN):

African Centre for Biodiversity
Biowatch South Africa
Bread for all, Switzerland
Center for Food and Adequate Living Rights (CEFROHT), Uganda
Focus on the Global South
Food Security Network-Khani, Bangladesh
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN)
International Union of Food, Agricultural, Hotel, Restaurant, Catering, Tobacco and Allied Workers’ Associations (IUF)
Katarungan, the Philippines
Maleya Foundation, Bangladesh
Movimiento de la Juventud Kuna, Panama
Nafso, Sri Lanka
Pakistan Kissan Rabita Committee, Pakistan
PPSS/ Anti-Jindal & Anti-POSCO Movement, India
Right To Food Campaign, West Bengal, India
Sri Lanka Nature Group
The Right to Food Network Malawi
Why Hunger, USA
World Forum of Fisher People’s (WFFP)
Youth’s Forum for Protection of Human Rights (YFPHR), India
Zambia Alliance for Agroecology and Biodiversity

Também assinam:

Centro Agrícola Cantonal de Quevedo
Colectivo Agroecologico del Ecuador
Colectivo de Jóvenes Rurales Machete y Garabato


Foto: Cecília Bastos (publicada no Portal USP)

Adiado julgamento pelo STF sobre inconstitucionalidade da isenção fiscal de agrotóxicos

Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre o tema será reacomodada na pauta do Supremo Tribunal Federal 

A apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 que questiona a isenção fiscal dos agrotóxicos foi adiada. No início da sessão desta quarta-feira (19), o presidente do STF, Dias Toffoli, informou que a sessão seria mais curta em razão da participação dos ministros da Corte na posse da ministra Cristina Peduzzi para presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST). A agenda da posse ocorre às 17h. Ainda não há nova data para análise pela Corte da ação sobre a isenção fiscal dos agrotóxicos. 

O ministro Toffoli ainda afirmou que os processos serão reacomodados na pauta e as partes serão intimadas. 

Sobre a ADI 
A Ação é movida pela Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2016. Na ADI o partido questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.

Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um expecto diverso dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Ao todo quatro pedidos – individuais e coletivos –  de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian Brasil.

Por Assessoria de Comunicação Terra de Direitos

Prato do Dia: O que é essencial? A vida ou o veneno? O STF dirá

Por Valéria Burity, secretária geral da Fian Brasil

Está agendado para esta quarta-feira, 19 de fevereiro, o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553. Ajuizada pelo PSOL em junho de 2016, a ação questiona a constitucionalidade das cláusulas 1ª e 3ª  do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), que reduzem 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) dos agrotóxicos. Questiona também a constitucionalidade do Decreto 7.660/2011 que concede Isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a vários agrotóxicos estipulados na Tabela de Impostos sobre Produtos Industrializados. 

As normas que concedem estas isenções aos agrotóxicos se pautam no princípio da seletividade em função da essencialidade dos seus objetos, isto é, os produtos devem sofrer menor tributação se são considerados essenciais para a sociedade.  Então, nesse julgamento, o STF terá a oportunidade de responder se, de acordo com os preceitos constitucionais, os agrotóxicos são essenciais a ponto de não serem tributados. Ainda não sabemos como o STF irá julgar. Mas entendemos o momento em que estamos, assim como as externalidades que decorrem da comercialização e do uso de agrotóxicos. Com isso,  podemos desde já resgatar algumas normas da Constituição para termos nós, a nossa resposta. 

Não se pode ignorar que vivemos um momento não apenas de crise, mas de colapso ambiental – e o uso de agrotóxicos pode agravar essa situação. Portanto, qualquer ação que vise regular este tema, não diz respeito apenas à nossa saúde como indivíduos, mas também à saúde do planeta em que vivemos, o que faz com que esse assunto seja de extrema relevância. Qualquer julgamento que ignore esse fato ignora também o momento histórico em que a humanidade se encontra. Pode, só por isso, ser um desserviço à vida.

Sindemia global

A Revista Lancet registrou em 2019 que os sistemas alimentares são responsáveis por uma “sindemia global”, ou seja, a sinergia entre três pandemias: obesidade, má nutrição e mudanças climáticas, invocando a extrema necessidade de mudarmos a forma como produzimos e consumimos alimentos como condição para reverter esse quadro. Ainda em 2014, em seu informe final, Olivier de Schutter, então relator da ONU para o direito humano à alimentação, deu ênfase à insustentabilidade desses sistemas, destacando o seu impacto destruidor sobre a natureza e o papel que os agrotóxicos têm nesse processo.

Ao final do informe, o Relator também chamou a atenção para urgente necessidade de redirecionarmos os sistemas alimentares para padrões mais sustentáveis, sob pena de vivermos crises de segurança alimentar e nutricional em apenas algumas décadas. 

Em 2018, dois relatores da ONU também trataram do tema agrotóxicos no relatório A/HRC/34/48. Apontaram, neste documento, que os pesticidas são responsáveis por 200.000 mortes por envenenamento agudo por ano, dos quais 99% ocorrem em países em desenvolvimento. Esse dado escancara a perversidade do uso de agrotóxicos, pois não há fiel da balança: a maior parte do lucro desse mercado vai para poucas corporações que o monopolizam, as externalidades recaem sobre grupos mais vulneráveis dos países mais pobres.

O relatório também traz dados do impacto dos agrotóxicos sobre a saúde de agricultoras e agricultores, de trabalhadores e trabalhadoras rurais, de povos indígenas e de outros povos e comunidades tradicionais, crianças, gestantes e consumidores e consumidoras, bem como sobre o meio ambiente.  Ao final do informe, os autores também alertam que é necessária uma mudança urgente na forma de produzir alimentos. E trazem recomendações, dentre elas a de que haja a eliminação de subsídios aos pesticidas e o pagamento de taxas por sua utilização.

Liberação recorde de agrotóxicos

No Brasil, assim como no restante do mundo, também persistem graves violações aos direitos humanos nos sistemas alimentares. Em 2019, o Brasil foi responsável pela liberação recorde de agrotóxicos (474, de acordo com MAPA). Enfraqueceu ou desmontou as políticas de incentivo à agricultura familiar e à agroecologia.

Entre 2007 e 2015, foram notificados 84.206 casos de intoxicação por agrotóxicos – e pesquisadoras nos alertam que há um grave problema de subnotificação do problema, que pode ser 50 vezes maior. Agrotóxicos têm sido utilizados como arma química contra povos indígenas. Isso foi comprovado recentemente, quando a Justiça Federal do Mato Grosso do Sul condenou um fazendeiro, um piloto e uma empresa a pagarem R$ 150 mil à comunidade indígena Tey Jusu, da etnia Guarani e Kaiowá, que sofreu pulverização de veneno, sendo crianças e adultos intoxicados neste episódio.

Com as isenções e as reduções de impostos sobre os agrotóxicos, o Estado deixa de arrecadar quase R$ 10 bilhões por ano, segundo estudo da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Essa injustiça fiscal é um exemplo de como o Estado contribui para desigualdade no país. De um lado, se constitucionaliza a política de austeridade, com a Emenda Constitucional 95, que gerou expressivos cortes em importante políticas públicas voltadas para agricultura familiar e para a agroecologia, dentre outras. De outro lado, permite a isenção bilionária de tributos para grandes empresas. É o Estado ajudando a mão do mercado – invisível, mas pesada – a passar o fardo da concentração de renda para a população mais pobre do país. 

Os agrotóxicos afetam nossa saúde, o meio ambiente e deixam um buraco na receita pública. E tudo isso serve para quê? Não, não é para nos alimentar.

Segundo dados da SINDVEG de 2018, 80% dos agrotóxicos utilizados se destinam às monoculturas de soja, milho, cana de açúcar e algodão, favorecendo o mercado de commodities e não a produção de alimentos para a população brasileira. Além disso, apesar de sermos campeões no consumo de venenos, nunca eliminamos a fome do nosso país. E, com o aumento a todo vapor da pobreza e da extrema pobreza, há o temor de que esse fenômeno volte a horrorizar vidas, pois como disse Elza Soares: “a fome é uma coisa horrorosa”.

Esperamos que o Supremo Tribunal Federal faça valer os direitos fundamentais previstos na Constituição. Todas as externalidades ligadas à comercialização e ao uso de agrotóxicos se chocam com nossa Constituição, que prevê o direito à alimentação, que deve ser garantido com políticas de proteção social e com a promoção de sistemas alimentares sustentáveis e saudáveis.

A nossa Constituição, graças a muitas lutas, também prevê o direito à saúde e ao meio ambiente equilibrado, bem como a redução da desigualdade e o direito de todas as pessoas viverem com dignidade.

Todos esses direitos põem em xeque o argumento da essencialidade dos agrotóxicos. A vida é essencial, veneno, não.

Violações de direitos no Brasil é tema de encontro na Embaixada do Reino Unido

Representantes das embaixadas da Austrália, Reino Unido, EUA, Nova Zelândia, Argentina, Estados Unidos, Canadá e México se reuniram no dia 4 de fevereiro, na Embaixada do Reino Unido, com representantes dos movimentos e entidades brasileiras para discutir diversos temas de violações e ataques à direitos que tem acontecido no Brasil.

A liberação dos agrotóxicos e o ataque aos Conselhos estiveram em pauta na reunião que contou com a participação de FE Act Brasil/CESE, MAB, União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, Fian Brasil, APIB, Resex, Unisol Brasil, CIMI e PAD/Heks.

Valéria Burity entrega Informe Dhana para representante da embaixada do Reino Unido

A Fian Brasil também participou da reunião e apresentou denúncias com base no Informe sobre o Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas 2019: autoritarismo, negação de direitos e fome, lançado em novembro do ano passado. “Na reunião tratamos da extinção do Consea, do desmonte do Estado, cortes no orçamento de vários programas importantes na política de Segurança Alimentar e Nutricional, liberação de agrotóxicos, e o contexto de criminalização e violências para conter lutas sociais”, destaca a secretária-geral da Fian Brasil, Valéria Burity.

Com informações da Unisol

Inconstitucionalidade da isenção de impostos para setor de agrotóxicos será julgado pelo STF

Setor de agrotóxicos é beneficiado com a redução de ICMS e isenção total de IPI. Em paralelo, setor obteve altos lucros.

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve apreciar, no próximo dia 19 de fevereiro, a inconstitucionalidade da isenção de impostos para os agrotóxicos. O julgamento é movido pela Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em 2016.

Na ação o PSOL questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais ao mercado de agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.

O pagamento parcial do tributo ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios dos dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e indicar benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias.

De alto impacto à saúde humana e ao meio ambiente, a concessão do benefício tributário aos agrotóxicos não encontra solidez argumentativa por parte do Estado brasileiro. Ao apresentar manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade, após requerimento do Ministro do STF, o relator Edson Fachin, o Ministério da Fazenda não apresentou fundamentos técnicos para a concessão da não tributação. Outra crítica à concessão no benefício reside que este mesmo princípio não é aplicado pelo Estado a produtos essenciais para a população brasileira, como alguns itens de consumo diário pela população brasileira. 

Com faturamento estimado em 2017 de US$ 8,9 bilhões (Associação Brasileira de Defensivos Genéricos, 2018) – correspondente a atuais R$ 37,55 bilhões – o setor deixa de destinar significativas quantias ao poder público brasileiro e eleva, ao máximo, a possibilidades de lucro.

Com liberação recorde de 503 registros de agrotóxicos no primeiro ano de mandato de Jair Bolsonaro (sem partido), por meio da pasta da agricultura, sob comando da ministra com estreita ligação com o agronegócio, Tereza Cristina (PSL), o valor que o Estado brasileiro deixa de arrecadar no próximo período aumenta exponencialmente. Isto porque, como o sistema de tributação incide sobre o produto, quanto mais agrotóxico se utiliza, menos se deixa de arrecadar impostos.  

Impactos para os cofres públicos
Além da não arrecadação de tributos pelos Estado brasileiro, a utilização dos agrotóxicos também traz outros prejuízos aos cofres públicos. Um estudo publicado na revista Saúde Pública, de autoria de Wagner Soares e Marcelo Firpo de Souza Porto, revela que para cada dólar gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, por exemplo, são gastos U$$ 1,28 no tratamento de intoxicações agudas – aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. Nesse cálculo não são considerados os gastos com saúde pública em decorrência da exposição constante aos venenos agrícolas, como com o tratamento do câncer.  

Ausência de recursos para segurança alimentar
Enquanto o Brasil deixa de arrecadar com a tributação do setor dos agrotóxicos, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) padece do esvaziamento orçamentário. Executado pelo Ministério da Cidadania, o Programa que realiza a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares e distribui para a população em contexto de insegurança alimentar e nutricional deve receber o montante de R$101 milhões em 2020, de acordo com a previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para o vigente ano. O valor destoa do teto orçamentário para o Programa destinado em 2012, na ordem de R$ 1,2 bilhão e da destinação de 225,59 bilhões ao Plano Safra 2019/2020, em atendimento aos interesses do agronegócio.  

Participação da sociedade civil
Para colaborar na argumentação técnica e jurídica sobre impactos sociais e econômicos da isenção fiscal, organizações da sociedade civil e redes de atuação de um expecto diverso dos direitos humanos participam do julgamento da ação, na condição de Amici Curiae. Ao todo quatro pedidos – individuais e coletivos –  de participação da sociedade foram admitidos pela Corte, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Terra de Direitos, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Fian Brasil.

Em defesa da manutenção da isenção, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja), Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal. (Sindiveg), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também foram admitidas no processo.

“Comunidades estão sendo envenenadas no Brasil”, denuncia relator da ONU

Baskut Tuncak, relator especial da ONU sobre substâncias tóxicas, conclui que a impunidade reina quando o assunto é crime ambiental no Brasil. Ao terminar sua missão pelo país, ele alerta que o Brasil está em um “trágico caminho de desmantelamento das instituições de proteção do meio ambiente”.

O especialista esteve no país por duas semanas em dezembro e apresentará no segundo semestre de 2020 seu informe final diante do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Em entrevista à coluna, o relator da ONU apresentou algumas de suas primeiras observações sobre um informe que promete colocar forte pressão sobre o governo.

Durante sua viagem, ele conta que autoridades e entidades insistiam em tratar de casos específicos como sendo “crimes ambientais”. “Mas não há punição e nem processo criminal”, alertou, sem entrar em detalhes sobre os casos que tratará em seu informe final. “A impunidade era total”, afirmou. Segundo ele, “uma sensação perversa de impunidade entre os criminosos que envenenam as pessoas, tomam suas terras e destroem o meio ambiente.”

Ao mesmo tempo, Tuncak alerta que há um movimento no Brasil para criminalizar quem luta pelo meio ambiente.

Ele ainda ressaltou o aumento nas taxas de desmatamento e o número de incêndios na Amazônia. Em sua avaliação, tais realidades podem ter uma “possível influência de sinalizações do governo sobre mudanças nos regimes de uso da terra, em prol de acelerar e aumentar a produção da agricultura e mineração”.

“É desanimador ver as autoridades desmantelando tantos canais de colaboração e até mesmo tentando criminalizar esses atores”, disse. “Uma mudança radical na relação entre governo e sociedade civil é crucial para melhorar o difícil cenário que eu observei,” alerta Tuncak.

O especialista indicou que, depois do rompimento de barragens em Mariana e Brumadinho, depois do vazamento de óleo e de uma “epidemia de envenenamentos por pesticidas”, ele esperava encontrar um governo que estivesse comprometido em adotar medidas rigorosas de controle ambiental. “Ao contrário, vemos ocorrer o oposto”, declarou. Para ele, o atual comportamento do governo Bolsonaro é preocupante.

“Pedi a visita em muitas ocasiões e finalmente ela foi aceita. Eu pensei que a demora era para permitir que o governo mostrasse o que havia feito desde Brumadinho. Mas fiquei muito decepcionando”, declarou. “Foram duas semanas muito difíceis”, insistiu.

Sem ministros

Segundo ele, a visita ocorreu sem que nenhum ministro o tenha recebido. O relator também contou que, depois de apresentar sua agenda pelo Brasil e as visitas, o governo apenas deu um retorno sobre o percurso faltando cinco dias para a missão, em dezembro.

Uma vez no Brasil, o relator diz que recebeu um apoio adequado dos departamentos técnicos do Itamaraty e do Ministério de Direitos Humanos. Mas não sentiu o mesmo entusiasmo do Ministério do Meio Ambiente.

Barragens

Tuncak esteve em Brumadinho e diz ter tido conversas “difíceis” com moradores e sobreviventes. Mas o que mais o chocou foi a resposta das autoridades e o fato de, um ano depois, o governo ainda depender dos dados da empresa responsável pelo local, a Vale.

Segundo ele, apesar de o governo e empresas terem negado reconhecer a situação por anos, está cada vez mais claro o impacto da exposição da população à lama tóxica em Mariana. “No entanto, as empresas responsáveis continuam abusando do seu poder impedindo que informações de saúde e segurança sejam publicadas”, denunciou.

“O Brasil está descumprindo sua obrigação constitucional de proteger os direitos humanos da exposição a substâncias tóxicas e resíduos perigosos, eliminando ministérios cruciais, restringindo o financiamento para funções essenciais, eliminando programas importantes, restringindo as instâncias de participação cívica e deixando de aplicar as leis e decisões judiciais que existem para proteger os direitos humanos de exposições tóxicas”, declarou ao final da visita.

Pesticidas

Outra constatação do relator se refere à aprovação de novos pesticidas pelo governo Bolsonaro, em 2019, e mesmo em 2018. No total, ele teria recebido a informação de que o total de novas aprovações chegaria a 800 produtos. Segundo ele, a explicação do Ministério da Agricultura visava minimizar o fato.

Mas o especialista conta que se reuniu com médicos e representantes de comunidades que indicaram a existência de um sério problema. “Existem comunidades envenenadas”, alertou. “E membros do governo apontaram implicitamente e mesmo explicitamente, em alguns momentos, que não tem recursos para monitorar”, lamentou.

O relator deu o exemplo da comunidade de Piquiá de Baixo que, segundo ele, “está envenenada há décadas”.

“O Brasil segue permitindo o uso de dezenas de pesticidas altamente perigosos, banidos por muitos outros países”, disse. “As ações ou falta de ação do governo liberou uma onda catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que envenenarão as gerações futuras, caso ações urgentes não forem tomadas para realinhar o Brasil com o caminho do desenvolvimento sustentável”, declarou.

Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida

“Brasil caminha para um futuro tóxico”, diz relator da ONU sobre liberação de venenos

Em missão no país, Baskut Tuncak também alertou para resíduos da mineração e criminalização da luta popular

O ritmo de liberação de agrotóxicos no Brasil chamou a atenção do relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a área de “Implicações da gestão e eliminação ambientalmente racional de substâncias e resíduos perigosos”, Baskut Tuncak. Ao encerrar uma missão oficial após 11 dias no país, ele criticou, nesta sexta-feira (13), a liberação de novos pesticidas pelo governo Bolsonaro. Em menos de um ano de mandato, a gestão autorizou mais de 400 produtos a circularem no mercado nacional.

“O Brasil está em um caminho íngreme de regressão rumo a um futuro muito tóxico. As ações ou falta de ação do governo liberaram uma onda catastrófica de pesticidas tóxicos, desmatamento e mineração que vão envenenar as gerações futuras, caso ações urgentes não sejam adotadas”, afirmou o emissário, ressaltando a necessidade de o país abraçar uma política de desenvolvimento sustentável.

Esse é um dos pontos de realce de um relatório preliminar apresentado por Tuncak nesta sexta em Brasília (DF). O emissário reforça que o país adota “dezenas de agrotóxicos que foram proibidos em mercados internacionais”.

Como consequência da expansão do uso de pesticidas, a área da saúde também fica comprometida, lembra Tuncak. O emissário pontuou que o cenário se traduz em mortes prematuras causadas por poluição tóxica, liberação de esgoto não tratado, contaminação de alimentos, violação de territórios de comunidades que são invadidas por pulverização de agrotóxicos no solo e no ar, crianças com doenças traumáticas ocasionadas por envenenamento, males congênitos, problemas respiratórios e neurológicos e outros problemas que resultam de “graves violações do direito à vida”.

“Pediatras descrevem a exposição infantil a agrotóxicos, por exemplo, como uma pandemia silenciosa”, afirmou o relator da ONU, ao mencionar que as violações atingem indígenas, mulheres e crianças.

O cenário de violência e a impunidade diante de crimes praticados pelo agronegócio, por madeireiros e outros atores que influenciam o jogo de forças no campo também são motivos de preocupação da ONU.

Tuncak resgatou o caso do trabalhador rural Zé Maria do Tomé, assassinado no Ceará em 2010 por lutar contra a pulverização aérea de agrotóxicos. “Ele foi brutalmente assassinado, tendo sido baleado de 20 a 25 vezes. Permanece a profunda suspeita de que a ordem do seu assassinato veio de um poderoso fazendeiro do agronegócio e o processo judicial, inconclusivo, nunca encontrou ou prendeu o culpado”, disse, lembrando também o alto índice de assassinatos de indígenas no Brasil.

Barragens

A atividade predatória de grandes mineradoras também chamou a atenção do relator, que esteve em Minas Gerais para averiguar dados relativos ao rompimento das barragens da Vale nas cidades de Mariana, em 2015, e Brumadinho, no início deste ano.

Ele lembrou que o primeiro caso registrou 18 mortes e impactou a vida de mais de 3 milhões de pessoas, enquanto o segundo resultou em quase 300 mortes. “Isso é uma tragédia horrível. As vítimas não são apenas os que morrem. Toda a comunidade foi vitimada. Nunca presenciei tamanho trauma como o que aquela comunidade vive”, disse, ao citar sobreviventes com estresse físico e mental pós-traumático, ocorrências de suicídio, entre outros males.

O relator declarou ainda que o caso de Brumadinho “deve ser investigado como crime” e que muito do que se deu no desastre “era previsível” porque funcionários da Vale tinham conhecimento prévio das “ameaças apresentadas pela barragem”.

Tuncak criticou as penalidades aplicadas no país para crimes ambientais, afirmando que “há multas de menos de R$ 5 mil por hectare”. Ele mencionou que há “senso de impunidade” no país. “No caso de Mariana, as ações criminais foram dispensadas”, exemplificou.

O emissário criticou ainda o que chamou de “posturas defensivas” das empresas envolvidas nos dois rompimentos que houve em Minas Gerais e acrescentou que elas fizeram “alegações infundadas e injustificáveis de que a lama não seria tóxica”.

Tuncak também disse que os governos brasileiros são reféns de informações produzidas pelas próprias mineradoras e que tais dados padecem de confiabilidade: “Os esforços estatais ainda são insuficientes e o país tem muitas barragens consideradas de alto risco. Aflige a possibilidade de que este [de Brumadinho] não seja o último rompimento de barragem no Brasil”.

Vazamento de óleo

O derramamento de óleo que atinge a costa do país também é lembrado no relatório preliminar da missão da ONU. O relator contou que ouviu queixas de comunidades litorâneas sobre “falta de fluxos de informações” com o governo e sentiu o receio dos moradores com relação ao consumo de peixes por pescadores artesanais.

“Muitos afirmam que tiveram o acesso ao seguro-defeso negado e não receberam apoio em seus esforços para limpar as praias. Também há relatos de discriminação baseada em gênero, o que é preocupante, porque não elegeram pescadores e algumas marisqueiras também”, disse, ao tratar do direito ao benefício.

Criminalização

Tuncak ressaltou a criminalização da luta popular e de ativistas de diferentes segmentos que atuam pela garantia de direitos e a preservação do meio ambiente no país. Como exemplo, citou o caso dos brigadistas presos em Alter do Chão (PA), em novembro, e disse que houve acusações falsas e sem embasamento.

“Existe um padrão de desacreditar membros da sociedade civil através de calúnia”, denunciou, acrescentando que se sente “profundamente aflito com a segurança dos membros das comunidades e de pessoas que lutam pela defesa dos seus direitos no Brasil”.

Roteiro

O relator da ONU estava em missão oficial no Brasil desde o último dia 2. Entre outras agendas pelo país, ele esteve na Câmara dos Deputados para participar de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM). Na ocasião, ouviu queixas, colheu dados e informações de parlamentares, membros do sistema de Justiça e organizações da sociedade civil sobre demandas relacionadas ao tema da missão.

Em meio ao desmonte promovido pela gestão Bolsonaro na área ambiental, os discursos ganharam tom de denúncia especialmente no que se refere ao derramamento de óleo na costa brasileira, à política para agrotóxicos e à criminalização de militantes.

Antes de produzir o relatório inicial, o emissário também se encontrou com representantes de governos estaduais, empresas, ministérios, pesquisadores, defensores públicos e procuradores da República.

O roteiro de Baskut Tuncak envolveu não só a capital federal, mas também visitas às cidades de Belo Horizonte (MG), Brumadinho (MG), Imperatriz (MA), São Luís (MA) e Recife (PE). Ele se disse impressionando com o empenho dos diferentes ativistas que atuam na defesa dos direitos humanos, sociais, políticos e ambientais.

“Muito me emocionou conhecer a persistente luta da sociedade civil. É para elevar essas pessoas que o sistema internacional de direitos humanos existe, e a persistência delas deve ser reconhecida”, declarou.

As observações feitas por Tuncak nesta sexta farão parte de um relatório que será apresentado pelo emissário em setembro do ano que vem no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Fonte: Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Novo PARA: Roupa bonita para um conteúdo altamente tóxico

Nota da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida sobre os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos 2017/18

Neste dia 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) lançou a nova edição do relatório do PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos). Neste sentido, saudamos a iniciativa da Agência, que após 3 anos de silêncio sobre o tema, volta a publicar dados tão importantes para a sociedade brasileira. O consumo de frutas, legumes e verduras é crucial para a saúde da população, e devem portanto estar livres de contaminantes químicos.

No período de 2017 e 2018, o PARA analisou 4616 amostras de 14 alimentos diferentes: abacaxi, alface, alho, arroz, batata-doce, beterraba, cenoura, chuchu, goiaba, laranja, manga, pimentão, tomate e uva. Foram pesquisados até 270 agrotóxicos diferentes nas amostras analisadas.

Apesar do aspecto técnico da publicação, o release divulgado no site da Anvisa é extremamente otimista. O título da matéria crava: “Estudo: alimentos vegetais são seguros“. Outras frases como “Os resultados não apontaram um potencial risco crônico para o consumidor“, ou  “As inconformidades não implicam, necessariamente, risco ao consumidor” já dão o tom de uma peça de propaganda política para um relatório que, lido atentamente, traz grandes preocupações para a sociedade.

Listamos algumas delas:

  • Dos 499 ingredientes ativos registrados na Anvisa, foram avaliados no máximo 270 substâncias em cada cultura. Nos perguntamos: como é possível autorizar um agrotóxicos e não monitorá-lo?
  • De acordo com o relatório, 51% do alimentos continham resíduos dos agrotóxicos analisados. Consideramos muito grave o fato de que mais da metade dos alimentos consumidos pela população esteja envenenado.
  • Em relação ao relatório de 2013-2015, houve um aumento de 17% no percentual de amostras irregulares, ou seja, amostras com mais agrotóxicos do que o permitido, ou com agrotóxicos não permitidos. Esse aumento é coerente com o aumento do uso de agrotóxicos no período (4% entre 2015 e 2017, segundo Ibama) e com o aumento no registro de intoxicações (14% entre 2015 e 2017, segundo Ministério da Saúde). Este aumento não é mencionado no relatório, fato que confirma uma interpretação por parte da Anvisa que tende a ocultar os riscos.
  • Segundo o relatório, 0,89% das amostras representa risco agudo. Ainda que o método para este cálculo seja bastante questionável, isto significa que, no mínimo de cada cem alimentos que comemos, 1 deles pode causar intoxicações agudas por conta dos agrotóxicos: dores de cabeça, enjoo, vômito, falta de ar… Este percentual não é baixo, e representa um grave perigo à população.
  • Na maioria destas amostras, foi encontrado o carbofurano, produto já banido no Brasil por se mostrar teratogênico e mutagênico, e por provocar danos ao aparelho reprodutor.
  • Em 0,9% dos casos, foram encontrados agrotóxicos não permitidos no Brasil. Novamente, 1 em cada 100 amostras possui produtos já considerados perigosos demais para a saúde, e seguem sendo usados na agricultura. Isto revela que a política do governo de minimizar a prevenção e apostar na fiscalização é inadequada e pouco responsável.
  • Não foram incluídos nesta edição produtos processados, o que leva à impressão de que os resíduos de agrotóxicos estão presentes apenas em produtos in natura. Além disto representar um equívoco, induz a população a pensar que é mais saudável comer um salgadinho do que uma fruta, o que contribui ainda mais para os baixos índices de ingestão de frutas legumes e verduras observados no Brasil.

Em um contexto de uso crescente de agrotóxicos ano a ano, e também de aumento sistemático das intoxicações por agrotóxicos registradas, é lamentável ver a Agência que deveria garantir a segurança alimentar da população minimizando resultados gravíssimos sobre as condições da comida servida ao povo brasileiro.

Finalmente, repudiamos as recomendações finais do relatório que remetem a um suposto “uso seguro de agrotóxicos”, e recomendam a lavagem de alimentos como forma de aumentar a segurança. Para a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a única forma garantir a segurança dos alimentos é através da agroecologia. A produção de comida sem uso de agrotóxicos – que não é mencionada em sequer uma linha do relatório – é a forma de garantir não só a segurança de quem consome, mas também de quem produz, das comunidades ao redor de plantações e do meio ambiente.

Fonte: Campanha Agrotóxicos